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sexta-feira, 17 de agosto de 2018

Brasil, país do meu pirão primeiro...

Não foi ninguém

Os três Poderes estão em desordem, sem credibilidade, não oferecem rumo ao País

Elena Landau, O Estado de S.Paulo
17 Agosto 2018 | 04h00
Escrevo de Copenhagen, onde passo por um choque civilizatório. Todo mundo para no sinal, até os passantes. Não se ouve barulho de buzinas. Bicicletas, carros e pedestres convivem de forma harmônica. Muito respeito e gentileza entre as pessoas. País conhecido pelo bem-estar social e pouca corrupção, e uma grande confiança da sociedade nas instituições e seus instrumentos. A Dinamarca supera a média de países da OCDE, em itens como conexões sociais, engajamento cívico, educação e habilidades. A carga tributária é elevada, mas a sociedade sente que recebe de volta os impostos pagos. Impossível não pensar no Brasil, no contraste com nossa realidade.
Me veio à cabeça um extraordinário artigo de João Moreira Sales (1) em que ele descreve com maestria a situação que vivemos hoje. O texto fala das pichações nos muros cariocas com os dizeres “Não fui eu” e de seu significado: “A culpa não é minha”. Eu não tenho sentimento de responsabilidade. Eu não ajudei a cavar o buraco. Se os outros fazem, eu também posso. Posso parar em fila dupla, avançar sinal, não pagar impostos, sentar em lugares reservados para grávidas e idosos. Um erro é justificado pelo erro dos outros. E no final estão todos insatisfeitos. Por aqui, percebe-se o oposto; um senso de comunidade e de pertencimento. Todos são responsáveis.
Como quebrar esse equilíbrio ruim que vivemos no Brasil? Como chegar num ambiente institucional que inverta a lógica? Se ninguém fecha o cruzamento, também não fecharei é obviamente um equilíbrio superior. 
Não há muitas opções. Ou isso acontece culturalmente, educando a sociedade, fortalecendo instituições, integrando o cidadão, crescendo e reduzindo a desigualdade, um percurso longo e lento. Ou pelo caminho da punição. Há candidatos à Presidência que escolheram a segunda via, que em nada contribuirá para uma mudança cultural. Mas é compreensível o apoio de parte dos eleitores a propostas de repressão. Estão com medo e apreensivos quanto ao seu futuro, num presente marcado pelo desemprego e pela violência. E pior, sem esperanças. Não têm a quem recorrer. Interesses corporativos se sobrepõem ao interesse difuso da sociedade. E as instituições que deveriam zelar pelo bem comum estão cada dia mais voltadas para seu próprio bem-estar. A defesa de privilégios inconcebíveis num país marcado pela desigualdade não enrubesce ninguém.
Os três Poderes estão em desordem, sem credibilidade, não oferecem rumo ao País, se boicotam e não assumem responsabilidades. Recentemente, o STF se autoconcedeu um reajuste de 16,38%, enquanto 13 milhões de desempregados não têm aumentos sobre os seus não salários. Farinha pouca, meu pirão primeiro, não é exatamente o comportamento que se espera da Corte nesta crise. 
O Supremo sabe que há um efeito cascata sobre outras carreiras, federais e estaduais, como já deixou claro o Ministério Público (MP). Tremenda irresponsabilidade. No melhor estilo “não fui eu”, os que defendem o reajuste alegam que o impacto sobre as contas é pequeno e que pode ser financiado com remanejamento de gastos. Por que não economizaram antes, é o que me pergunto. Uns querem até usar os recursos recuperados na Lava Jato como uma forma de bonificação, quando estavam simplesmente cumprindo as funções do cargo que lutaram para exercer. 
O aumento dos salários dos ministros do STF ainda tem de ser aprovado pelo Congresso. O Congresso terá apetite para vetar? É o mesmo Congresso que aprovou o aumento dos servidores na Lei de Diretrizes Orçamentárias para 2019. E que cedeu ao lobby das corporações, especialmente do MP, e engavetou a reforma da Previdência.
O Executivo, por sua vez, perdido entre denúncias de corrupção, vai assistindo, sem credibilidade para intervir, a deterioração das contas públicas e a redução de espaço para fazer política social. Se arrasta para o fim do mandato agarrado como um afogado na regra que impõe um teto aos gastos para evitar o descontrole total e a volta da inflação, que como sabemos “resolve” os conflitos distributivos da pior maneira possível. E o sentimento de pertencimento e responsabilidade que percebi nesses poucos dias por aqui vai ficando mais distante.
E todos seguimos com a consciência tranquila, afinal, não foi ninguém.
(1.) Anotações sobre uma pichação, João Moreira Salles, Piauí, abril de 2018
ECONOMISTA E ADVOGADA 
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