Vendida como iniciativa pacificadora, a reunião de Dilma Rousseff com seu vice Michel Temer, na noite deste domingo (9), acirrou um pouco mais os ânimos do PMDB. A presidente não se mostrou disposta a ceder um sexto ministério à legenda. E tomou birra de Eduardo Cunha, líder do PMDB na Câmara. Deseja desligá-lo da tomada. O deputado não se deu por achado. Ao contrário. Eletrificado, arma emboscadas contra Dilma e o governo dela no Legislativo.
De saída, Eduardo Cunha articula: 1) a aprovação de uma comissão para investigar negócios da Petrobras; 2) a convocação em série de ministros e presidentes de bancos públicos para prestar esclarecimentos na Câmara; e 3) a derrubada do projeto de lei que institui o marco civil da internet, uma das prioridades de Dilma.
Criticado por ter trocado insultos em público com dirigentes do PT, o desafeto de Dilma afirmou, em privado, que chegou a hora de o PMDB falar no painel de votação da Câmara. Na opinião de Eduardo Cunha, a linguagem do painel é a única que o Palácio do Planalto entende.
A investida contra a Petrobras foi urdida antes do Carnaval, em reunião dos líderes do autodenominado ‘blocão’ na casa de Eduardo Cunha. Ficou combinado que os oito partidos que integram o megabloco votarão a favor de uma proposta do líder do DEM, deputado Mendonça Filho (PE). Prevê a criação de uma comissão de deputados para investigar, em diligências externas, denúncias de que funcionários da Petrobras receberam propinas milionárias de uma empresa holandesa de locação de plataformas petrolíferas, a SBM Offshore.
Abortada na antevéspera do início do recesso carnavalesco por uma manobra regimental do PT, a votação do requerimento anti-Petrobras é o primeiro item da pauta da sessão desta terça-feira (11). Longe dos refletores, o governo pressiona os líderes dos partidos que aderiram ao ‘blocão’. Os operadores de Dilma tentam convencer os pseudoaliados a desembarcar da iniciativa. A voz do painel dirá se o Planalto teve êxito.
A segunda tocaia, em avançado estágio de elaboração, terá como palco a Comissão de Fiscalização Financeira e Controle da Câmara. O presidente se chama Hugo Motta (PMDB-PB). Ligado ao senador Vital do Rêgo (PMDB-PB), mantém com Eduardo Cunha uma relação do tipo unha e cutícula. Requerimentos de convocação de autoridades protocolados por deputados oposicionistas tornaram-se oportunidades que o PMDB pretende aproveitar. Entre os requerimentos que os peemedebistas cogitam ajudar a aprovar estão:
1.
ONGs companheiras: convocação dos ministros Manoel Dias (Trabalho), Gilberto Carvalho (Secretaria-Geral da Previdência) e Jorge Hage (CGU), para prestar esclarecimentos sobre desvios de verbas públicas em convênios firmados pela pasta do Trabalho com
ONGs amigas. Proposta do deputado Fernando Francischini (PR), líder do Solidariedade.
2.
Médicos cubanos: convocação do ministro Arthur Chioro (Saúde), para responder a indagações sobre a subremuneração dos profissionais importados de
Cuba para trabalhar no programa Mais Médicos. A iniciativa é do líder do DEM, Mendonça Filho (PE).
3.
Sem-terra, mas com dinheiro: Convocação dos presidentes da Caixa Econômica Federal, Jorge
Hereda, e do BNDES, Luciano
Coutinho, para explicar por que os dois bancos estatais financiaram evento do MST que acabou numa pancadaria defronte do Planalto, da qual 30 policiais saíram feridos. Nos dois casos, os requerimentos foram apresentados pelo deputado Alexandre Leite (DEM-SP).
4.
Petropropinas: Convocação da presidente da
Petrobras, Graça Foster, para explicar à comissão as providências adotadas no caso da suspeita de recebimento de propinas da holandesa SBM Offshore. Proposta do deputado Vanderlei Macris (PSDB-SP).
5.
PAC e emendas: Convocação dos ministros
Miriam Belchior (Planejamento),
Aguinaldo Ribeiro (Cidades) e
Aldo Rebelo (Esporte), para esclarecer, entre outros pontos, atrasos na execução de obras com verbas do PAC e de emendas de parlamentares, além de contratos firmados pelo Esporte num programa chamado ‘Segundo Tempo’. Os requerimentos foram apresentados pelos deputados Carlos Brandão (PSDB-MA) —os dois primeiros— e João Arruda (PMDB-PR) —o terceiro.
No encontro que manteve com Temer na noite passada, Dilma queixou-se do timbre belicoso do líder do PMDB. Eduardo Cunha achou “engraçado”: “Sou gratuitamente agredido pelo PT, reajo e viro o culpado, eles as vítimas”, disse, referindo-se às críticas que lhe foram dirigidas no Carnaval pelo presidente do PT federal, Rui Falcão. De passagem pelo Sambódromo do Rio, Falcão dissera que o PMDB fluminense flerta com a candidatura do tucano Aécio Neves porque Dilma não cedeu às pressões fisiológicas de Eduardo Cunha.
Dilma foi informada por Temer de que o senador Vital do Rêgo (PMDB-PB), solidário com os correligionários da Câmara, não cogita aceitar o cargo de ministro do Turismo, em substituição ao deputado Gastão Vieira (PMDB-MA). Só admitiria assumir uma poltrona na Esplanada se o partido recebesse um ministério extra, de modo que a turma da Câmara não ficasse no prejuízo.
Dilma insinuou que, na falta de acordo, deve nomear ministros de sua própria escolha. Eduardo Cunha como que estimulou a presidente a puxar a caneta: “A bancada já decidiu, nomeiem quem quiserem para os cargos, que não queremos.” Hoje, além do Turismo, o PMDB da Câmara controla a pasta da Agricultura.
Quanto à pretensão de isolá-lo, o líder do PMDB dá a entender que Dilma não se deu conta de que erra o alvo: “É bom deixar claro que eu só expresso e só expressarei o que a bancada pensa e decide. Logo, tentar me isolar é isolar a bancada do PMDB.” Eduardo Cunha parece ter adotado um conhecido brocardo, só que em versão invertida: quando um quer, dois brigam. Para ele, Dilma quer.
O timbre escrespado do líder do PMDB incomoda até os caciques da legenda que lhe são mais próximos. A começar do próprio Temer. Antes de avistar-se com Dilma, o vice-presidente declarou que a maioria do PMDB deseja manter o casamento com Dilma e o PT. De resto, disse que a decisão será tomada pela convenção partidária marcada para junho, não pelo líder A, B ou C.
Eduardo Cunha deu razão a Temer: “Está certo o Michel quando fala que é a convenção que decide o apoio”. Porém, língua em riste, ele ponderou: “Só que os deputados têm opinião e voto” na convenção. A bancada, a propósito, reúne-se nesta terça-feira, às 14h. Na pauta, a proposta de convocar para abril uma pré-convenção que dê liberdade aos diretórios estaduais para se coligarem com as legendas que bem entenderem, inclusive as de oposição.
Ao tratar Eduardo Cunha como o desnecessário tornado irreversível, Dilma candidata-se a crescer nas pesquisas. Obriga-se, porém, a colocá-lo de joelhos. Sob pena de converter a Câmara numa espécie de Vietnã brasiliense, um território onde o mais fraco se impõe sobre o mais forte utilizando táticas de guerrilha parlamentar. Nada que derrube um governo. Mas desmoraliza.
O líder do PMDB passou o Carnaval em Roma. “Fui aprender como Nero incendiou a cidade”, brincou Eduardo Cunha em conversa com um amigo que o alcançou pelo celular numa escala a caminho do Brasil. Resta agora saber quantos se dispõem a ajudar a riscar o fósforo.