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segunda-feira, 4 de setembro de 2017

"A música alta" ... / Paulo Delgado


Clave, Música, Vibração, Movimento

A música alta 

Quem considera bom e agradável empurrar uma quantidade escandalosa de volume em ambiente fechado adora salva de canhão em cerimônia fúnebre
A música alta domina a parada sem que nenhuma Lava-Jato a detenha. Produz uma prostração das faculdades estéticas auditivas e descontrola a qualidade do som.
Barulho sem fecundidade, sua paixão é se meter em tudo.
Estranha afeição a determina: a de não deixar ninguém conversar.
Um desregramento sonoro que não se interessa pelo ambiente em que explode. Nascida dos erros de todos os sons, violentos decibéis brotam de carros ridículos, enchem salas fechadas, ultrapassam o limite físico concreto.
Mais um defeito nacional confundido com liberdade, e avesso a todo o saber.
Tirana do diálogo, a grosseria da música alta é o próprio egoísmo fora dos limites. Seus adeptos abusam covardemente da posição em que estão, no palco, em fuga, fechados em casa, como se uma disputa alimentasse tal tormento.
Adora ouvinte subalterno, abusa do talento da maioria para a moderação.
Masoquista que ama o sádico, sem juízo, vem em dose dupla quando é acompanhada da cretinice de alguma letra.
Como sempre é de alguma forma contratada, é um desvario observar a devastação no rosto do operador dos berros, a quem se pede, com o tímpano espancado e a garganta esfolada, que tenha a misericórdia de abaixar o som.
Reclamar, e não sair, é ser vencido pelo mundo do abatimento diante do auditório cativo que pede mais barulho.
Um apelo que logo vira zombaria e dolorosamente reduz ao seu limite conservador o não-músico, subjugado pela histeria moderna que suplanta a vagueza das afeições surgidas nos bailes cheios de dedo e acordes de piano.
Uma das infelicidades da música alta é a multidão de circunstâncias contidas no coração de quem a imagina música. Explicação que escapa a todas as esperanças.
Quem considera bom e agradável empurrar uma quantidade escandalosa de volume em ambiente fechado adora salva de canhão em cerimônia fúnebre.
A habilidade daquela coisa desconcertante é a imposição variada de nenhuma nota musical por tanto tempo.
Quem imagina estar submetido a ilusões artísticas, verá que se encontra inteiramente atacado pela mais completa intolerância à música.
O poder de privar as pessoas de saborear acordes que domina as festas atuais sugere algum tédio. Uma alegria pasteurizada que não precisa treinar o ouvido para decodificar o som que está a sua volta. Músicas físicas, defeitos da paixão, impostas como desejos do coração.
A música alta conspira contra o tempo da formação involuntária, natural, tranquila, por etapas que leva a pessoa a perceber por si só o universal. Uma incultura fanática e febril, o regresso do animalzinho humano à vida dos animais. A deriva do desejo, delírio do ócio pelo absoluto do vazio.
E nesse frenesi de empilhamento sem partitura a música barulhenta é um desvio de perspectiva.
Uma vez abandonado o gosto pela música boa, não há nenhuma esperança de retorno a ela, pois a condição essencial para alguém gostar do que é bom é achar isso natural. O mesmo se pode dizer que quem começa pela ruim, dificilmente chega à boa. Uma silenciosa adulação comercial para o mau gosto.
Alma não tem nada a ver com razão, mas música tem tudo a ver com audição. Ou não? Ir mal e escapar impune não é um problema só de políticos.

terça-feira, 3 de setembro de 2013

O Zorro e o Tonto / Paulo Delgado /

Enviado por Ricardo Noblat - 
2.9.2013
 | 16h15m
POLÍTICA

O Zorro e o Tonto, por Paulo Delgado

Paulo Delgado
Um senador polêmico, com vestígios de inimigo, entra porta adentro da Embaixada do Brasil pedindo socorro e é prontamente acolhido. Boa tradição diplomática, fonte de prazer para quem respeita nossa história.
Um jovem diplomata, sem saber que seria extravagante, se põe a recolher indícios para encontrar uma solução, e, sem muita barganha, empresta ao caso sua reputação. Bons sinais vindos de um funcionário do Estado que sabe que trabalhar com a consciência pesada leva à má reputação. Uma decisão que tira o Brasil do isolamento regional e o repõe no destino universal da diplomacia humanitária e pacifista.
O que espanta no caso é a iniciativa do governo e a sua afeição por um valor maior do que qualquer conveniência não serem defendidas por ninguém que o apoia. Menos o diplomata que deu sequência ao ato da presidente de 8 de junho de 2012 ao conceder, de pronto, asilo ao perseguido politico, o qual o Itamaraty não soube cumprir por pressão do governo interessado em marginalizar o asilado.


Se eu fosse presidente, nomeava o garoto chanceler pela sutil capacidade de perceber que o governo boliviano estava disposto a fechar os olhos para uma saída furtiva, como se deu, e o brasileiro desejava encerrar o asilo na Embaixada, como ocorreu.
Bastava aplicar a inteligência às relações oficiais entre Estados e confiar que a transbordante amizade entre governantes não tomasse conta do discernimento político entre nações. É claro que a ação astuta do subordinado, de um posto que nossa diplomacia fez mais importante do que Washington, assusta o superior submetido a outra cadeia de comando. Assim, 110 anos depois do Tratado de Petrópolis, a noção de fronteira entre Brasil e Bolívia, não é mais geográfica, política ou jurídica.

Leia a íntegra em O Zorro e o Tonto


Paulo Delgado é sociólogo, foi deputado federal, vice-presidente da Comissão de Relações Exteriores da Câmara dos Deputados e secretário de Relações Internacionais do PT.