J. R. Guzzo: A porta estreita
Publicado na versão impressa de VEJA
O leitor provavelmente já ouviu falar em seu círculo de amigos, ou no ambiente de trabalho, ou na esfera familiar, de gente interessada em ir embora do Brasil; se ainda não teve contato com nenhuma história dessas até agora, há grande chance de que venha a ter uma hora qualquer, e logo. Para muita gente boa, está na moda, ao que parece, pensar em refazer a vida em países como Canadá, Austrália ou Estados Unidos, entre outros que se propõem a receber de braços abertos imigrantes com dinheiro. São países que não têm vergonha nenhuma de atrair gente financeiramente bem de vida, dentro da ideia geral de que problema de imigração, mesmo, só existe com pobre. Nem é preciso, no caso, ter grande fortuna ─ nada parecido com o disponível de um milionário brasileiro de carteirinha, desses que prestam serviços ao governo, digamos, ou produzem propaganda eleitoral. Basta o equivalente a 500 000 dólares, ou algo assim, sendo até possível acertar a papelada por menos. Vale a pena, para o país que dá o visto aos estrangeiros com capital. Esse povo vai gastar seu dinheiro lá; é lá que vai pagar impostos sobre o que consome, gerar empregos, fazer rodar a economia. Em vez de gastar na economia do seu país, vai gastar na economia dos outros. Melhor para eles, pior para o Brasil. Seus governos não estão lá para resolver os problemas da presidente Dilma Rousseff nem do ex-presidente Lula. O que querem é ajudar a si próprios.
Sobra, é claro, o problema de arrumar aqueles 500 000 dólares. Quem tem esse dinheiro? Não é qualquer um que pode, por exemplo, ganhar 27 milhões de reais em quatro anos fazendo palestras para empreiteiras de obras públicas e outros colossos da nossa elite empresarial. Para pelo menos 95% dos brasileiros, e põe otimismo nessa conta, a possibilidade real de ter 500 000 dólares durante o curso de sua vida é mais ou menos a mesma de fazer uma viagem à Lua; para o Brasil de carne e osso, dinheiro desse tamanho só existe ao acertar os seis números da Mega-Sena. Também não é fácil adotar a saída do ex-ministro da Fazenda ─ que, depois de gerir a ruína econômica do Brasil durante um ano, e ser posto no olho da rua em reconhecimento aos seus esforços, refugiou-se rapidamente em Washington, onde hoje pode ganhar a vida sossegado e sem ter reuniões com Dilma, o PT, a base aliada e por aí afora. É certo que há outros caminhos para obter um visto de residência no exterior, além de dinheiro e prestígio, mas a porta de entrada é estreita. O cidadão pode tentar pelas vias oficiais ─ e arriscar-se a ficar anos na fila, à espera de um chamado que provavelmente não virá nunca. Pode meter-se em aventuras de imigração ilegal. Pode jogar a sorte num cruzeiro pelo Mediterrâneo, a bordo de um cargueiro sírio. Como se vê, nada de muito atraente. Fazer o quê? A vida é mesmo dura neste Brasil para Todos. Aqui, no mundo das coisas práticas, há um Brasil para os que Têm Menos e um Brasil para os que Têm Mais ─ têm mais, inclusive, para ir embora do próprio Brasil.
Para o brasileiro que quer cair fora daqui mas não pode, a opção acessível no momento é emigrar para o Brasil mesmo. O grande problema é que essa solução se aplica exclusivamente ao Brasil de Dilma, de Lula e do PT, esse país imaginário onde os cidadãos têm a ventura de ser governados por um dos melhores governos do mundo, se não o melhor. Infelizmente, como é do conhecimento geral, o Brasil de Dilma etc. não existe. Só existe nas fantasias de propaganda criadas para engambelar o eleitorado; e, para complicar o teorema, o propagandista-chefe não está disponível para ajudar em nada, já que atualmente faz parte da população carcerária de Curitiba. É uma pena, pois nessa Terra do Nunca a vida é praticamente perfeita. Nosso sistema de saúde é “motivo de inveja para o mundo”. O Pré-Sal, como Dilma prometeu na campanha por sua reeleição, garantiu “recursos jamais imaginados” para a educação. A população pobre viaja dia e noite de avião, como o ex-presidente continua dizendo todo santo dia. Ele salvou sabe lá Deus quantos brasileiros da pobreza ─ e, se 12 milhões de desempregados estão hoje de volta ao fundo do poço, a culpa é da elite, claro, e provavelmente do ex-presidente Fernando Henrique. Mas nem tudo está perdido para o brasileiro que só pode emigrar para o Brasil. Olhem o último IDH mundial, divulgado faz pouco; ficamos no lugar 75 da fila que mede o bem-estar das nações. É ruim, mas seria pior se o número fosse 150. É a Tabela Periódica da Equivalência das Desgraças, e nela já não vamos tão mal.
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