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sábado, 13 de outubro de 2012

Com humildade, todos podemos mudar... até um país pode!

http://revistaepoca.globo.com/Saude-e-bem-estar/cristiane-segatto/noticia/2012/10/minha-filha-me-reprogramou.html

Minha filha me reprogramou

Filhos renovam os pais. Em vez de resistir, aprenda com eles

CRISTIANE SEGATTO  
CRISTIANE SEGATTO  Repórter especial, faz parte da equipe de ÉPOCA desde o lançamento da revista, em 1998. Escreve sobre medicina há 15 anos e ganhou mais de 10 prêmios nacionais de jornalismo. Para falar com ela, o e-mail de contato é cristianes@edglobo. (Foto: ÉPOCA)

Volto para casa depois de um dia de trabalho e encontro minha filha, de pijama e toalha na cabeça, esparramada no sofá. Esparramada, mas não exatamente relaxada. Os pés descansavam sobre o braço de tecido acolchoado, mas as mãos e o cérebro trabalhavam com velocidade. Sem que ela tirasse os olhos do iPad, trocamos algumas palavras.
- Não dá para falar agora, mãe. Preciso terminar esse vídeo até amanhã.
Alguns dias antes, minha menina de 12 anos havia pedido para comprar, com meu cartão de crédito, um programa para ajudá-la a produzir vídeos no tablet.
Em cima da cama, a montanha de álbuns da infância, recheados de fotos em papel, dava uma pista do projeto que a mantinha tão concentrada. Quando ela finalmente explicou do que se tratava, sorri por dentro. Feliz, orgulhosa da sensibilidade da cria.
A amiga mais próxima, vizinha de porta, companheira de aventuras desde que as duas tinham um ano de idade, faria aniversário no dia seguinte. Depois de tantos anos dividindo tudo, as duas terão de se acostumar com a ideia da separação. No final do ano, a garota se muda com a família para o Exterior.
Bia, minha filha, quis preparar um presente especial. Alguma coisa que a quase irmã pudesse ver e rever, sempre que tivesse saudade ou vontade de relembrar as emoções daquela convivência. As brigas, os chamegos, o apoio mútuo, os desafios, as descobertas dos primeiros anos.
O vídeo ficou pronto naquela mesma noite. Quando sentei ao lado dela para assistir, tentei disfarçar meu coração de manteiga. Em vão, é claro. Se existe alguém que conhece meus excessos esse alguém é ela.
Meus olhos ficaram molhados logo na primeira cena. Assim que surgiu na tela o nome de sua produtora imaginária. O que vi depois do “BiaSegatto Filmes apresenta...” foi um lindo exercício de síntese. A escolha da palavra exata, da imagem exata para traduzir em pouco mais de um minuto uma história que demorou 12 anos para ser construída.
A história daqueles dois pacotinhos de gente que cresceram e estão virando adolescentes cheias de gostos, de opiniões e de uma alentadora capacidade de enxergar o outro com olhos solidários.
Escolher a palavra exata, a imagem exata, a síntese perfeita é também a obsessão do meu ofício. Persigo a simplicidade, a clareza, o essencial. A Bia, que já me ensinou tanto sobre a vida, está me ajudando também a avançar nesse objetivo profissional.
A geração dela está exposta a um bombardeio sem precedentes de informações, de estímulos visuais, sensoriais, de luxo e de lixo. Por isso mesmo, essa geração desenvolveu uma capacidade incomum de ir direto ao ponto. De pinçar o que interessa. De selecionar, classificar, resumir. É econômica na linguagem e no uso do tempo, mas não perde de vista o alvo de interesse. É a geração dos olhos de lince.  
Já pedi para a Bia me dar umas aulas com o programa novo. Vou aprender com ela a fazer vídeos, vou me exercitar na arte do despojamento, vou aparar os excessos. Essa menina me reprogramou. E a obra está inacabada. Enquanto houver vida existe a chance de reinvenção.
Sempre é possível fazer diferente. E até mesmo desafiar os limites biológicos da reinvenção. Que nos sirva de inspiração o trabalho que rendeu nesta semana o Prêmio Nobel de Medicina ao japonês Shinya Yamanaka.
Ele também é um obcecado pelo fundamental, pelo indispensável. E assim descobriu os quatro genes essenciais capazes de fazer uma célula adulta voltar no tempo. E se comportar como se fosse imatura, embrionária, com o potencial de seguir qualquer caminho, virar qualquer coisa.
Não gosto de usar a palavra “revolucionária” para me referir a criações científicas. Esse cuidado nos livra do risco de anunciar uma revolução por dia, mas a descoberta de Yamanaka realmente mudou os rumos da pesquisa biomédica. Por isso, ele ganhou um Nobel em apenas seis anos – um reconhecimento que os laureados costumam levar décadas, ou uma vida inteira, para conquistar.

quarta-feira, 12 de setembro de 2012

SUS é um "eterno me engana que eu gosto"

http://revistaepoca.globo.com/Saude-e-bem-estar/cristiane-segatto/noticia/2012/08/uma-novata-no-sus.html

CRISTIANE SEGATTO - 24/08/2012 14h47 - Atualizado em 24/08/2012 14h47
TAMANHO DO TEXTO

Uma novata no SUS

Ela tinha um dos melhores planos de saúde. O que uma paulistana descobriu ao ficar desempregada e precisar da saúde pública

CRISTIANE SEGATTO

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CRISTIANE SEGATTO  Repórter especial, faz parte da equipe de ÉPOCA desde o lançamento da revista, em 1998. Escreve sobre medicina há 15 anos e ganhou mais de 10 prêmios nacionais de jornalismo. Para falar com ela, o e-mail de contato é cristianes@edglobo. (Foto: ÉPOCA)
O horário eleitoral começou. E, com ele, o desfile de promessas para consertar o sistema de saúde. Todos os candidatos explorarão o assunto ao máximo. Sabem que essa é hoje a maior preocupação dos brasileiros. Em entrevista a um telejornal, um dos candidatos à prefeitura de São Paulo apresentava propostas. A coordenadora de marketing Christiane Marie Millani, 37 anos, acompanhava interessada.
Não se conteve quando ouviu o político mencionar siglas açucaradas como AME, AMA e afins. Correu ao computador e decidiu me procurar. Queria contar sua viagem pelos labirintos do SUS. Uma viagem ilógica para quem não está acostumada à saúde pública, mas bem conhecida de quem não tem outra opção.
Christiane é novata no sistema. Há pouco mais de um ano tinha um emprego invejável. Formada em processamento de dados, com MBA na Fundação Getúlio Vargas e cursos nos Estados Unidos, ela trabalhava num banco de investimentos. Entre os benefícios da empresa, tinha um plano de saúde Omint, frequentemente apontado por clientes e médicos como um dos melhores do Brasil.
Em 2011, Christiane foi demitida, perdeu o namorado com quem pretendia se casar e enfrentou a separação dos pais. Os problemas de saúde não tardaram a aparecer, justamente no momento em que perdeu o direito ao convênio médico. Teve depressão. Com ela, uma enorme dificuldade para conseguir fazer psicoterapia ou receber atendimento psiquiátrico de emergência nos momentos de crise. Descobriu, por experiência própria, o tamanho do buraco em que se encontram os programas de saúde mental no Brasil.
Nesta semana, a queixa de Christiane era relativamente simples. Exatamente por isso, ela é reveladora do grau de desorganização em que a saúde pública se encontra. Christiane sofre de dores crônicas nos joelhos, provocadas por desgaste na cartilagem.
Depois de passar três meses numa fila de espera, a moça conseguiu ser atendida por um ortopedista. O médico recomendou que ela fizesse dez sessões de fisioterapia. A paciente entrou em outra fila de espera. Quase três meses se passaram para que conseguisse iniciar o tratamento.
O trabalho surtiu efeito, mas a fisioterapeuta recomendou que ela fizesse ao menos trinta sessões. Quem já fez fisioterapia sabe que o sucesso do tratamento depende do trabalho contínuo. Não adianta fazer poucas sessões, parar e retomar o trabalho sabe-se lá quando.
Preocupada com isso, Christiane tentou agendar consulta com o ortopedista antes que as dez sessões se esgotassem. A última sessão foi realizada hoje (24/08). O que ouviu? “Consulta só no dia 23 de outubro”. Ou seja: teria que esperar dois meses para pegar um papel, uma guia na UBS Dr. Ítalo Domingos Le Vocci, na Mooca. E depois entrar em nova fila de três meses de espera para continuar a fisioterapia no Hospital Sepaco, no Ipiranga. Se tivesse sorte, conseguiria continuar o tratamento depois do Ano Novo.
Se ficasse quieta, Christiane perderia o ganho de saúde que teve, o SUS jogaria o dinheiro dos contribuintes no lixo e, quando o quadro dela estivesse bem pior, voltaria ao sistema. Precisaria fazer um tratamento mais caro, ficaria impossibilitada de trabalhar e, de novo, todos nós pagaríamos a conta.  
A paciente tentou todos os caminhos oficiais para ver seu problema resolvido. Telefonou para a Ouvidoria do SUS. Ninguém atendia. Com dores no joelho, foi pessoalmente até o prédio que fica no centro da cidade. “A atendente me respondeu que era assim mesmo, que o prazo de espera era normal e que não podiam fazer nada”, diz Christiane.
Inconformada, ela procurou a Ouvidoria do município. Disseram que a única coisa que poderiam fazer era protocolar uma reclamação contra o atendimento e posicionamento da Ouvidoria do SUS. “Parece piada. Se nem as ouvidorias resolvem, como ficam as pessoas que têm problemas mais graves que o meu?”, diz Christiane.
Foi aí que ela resolveu me procurar. Enxergou a imprensa como seu último recurso. Encaminhei a reclamação dela à Secretaria Municipal de Saúde e fui informada de que a consulta com o ortopedista foi agendada. Em prazo recorde: no dia 28 de agosto (daqui a três dias úteis!), Christiane será atendida pelo médico.
Em vez de três meses, a paciente terá de esperar três dias. Essa história não demonstra apenas a desorganização do sistema. Demonstra também que ele é injusto. Muito injusto, embora tanta gente ainda se iluda com a ideia de que o atendimento no SUS é universal e irrestrito.
Christiane foi atendida porque possui algo que é artigo de luxo de Brasil: educação. É instruída, crítica, capaz de montar uma planilha detalhada de suas idas e vindas por inúmeras unidades de saúde paulistanas desde que ficou desempregada. É capaz de escrever um longo email e de se expressar oralmente com clareza. Conhece seus direitos e teve a iniciativa de procurar a imprensa.Fico feliz em saber que ela será atendida, mas triste ao constatar que milhares, milhões de outros não terão a mesma chance porque não puderam estudar.O SUS foi uma conquista belíssima. É um tremendo instrumento de inclusão social, mas nenhum governo, nenhum partido foi capaz de fazê-lo funcionar como a lei manda. Para melhorá-lo é preciso ter mais dinheiro e saber gastar melhor. É preciso definir quais tratamentos o sistema público deve bancar e quais ele não deve bancar. E, depois disso, garantir que as regras sejam as mesmas para todos os cidadãos.
É uma conversa dura, impopular, mas acho que alguém terá de assumir o ônus político de dizer que não é possível dar tudo (todo e qualquer tipo de tratamento) a todos. Em ano eleitoral, os políticos fogem das discussões duras, porém necessárias. Preferem afirmar que é possível dar tudo a todos, melhorar as coisas com um ajuste aqui e acolá.
Prometem, prometem, prometem. Fingem que o orçamento da saúde é um saco sem fundo. O povo prefere repetir eternamente que “se os políticos pararem de roubar, vai sobrar dinheiro para a saúde”. A questão é bem mais grave. No mundo todo, os sistemas de saúde estão se tornando insustentáveis. O nosso não é exceção.
Não acredito que as dificuldades de acesso a atendimento básico sejam decorrentes apenas de problemas de gestão. Em muitas situações, os funis me parecem criados de forma intencional. Dificultar o acesso da população ao sistema é uma forma de conter custos ou de fazer o que é possível sem estourar o orçamento. Enquanto não aceitarmos que a questão central da saúde é o financiamento dela e que talvez não seja possível dar tudo a todos, vamos continuar neste eterno “me engana que eu gosto”.
E você? Teve alguma dificuldade para conseguir atendimento médico? Acha que a saúde brasileira tem solução? Conte pra gente. Queremos ouvir sua opinião.
(Cristiane Segatto escreve às sextas-feiras)  

domingo, 5 de agosto de 2012

Ensaio sobre a infidelidade nas relações de parceiros do casamento

http://revistaepoca.globo.com/Saude-e-bem-estar/cristiane-segatto/noticia/2012/08/nao-existe-homem-fiel.html

CRISTIANE SEGATTO - 03/08/2012 14h02 - Atualizado em 03/08/2012 14h04
TAMANHO DO TEXTO

"Não existe homem fiel"

Hormônios, Zezé Di Camargo e a natureza da infidelidade 

CRISTIANE SEGATTO

A frase não é minha, mas reflete a crença de grande parte dos brasileiros. Na quinta-feira (2) foi repetida pelo cantor Zezé Di Camargo durante uma entrevista coletiva. “Não existe homem fiel. Existe homem numa fase fiel”, disse ele ao dar pistas de que se separou de Zilu, com quem esteve casado por 30 anos.
Ninguém precisa ser um estudioso para saber que a infidelidade é mais comum do que parece, mas os estudos existem. Não são tão abundantes quanto as “puladas de cerca”, mas os achados nos permitem afirmar uma ou duas coisas.
CRISTIANE SEGATTO  Repórter especial, faz parte da equipe de ÉPOCA desde o lançamento da revista, em 1998. Escreve sobre medicina há 15 anos e ganhou mais de 10 prêmios nacionais de jornalismo. Para falar com ela, o e-mail de contato é cristianes@edglobo. (Foto: ÉPOCA)Décadas de pesquisa demonstram que, pelo menos historicamente, a infidelidade é mais frequente entre os homens que entre as mulheres. Nos Estados Unidos, de 20% a 40% dos homens heterossexuais casados terão ao menos um affair durante a vida. Entre as mulheres, o índice varia de 10% a 25%.
A cada ano, de 1,5 a 4% das pessoas casadas têm um caso. É o que nos conta uma reportagem publicada neste mês pela revista Psychology Today, assinada por Hara Estroff Marano. Suspeito que o índice real de infidelidade – tanto lá quanto aqui – seja muito superior ao confessado.
Há um fato novo: a traição está deixando de ser uma prática marcadamente masculina. As pesquisas mais recentes flagram a mudança na população abaixo de 45 anos. Os índices de infidelidade entre homens e mulheres estão convergindo.
A maior parte das traições começa no ambiente de trabalho. Com mais mulheres trabalhando fora, as chances que elas têm de encontrar um affair se tornam tão altas quanto as oportunidades que os maridos têm. Além disso, a independência financeira deu às mulheres a liberdade de arriscar. E muitas estão fazendo isso.  
Aos meus ouvidos, a frase de Zezé soa ultrapassada. Ou pelo menos incompleta. Homens e mulheres traem. As motivações para a traição, no entanto, ainda parecem ser diferentes. É o que dizem os especialistas.
Entre as mulheres, a principal razão de traição ainda são necessidades emocionais. Basicamente, elas traem porque não estão felizes com o casamento.
Entre os homens, a traição é independente da qualidade do casamento. Eles traem quando o casamento vai bem e quando vai mal.
O fator determinante para a traição – tanto entre os homens, quanto entre as mulheres – é a oportunidade. “As pessoas casadas se envolvem com outras pessoas quase sempre sem planejar”, diz o psicólogo Barry McCarthy.
Nenhum lugar oferece mais oportunidades que o ambiente de trabalho. Ele permite o contato constante com um grande número de pessoas, quase sempre com interesses comuns. E ainda torna plausível a desculpa clássica: “Benhê, vou dar uma esticada aqui no escritório”.
Não é mais possível entrar em qualquer discussão sobre infidelidade sem levar em conta as pesquisas recentes sobre os hormônios e a maquinaria do cérebro. Em estudos feitos com ressonância magnética, a antropóloga Helen Fisher demonstrou que existem sistemas neurais diferentes que determinam a atração, o amor romântico e o vínculo. Eles podem operar de forma independente entre si.
“Todo mundo começa um casamento acreditando que nunca terá um affair”, diz Helen. “Por que, então, nossos dados coletados em várias partes do mundo demonstram que as pessoas traem mesmo quando são felizes no casamento?”
A resposta: “Você pode ter um vínculo forte com um parceiro e sentir um amor romântico intenso por outro. E, ao mesmo tempo, perceber que outras pessoas lhe despertam desejo sexual”, diz Helen.
Hormônios, hormônios, hormônios. Podemos submetê-los às regras da cultura. Fazemos isso o tempo todo para que a vida em sociedade seja viável. Mas eles são rebeldes.   
(Cristiane Segatto escreve às sextas-feiras)
E você? Concorda com a frase de Zezé di Camargo? Acha que os homens ainda traem mais que as mulheres? Queremos ouvir sua opinião. 


sábado, 7 de julho de 2012

Doentes felizes... // Cristiane Segatto

http://revistaepoca.globo.com/Saude-e-bem-estar/cristiane-segatto/noticia/2012/07/doentes-felizes.html

Doentes felizes

O futebol, o Corinthians e a linha que separa a paixão do vício

CRISTIANE SEGATTO
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Parecia final de Copa do Mundo. Uma final do tempo em que dava gosto torcer pela seleção brasileira. Do tempo em que jogar futebol não parecia ser um “bico”, uma mera “escada” para garotos-propaganda de telefone celular, aparelho de barba, linguiça... Na quarta-feira (4), final da Libertadores, São Paulo acordou dispersa.


Foi um dia de produtividade baixa para corintianos e anticorintianos. Os rojões começaram a estourar de manhã, muito antes do início da partida decisiva entre Corinthians e Boca Juniors. A cada estampido, uma provocação no trabalho e nas ruas. O incômodo na boca do estômago tirava a fome. A angústia tirava a concentração. A ansiedade tirava da cadeira.
Essa é a sina de quem gosta de futebol – independentemente da camisa que defenda. Quando o time em questão é o Corinthians, a paixão e o ódio assumem outra proporção. Tudo é exagerado, intenso. Há alguma coisa nesse time, nessa nação, que os outros times não têm. É esse atributo impalpável, difícil de definir, que tanto encanta e incomoda.
Talvez o que faça a diferença seja a valorização coletiva e visceral daquilo que os corintianos definem como “raça”. A torcida não exige que o jogador seja um craque, mas espera total entrega de quem veste a camisa. Quem, dentro de campo, representa o bando de loucos do lado de fora tem de suar sangue e não desistir nunca.
Para os corintianos do passado, a garra era uma questão de sobrevivência. Foi assim para os dois pintores de parede, o sapateiro, o cocheiro e o trabalhador braçal que em 1910 se reuniram no bairro paulistano do Bom Retiro para criar o time.   
Para os corintianos de hoje, a garra é mais que uma questão de sobrevivência. É também um estilo de vida. Você olha um corintiano, independentemente da classe social a qual ele pertence (sim, há vários milionários que torcem pelo time, ao contrário do que afirmam os preconceituosos) e já sabe mais ou menos o que ele pensa e como age diante dos obstáculos que a vida impõe.
Essa unidade em torno de um grupo, essa previsibilidade comportamental é movida por um fervor que tem tudo para dar certo e para dar errado. Ele dá certo quando a vitória em um jogo funciona como um estímulo permanente. A glória faz cada torcedor se sentir um vitorioso. A lembrança de uma conquista difícil o socorre nos momentos difíceis. O emprego está ruim, a mulher está chata, tudo parece mais ou menos, mas a cena inesquecível da conquista o faz acreditar que, de vez em quanto, até o impossível acontece.  
O fervor pelo time dá errado quando toma conta da vida do sujeito e o leva a cometer atos impensados, desperta a violência e o crime. É milimétrica a linha que separa a paixão do vício. E, em alguns casos, ela é menos reta e mais um novelo -- um emaranhado de emoções conscientes e inconscientes.
É importante que cada torcedor – do Corinthians ou de qualquer outro time – reflita sobre o espaço que o futebol ocupa em sua vida. Existem pesquisadores que se dedicam a estudar isso e dão pistas importantes. É o caso de Robert J. Vallerand, do Laboratório de Pesquisa sobre o Comportamento Social, da Universidade de Quebec, no Canadá.
Ele define a paixão pelo futebol como uma forte inclinação em direção a uma atividade que os indivíduos gostam ou amam. É algo que eles valorizam e na qual investem tempo e energia. Vallerand diferencia dois tipos de paixão: a harmoniosa e a obsessiva.
A paixão harmoniosa é aquela que faz o sujeito se sentir forte, feliz, revigorado a cada vitória. Ela é motivada pela vontade e leva o sujeito a desempenhar um papel social de respeito às normas e respeito às pessoas. O torcedor que demonstra esse tipo de paixão costuma ter a autoestima elevada e um alto grau de satisfação com a vida.
A paixão obsessiva é perturbadora. Envolve um sentimento de urgência incontrolável. A pessoa passa dias ou a vida inteira perturbada pelos fatos e pelos sentimentos que envolvem o time. Não pensa em outra coisa. Perde o emprego, mas não perde um jogo importante. Perde o aniversário do filho, um casamento, um enterro de uma pessoa próxima, mas não perde a partida. Quem sofre desse tipo de paixão está propenso a infringir as regras sociais. É alguém que perturba constantemente os torcedores de outros times ou sente ódio cego por eles.
Em geral, os obsessivos são pessoas com propensão à baixa autoestima ou extrema necessidade de aceitação social. Para eles, o futebol deixa de ser um esporte e passa a ser parte fundamental da identidade. Torna-se praticamente a única fonte de satisfação de necessidades emocionais básicas, como sentir-se querido e aceito.
Os obsessivos demonstram um engajamento rígido e uma persistência exagerada quando o objetivo é satisfazer essa paixão. Como em outros campos da nossa existência, a rigidez pode ser tornar um atraso de vida.
A paixão obsessiva pelo futebol não acomete apenas os corintianos. Nem apenas os brasileiros. Vallerand encontrou o mesmo comportamento entre torcedores de vários países da Europa e do Canadá. Ele estudou os hooligans, da Inglaterra, e os torcedores da França e da Itália na final da Copa do Mundo de 2006.
Os conselhos dele são universais. É fundamental que o torcedor e a família observem sinais de dependência psicológica. Quando se torna obsessivo e começa a atrapalhar outros campos da vida, o prazer deixa de ser prazer para virar sofrimento. É o mesmo fenômeno que ocorre em outras compulsões. Seja por sexo, amor, comida, jogo, bebida, drogas etc.
Quem vive uma paixão harmoniosa está no comando da própria vida. Tem liberdade de escolha. Quem vive uma paixão obsessiva torna-se escravo. Que tal um teste? Responda, com sinceridade, as questões abaixo: