Atualizado em 2 de janeiro, 2014 - 11:59 (Brasília) 13:59 GMT
Minha avó ” Mãezinha”, com seus olhinhos espertíssimos, vigiava os mais de trinta netos, era um embolação só, todos dormindo aninhados em quatro pequenos cômodos de duas casinhas pequenas da Rua de trás, uns vinte metros do Barracão que era o nosso quintal das fuzarcas e brincadeiras. Dona Mariana, caminhava por sobre os netos deitados em colchões de palha, espalhados pelo chão , como uma gata caminha entre os muitos filhotes, pisando macio , sem nem sequer um leve toque , que fizesse algum despertar. Aquele pedaço de Gargaú tinha donos e, éramos nós, os “Netos de Mariana, netos que não tem igual, que sabem fazer e, brincar o Carnaval.”¹ A feira de Sábado pra gente começava lá pelas quatro da manhã, era acordar dar cem bombadas, naquela ferramenta monstruosa de jogar água pras caixas, a tal “bomba de sopapo”, isso pra ter o direito de lavar o rosto, escovar os dentes, tomar um copo de sorda² e correr pra viver o alvoroço da feira em frente ao Barracão. Um cenário de maravilhas de gente vinda de todo o sertão, de leitõezinhos e frangas gordas amarradas pelos pés, de frutas e verduras plantadas e colhidas à mão e Farinha da boa, torrada no tacho de ferro fundido e mexida no muque, do pirulito do bate bate, da papa, do queijinho curado, das bugingangas e, da boa gente; do Véi Tião Cachimbo, que me ministrou a arte do tarrafear, “breganhando” os fardos de Mulato Velho³ e do Gélson surdo, com seus Quibes divinos, do Babau, sempre cheio de estórias, Buéca com suas esteiras, coisa que lida até hoje, do Seu Nélson estes, ainda hoje estão por lá; do seu Zé Dantas, da Dona Mariquinha do Pastel, da mão firme do seu Nilton meu pai, segundo o menino, quando passava do ponto; do Capitão Andrade, sua figura simpaticamente imponente, do Seu Manoel Chaô, da Dona Ana e seus bolos, “eita como era bão”, do Quinzinho, do seu Amaro Silva, marido da adorável Dona Nica, do seu Temilto, e de uma “renca” de amigos velhos, de boas conversas e estórias; quem viu e viveu de verdade a história da Velha Gargaú é quem pode descrever com maior “detáiamento”. Também me lembro muito e com todo o carinho do mundo de “Mãezinha” dando seus gritos; ” Zé Armando, desce dai moleque, ferrada de Marimbondo dói pra cacete” ! Cadê que eu obedecia, eu era uma fera em capturar os bichinhos, vivia inventando armadilhas contra eles, nunca lhes dei chance de me dar um troco sequer; era o meu trocadinho pras linhas de pescar, chumbadas e anzóis, que eu usava pra pegar os “Bagrinhos rabo seco”, na maré, que naquele tempo era tão limpinha que até banho a gente tomava nela.
Quem pagava pelos marimbondos ?
- O bom “satanás do BRACUTÁIA”; posso chamá-lo assim , adquiri na convivência com o lamparão este direito; assim ele sempre me chamou e eu fui um ” bom moleque satanás” Bracutáia é mais que bom, é muito bom ! O personagem mítico, folclórico que ele criou e incorporou por toda a vida, fica de presente a cultura de nossa Gargaú e da nossa região, é um artista do povo, da simplicidade, um ser único. Que tua casca terrena, que seu corpo, siga em paz de volta ao pó. Porque de uma coisa eu tenho certeza e já estou vendo o “Esprito de porco alvoroçado” caminhando e zelando pelos Mangues, rondando nas noites escuras de Gargaú de braços dados com a mulher de branco da Zabita e a Moça Bonita do Manguezal ! Podem começar a correr !
Por Zé Armando Barreto
¹ – Waldo Pessanha, compôs ma música para o Carnaval em Gargaú, este era um dos versos.
² – Sorda é uma mistura de pão molhado dentro de um copo de café.
³ – Mulato Velho é o Bagre de Mar escalado(aberto e esvicerado) seco no tradicional “sal preso”
Fonte: Blog da coluna