03/04/2013
às 11:19 \ Feira Livre‘O país imaginário de Cristina Kirchner’, por Rodrigo Botero Montoya
PUBLICADO NO GLOBO DESTA TERÇA-FEIRA
RODRIGO BOTERO MONTOYA
Os regimes autoritários terminam criando um mundo de sonho, ao qual só chegam boas notícias. Diz-se que, durante a ditadura de Oliveira Salazar, seu círculo íntimo mandava imprimir um diário com um único exemplar, para que o líder do Estado Novo pudesse apreciar o progresso de Portugal. Os aduladores de Cristina Kirchner desenharam uma variante não menos engenhosa. Uma vez consolidado o controle político do organismo oficial de estatísticas, falsificam-se os índices de maneira vergonhosa para que produzam os resultados que a presidente deseja.
O problema da inflação é resolvido com a divulgação de um aumento de preços de cerca de um terço do real. Persegue-se judicialmente quem produz cifras de inflação fidedignas. Ao mentir acerca da inflação, o governo colhe dividendos adicionais. O PIB aparece maior que de fato é e a proporção de pobres aparece menor. Obtém-se um ganho fiscal ao fraudar os detentores de títulos soberanos indexados à taxa de inflação. No entanto, o uso sistemático da mentira como ferramenta de governo apresenta alguns inconvenientes, como o desprestígio internacional e a perda generalizada de credibilidade.
Na medida em que o governo opta por crer em suas próprias mentiras, e atua em função desse autoengano, entra no reino da fantasia. O discurso esquizofrênico se converte em verdade oficial. Cristina Kirchner constrói um relato fictício da história da Argentina e o proclama ante auditórios selecionados para que a aplaudam. Como adverte um de seus colaboradores mais próximos: “À presidente não se fala. Se escuta.” Suas entrevistas coletivas são um monólogo. Quando pontifica sobre temas econômicos, pode dizer qualquer disparate, como quando anuncia que o índice de preços ao consumidor dos Estados Unidos não inclui alimentos nem gasolina. Por estar acostumada ao aplauso incondicional, suas atuações no exterior acabam sendo desconcertantes. Seu comportamento na Escola de Governo Kennedy da Universidade de Harvard produziu estupor entre os americanos e vergonha entre os latino-americanos.
A condução econômica consiste numa mescla de rentismo de amigos e capitalismo de Estado, com alta dose de intervencionismo discricionário e corrupção. A presidente se tornou adepta de usar o imperativo “exproprie-se” sem ordem judicial ou indenização. A combinação de prepotência e inépcia gerencial converte as empresas estatizadas em máquinas de destruição de valor. As Aerolíneas Argentinas acumulam prejuízos da ordem de US$ 2 milhões diários. Depois de confiscar o investimento da Repsol na empresa petrolífera nacional, o valor da YPF se reduziu em 60%.
A Argentina não merece esse estilo de governo. A governadora do Banco Central declara que a emissão monetária não produz inflação. E o secretário de Comércio anuncia que prefere a arbitrariedade a regras claras. Como consequência, tanto o investimento estrangeiro como o dos argentinos fogem de semelhante condução da política econômica. Os fatos são teimosos. A dura realidade vai rumo a uma colisão com a visão surrealista imaginada por Cristina Kirchner.
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