Marina parece oferecer lastro administrativo de Aécio – mas tem laços históricos com o pt de Dilma
GUILHERME FIUZA
Os brasileiros amam novela e detestam política. A solução encontrada por esse povo criativo foi simples: transformar a política em novela. Assim surgiu o filho do Brasil (também conhecido como messias de Garanhuns), sucedido pela mamãe-presidenta-faxineira-mulher. Quem imaginou que o brasileiro havia se cansado de apanhar de personagens folhetinescos se enganou. Vem aí a imaculada da floresta. Na verdade, Marina Silva pode ser uma excelente candidata – desde que consiga derrotar seu próprio mito.
Marina tem dignidade. Só isso já a situa anos-luz à frente dos canastrões que embromam o Brasil há 12 anos. Mas este é um país fascinado pela embromação. Já está louco para votar numa santa e ficar esperando sentado pelos milagres. Dizem que a onda verde é uma extensão das manifestações de 2013. Se for isso mesmo, danou-se. A famosa Primavera Burra – com seu lema “nada na cabeça e uma pedra na mão”, ou simplesmente “uma pedra na cabeça” (do próximo) – é o ingrediente ideal para mais uma era de mistificação. O Brasil caindo aos pedaços, em véspera de recessão após três mandatos de sucção ininterrupta, quer saber se os gays podem se casar de véu e grinalda. A Bíblia é o grande hit da eleição. Terreno arado e semeado para novo triunfo da picaretagem. Depois de anos e anos de empulhação politicamente correta de Lula, Dilma, Dirceu, Gilberto Carvalho e oprimidos associados, o país resolveu achar interessante a “democracia de alta intensidade” de Marina Silva. Não se sabe o que seria uma democracia altamente intensa, mas deve ser algo parecido com uma gravidez de alta intensidade. A quantidade de conceitos ornamentais no ideário de Marina não chega a substituir à altura o famoso “dilmês” (insubstituível) – mas também comove. Nota-se aquele sotaque de burocratas de ONG, com seus relatórios cheios de palavras doces e ociosas – um banquete para Madame Natasha, a personagem de Elio Gaspari que combate a prostituição do idioma. O Brasil ama esses tipos que falam pelos cotovelos sem saber o que fazer. Basta ver a longevidade de um Guido Mantega no governo – e não é no Ministério da Pesca. Marina vem com uma das mais mofadas utopias de esquerda, o tal discurso da participação direta da população nas decisões de governo. O agravante é que ela parece acreditar nisso – diferentemente de seus ex-colegas petistas, que vieram com o decreto presidencial 8.243, dos conselhos populares, como esperteza chavista. No final das contas, o grau de inocência não faz diferença. Os tais conselhos de intensificação democrática servirão ao aparelhamento ideológico e partidário da máquina pública. Militantes selecionados para atropelar técnicos e legisladores. A ditadura do bem. Marina é uma pessoa admirável, de caráter sólido e espírito público. Isso é joia rara no Brasil – mas não é tudo. Basta lembrar o lendário caso de Saturnino Braga, o prefeito honesto que faliu o Rio de Janeiro, classificado por Millôr Fernandes como “o homem que desmoralizou a honradez”. Quando quer provar que terá solidez administrativa, Marina cita os princípios macroeconômicos implantados no governo Fernando Henrique – hoje plataforma de Aécio Neves, com seu pré-anunciado ministro da Fazenda Armínio Fraga. Quem garantiria tal solidez e perícia a um governo Marina? Outro enigma: ninguém sabe qual seria a base político-partidária de Marina. Ela tem o PSB, um nanico vitaminado, e a Rede, que não existe. Já avisou que, em seu governo, o PMDB será oposição. Com o PSDB não dá para compor, porque é lido como monstro neoliberal pela esquerda pueril que a apoia. Sobra qual partido grande, com que Marina mantém laços históricos, não só em seu Estado de origem? Ele mesmo, aquele que o eleitorado marinista-mudancista acha que escorraçará do poder: o PT. O Brasil é mesmo uma grande novela. Neste momento, uma imensa parcela do eleitorado projeta o voto em Marina, que oferece o lastro administrativo de Aécio e provavelmente está grávida de Dilma. A intensidade dessa gravidez, só Deus sabe. Talvez um dia o brasileiro aprenda a votar (alô, Pelé), avaliando que governo um candidato é capaz de fazer, e não que sonhos bonitinhos (e ordinários) ele pode inspirar.
Brasileiros pagaram R$ 1,2 trilhão em impostos no ano
Marca foi registrada pelo Impostômetro nesta sexta-feira (26). Neste ano, valor é alcançado 16 dias antes do que em 2013.
Do G1, em São Paulo
Brasileiro já pagou mais de R$ 1,2 tri de impostos em 2014. (Foto: Reprodução / /www.impostometro.com.br)
O valor pago pelos brasileiros em impostos federais, estaduais e municipais desde o início do ano alcançou R$ 1,2 trilhão nesta sexta-feira (26), segundo o “Impostômetro” da Associação Comercial de São Paulo (ACSP). Neste ano, o valor chega 16 dias antes do que em 2013, indicando aumento da carga tributária.
O painel eletrônico que calcula a arrecadação em tempo real está instalado na sede da associação, na Rua Boa Vista, região central da capital paulista.
“Não bastasse o nível absurdamente elevado dessa carga, o sistema tributário brasileiro representa entrave ao crescimento da economia por tributar pesadamente a produção, o investimento e a poupança e, em muitos casos, até as exportações”, observa o presidente da ACSP Rogério Amato, em nota.
O total de impostos pagos pelos brasileiros também pode ser acompanhado pela internet, na página do Impostômetro. Na ferramenta, criada em parceria com o Instituto Brasileiro de Planejamento Tributário (IBPT), é possível acompanhar quanto o país, os estados e os municípios estão arrecadando em impostos.
Também se pode fazer comparações do que os governos poderiam fazer com o dinheiro arrecadado, como quantas cestas básicas se poderia fornecer e quantos postos de saúde poderiam ser construídos.
O Impostômetro encerrou o ano de 2013 com a marca recorde de R$ 1,7 trilhão.
O procurador-geral da República Rodrigo Janot avalia que a Operação Lava Jato funcionará como um marco redentor no país. Sem revelar detalhes sobre as fraudes e roubalheiras já detectadas na Petrobras, ele disse a um grupo de parlamentares que as ações penais que estão por vir terão como subproduto inexorável a reforma do sistema político-eleitoral. O Congresso será compelido a fazer por pressão o que não faz por opção.
Janot prepara o relatório que enviará ao ministro Teori Zavascki, do STF, recomendando a homologação do acordo de delação premiada com o ex-diretor da Petrobras Paulo Roberto Costa. Acomodados em 68 folhas, os depoimentos do delator chegaram às mãos do procurador-geral na última segunda-feira. Quem conhece o teor diz ser devastador. Expõe as entranhas do esquema de corrupção montado na maior estatal brasileira.
Saiba quem são políticos delatados por ex-diretor da Petrobras17 fotos
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PAULO ROBERTO COSTA, O DELATOR - Investigado pela Operação Lava Jato da Polícia Federal, que apura esquema bilionário de lavagem de dinheiro, Paulo Roberto Costa é ex-diretor de Abastecimento e Refino da Petrobras, cargo que ocupou entre 2004 e 2012. Foi preso em março deste ano por tentar ocultar provas que o incriminavam. Solto em maio, foi preso novamente em junho, e fez acordo de delação premiada com a PF em agosto, o que possibilitaria uma redução de sua pena em caso de condenação. Em depoimentos gravados feitos à polícia, ele cita, segundo a revista "Veja", ao menos 25 deputados federias, 6 senadores, 3 governadores, um ministro de Estado e pelo menos três partidos políticos (PT, PMDB e PP), que teriam recebido propina de 3% do valor dos contratos da estatal Leia maisRenato Costa/Frame/Folhapress
O que já era assombroso ficou ainda mais aterrador a partir da decisão do doleiro Alberto Youssef de se tornar, também ele, um colaborador premiado. No primeiro contato que manteve com membros da força-tarefa da Lava Jato, Youssef revelou-se disposto a preencher as lacunas do quebra-cabeça montado a partir das revelações de Paulo Roberto. No momento, o doleiro e a Procuradoria tentam chegar a um acordo sobre o tempo de permanência de Youssef na cadeia. Dissodepende a delação.
Na expressão de um advogado envolvido no caso, Paulo Roberto faz parte do tronco do escândalo. Youssef é a raiz. Nessa versão, o ex-diretor da Petrobras entregou aos investigadores um lote de dinamites. O doleiro dispõe dos fósforos que acendem os pavios. Youssef quer abrir o baú de segredos porque percebeu que virara um boi de piranha, aquele bicho que é empurrado no rio para ser comido, enquanto o resto da boiada passa.
Yossef dobrou os joelhos num instante em que a higidez da Lava Jato corria riscos no Superior Tribunal de Justiça. O doleiro havia contratado o advogado Antonio Carlos de Almeida Castro, o Kakay, para representá-lo nos tribunais superiores de Brasília. O doutor estava convencido de que obteria uma liminar favorável à suspensão de todos os inquéritos abertos a partir da operação da PF. Porém, aderindo à delação, Youssef tem de abdicar dos recursos judiciais que movia.
“Nós tínhamos um acordo”, contou Kakay. “Se o Alberto Youssef decidisse fazer a delação, mandaria me avisar em primeiro lugar. Foi o que ele fez. Foi muito correto comigo. E eu deixei a causa. Não quero julgá-lo. As pressões são muito grandes, inclusive familiares.. Mas algo me deixa muito contrariado como advogado e até como cidadão.”
Como assim? “É que a tese principal que nós levamos ao STJ dizia respeito à suspeição do juiz Sérgio Moro” [responsável pela Lava Jato]. O magistrado havia se declarado impedido de cuidar de um inquérito em que o Alberto Youssef é mencionado. Alegou razões de ‘foro íntimo’.''
E daí? “Toda a jurisprudência, sem exceção, diz que, a partir do momento que um juiz declina de julgar um processo alegando foro íntimo, ele nunca mais pode julgar nada em relação ao mesmo acusado. Isso parece obvio. Mas, infelizmente, com a delação, não será apreciado.”
O que dizia a petição protocolada no STJ? “Tínhamos requerido uma liminar para paralisar a Operação Lava Jato, com a consequente soltura dos reus. A chance de prevalecermos era fortíssima. Toda a jurisprudência é favorável.”
Para desassossego de Kakay e dos encrencados da Petrobras, Youssef optou pela delação num instante em que se discutia no STJ, há dez dias, quem seria o relator do caso. A República treme de expectativa. O pior é que a curiosidade generalizada só deve ser saciada bem depois do segundo turno das eleições de 2014.
Na reta final para a eleição, muitos artistas estão declarando em quem vão votar. Enquanto ave, o papagaio Louro José declarou seu apoio ao tucano Aécio Never, do PSDB (Partido Social Democrático Bicudo)
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O bandoleiro, quer dizer, o doleiro Alberto Youssef é o novo X-9 da Polícia Federal que vai utilizar o benefício da deduração premiada. O ex-doleiro, que foi preso na Operação Lava Jato, promete entregar todo mundo pra não ter que ir pra Papuda e conviver com políticos de alta periculosidade.
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O candidato Paulo “da Força” Maluf teve sua candidatura barrada no TSE por ser Ficha Suja. Maluf, um eterno fugitivo das forças da Lei, já procurou o Bispo Edir Macedo para ver se consegue uma vaga no reality show A Fazenda.
Aécio: 'Dilma propõe negociar com um grupo que decapita pessoas'
Em agenda no RS, tucano se disse 'estarrecido' com discurso da presidente na ONU. E afirmou que ela deixará, também na política externa, um 'mau exemplo'
Bruna Fasano, de Porto Alegre
O candidato do PSDB à Presidência, Aécio Neves, afirmou nesta quinta-feira ter ficado “estarrecido” diante das declarações da presidente Dilma Rousseff, que “lamentou” a ação dos Estados Unidos para combater o avanço dos terroristas do Estado Islâmico na Síria. Segundo Aécio, Dilma não apenas utilizou seu discurso na abertura da Assembleia Geral das Nações Unidas na quarta-feira, em Nova York, para se comportar como candidata, como “propôs que se negocie com grupos extremistas que decapitam pessoas". As declarações foram dadas durante visita do tucano a Porto Alegre, no Rio Grande do Sul.
“Fiquei estarrecido com as declarações da presidente da República na ONU. Ela utilizou um espaço do Estado brasileiro para fazer campanha política. A história se lembrará do discurso da presidente, quando ela esqueceu onde estava e para quem falava, para fazer propaganda para o horário eleitoral”, afirmou Aécio. O tucano criticou em especial a manifestação de Dilma em relação aos ataques ao EI. “A presidente propõe negociar com um grupo que está decapitando pessoas", disse.
Na quinta-feira, depois de “lamentar” o bombardeio dos Estados Unidos contra terroristas na Síria, a presidente reafirmou sua posição diante dos chefes de Estado reunidos na ONU, ao condenar o “uso da força” como forma de resolver conflitos mundiais. Dilma colocou no mesmo cesto Iraque, Síria, Líbia, Ucrânia e Palestina, ignorando o fato de que, nos dois primeiros, um dos grupos terroristas mais selvagens em atividade está avançando e espalhando o horror de forma brutal, por meio de decapitações, crucificações e execuções sumárias. "Essa não é a política externa digna do Brasil e consagrada pelo país ao longo de tempos. Em relação também à política externa, infelizmente a presidente da Republica deixa péssimos exemplos para seu sucessor", afirmou Aécio.
O tucano, que visitou Porto Alegre ao lado da candidata ao governo do Estado Ana Amélia Lemos, do PP, corre contra o tempo para tentar angariar votos e chegar ao segundo turno. Aliada de Aécio no Rio Grande do Sul, Ana Amélia está na dianteira das pesquisas de intenção de voto. No último levantamento realizado pelo instituto Datafolha, a senadora aparece dez pontos percentuais à frente do atual governador, Tarso Genro (PT). Apoiado em Ana Amélia, Aécio percorrerá ainda nesta quinta-feira mais duas cidades no Estado, Santa Maria e Caxias do Sul. "Continuo até o último dia andando pelo Brasil com a mesma pregação que tive lá atrás", disse ele. "Me preparei ao longo de toda minha vida para governar o Brasil", afirmou. "A única candidatura que cresce constantemente de dez dias para cá é a nossa e vai continuar a crescer", destacou, comparando sua performance com a da concorrente Marina Silva, do PSB.
O tucano criticou, novamente, a gestão da Petrobras, a qual classificou como "trágica e perversa", e citou o acordo de delação premiada assinado pelo doleiro Alberto Youssef, preso na operação Lava Jato, da Policia Federal. "O meu sentimento é que a coisa é muito mais grave do que está sendo noticiado. Tem muita gente que treme por aí só de saber da delação (do Youssef). Essa coisa funcionou de forma orgânica dentro da Petrobras durante todo o governo Dilma. Será que dá para dizer que não sabia?", questionou Aécio. "Do ponto de vista política, a presidente tem responsabilidade, sim", acrescentou.
Repórter conta os ensinamentos que seu pai lhe deixou ao longa da vida
Texto: Raphaela de Campos Mello | Ilustrações: Nik Neves
Dele vem o empurrão derradeiro que nos lança sobre as próprias pernas, a bronca na hora certa, o conselho embalado com sabedoria, a sensação de que o mal passará longe enquanto ele olhar por nós.
Seja o pai que nos concebeu, o cuidador que nos acolheu, seja mesmo o mestre que nos orienta e protege na terra ou das alturas, a figura paterna é sempre a fronteira entre o eu e o mundo. Entre o que somos e o que podemos vir a ser. Vasculhe a memória e certamente vai encontrar algo que sem sombra de dúvida fez diferença ter aprendido com esse primeiro professor. Algo que você copia sem sequer ter muita consciência, alguma frase, comportamento, algo sério ou bem-humorado. Um conselho ou um olhar firme nunca mais visto em alguém – e para sempre lembrado.
Para a psicanálise, esse personagem é a terceira ponta de um triângulo. A parte que se impõe para que mãe e filho não se percam na fusão. Daí a tarefa de cortar o cordão umbilical, literalmente, na hora do parto. “No inconsciente, a figura do pai marca a existência do ‘outro’, de um ser que não se encontra na relação de simbiose entre o bebê/criança e a mãe”, ensina o filósofo e psicanalista Arthur Meucci, de São Paulo. Ele explica que enquanto a mãe está mais inclinada a suprir os desejos do filho, muitas vezes descartando o contexto social, o pai, por simbolizar a lei, as regras e as punições, enfatiza a existência de interesses e limites externos àquele pequeno ser. Não é à toa que muitos, até hoje, são vistos como severos. “Por outro lado, quem desempenha esse papel também simboliza o cuidado e a proteção”, acrescenta Meucci. Até porque, ele lembra, as regras servem para nos proteger. Portanto, são formas ativas de demonstrar amor.
Os efeitos disso não poderiam ser mais frutíferos. “Quando as relações com a figura paterna são boas, geralmente os filhos respeitam as outras pessoas e confiam nos benefícios das leis e dos costumes sociais”, aponta o psicanalista. A autonomia é outra semente intencionalmente plantada. “O pai suficientemente bom não só ajuda o filho a interagir com o mundo como também estimula a independência emocional e material dele”, sublinha o estudioso.
No panteão mitológico, esse arquétipo se encaixa na personalidade de Odin, principal deus da mitologia nórdica. Representação da sabedoria e da guerra, ele é rigoroso, porém amável. Rígido, mas justo e benevolente. Sábio e, ao mesmo tempo, humilde para reconhecer seus pontos fracos. Por ser tão humano e sensível, cultua a virtude e a poesia. Embora afeito ao combate, só entra em briga quando estritamente necessário.
Sem ter plena consciência, buscamos Odin em muitos lugares. No pai dado pela vida, no pai do céu, no guru, no pensador cujas ideias iluminam nosso caminho, no líder político que esbanja carisma e promessas de um futuro bom. Cada um, a seu modo, é guarida, bússola, referência de conduta.
Muitos jeitos de ser pai
Nos dias de hoje, podemos ir além e dizer que a presença do pai se aprimorou de diferentes maneiras dentro do lar. Mais participativa, prendada e afetuosa como nunca antes na história, a nova geração está ensinando a suas crias um modo mais humano e inteiro de ser homem. Segundo a terapeuta de casais e de famílias Lidia Aratangy, de São Paulo, cabe às mulheres encorajar a ala masculina a ocupar o espaço que lhe pertence por direito. “Existe um jeito masculino de trocar fralda, de dar mamadeira e papinha que é diferente do feminino, mas certamente tão bom quanto”, equaliza. A proximidade e a partilha são as grandes conquistas desse modelo, além da reformulação da identidade do macho, bem como das dinâmicas doméstica e familiar.
O escritor João Anzanello Carrascoza, natural de Cravinhos, interior paulista, que lançou recentemente o romance Caderno de um Ausente (ed. Cosac Naify), desabafo de um pai tardio para sua descendente recém-nascida, desfolha mais uma camada dessa relação. Para ele, é essencial ensinar a um filho que o mais importante não é estar junto, mas estar dentro, como um farol sempre aceso. “Ser pai é legar a alguém – estando ou não presente muito tempo com ele para a partilha dessa aventura – a mesma existência de dores e alegrias, o mesmo desafio de viver com humildade o presente, as mesmas limitações e a certeza brutal da finitude”, poetiza. De outro lado, o do aprendiz, Carrascoza também acredita que uma obra literária ou mesmo um autor podem desempenhar essa função na medida em que contribuem com seu conhecimento e sua sensibilidade para a educação intelectual e sentimental de quem o lê. “Um escritor funda ‘novos mundos’, com os quais o leitor pode ampliar a sua experiência estética e viver mais profundamente a sua condição humana”, diz ele, que elegeu o paulista Raduan Nassar, autor de Lavoura Arcaica e Um Copo de Cólera (ambos da ed. Companhia das Letras), seu “pai literário”.
Olhai por nós
Há quem mantenha com o mestre espiritual uma genuína relação de filho para pai. Axel Guedes, revisor de textos e administrador do site Mundo Escrito, de Goiânia, é devoto do iogue e guru indiano Paramahansa Yogananda (1893-1952), fundador da Self-Realization Fellowship, entidade internacional difusora da kriya ioga. Filho de um seguidor do guru, ele cresceu entre meditações, cânticos e ensinamentos. Foram muitos os aprendizados absorvidos. Mas um o acompanha com maior contundência. “Normalmente, vivemos reagindo às circunstâncias da vida, sem ter suficiente consciência disso. Quando passamos a praticar diariamente as técnicas de meditação ensinadas por Yogananda, as atividades cotidianas ganham uma nova perspectiva. Naturalmente nos encaminhamos para uma maturidade emocional”, afirma. De mãos dadas com seu mestre, o discípulo tem todas as condições de acessar as profundezas da própria consciência, seu grande trunfo nesta vida. “Então, aprendemos a nos libertar dos maus hábitos que antes nos manipulavam sem que sequer percebêssemos, tais como os sentimentos negativos e as atitudes provenientes de impulsos irrefletidos”, complementa Guedes.
Mesmo fervor emana a católica Sonja Freitas Santos, funcionária pública, de São Paulo. Para ela, o Pai do céu é uma força muito próxima do seu íntimo. “Sinto-me em relação a Ele como filha amada, amparada. E nos momentos de dor tenho a sensação de que me aninho em seu colo. Com Ele desabafo, choro e espero sempre o melhor”, revela. Sua fé se abastece da convicção nesse amor inesgotável. Seu Deus é bondoso e provedor, garante.
Patrimônio inestimável
A sensação de ser salvo pelas mãos paternas não vem só dos domínios espirituais, obviamente. No decorrer do convívio familiar vamos coletando pérolas deixadas pelo caminho já percorrido por nosso cuidador. São as lições apresentadas pela conduta e reforçadas pelo discurso. Uma herança de valor afetivo inabalável que baliza nossos passos e não se apaga com o tempo. Ao contrário, fica mais forte, como bem confessou o escritor Rubem Braga no conto Coisas Antigas: “Há um certo conforto íntimo em seguir um hábito paterno; uma certa segurança e uma certa doçura”.
Uma sensação confortável tão simples como, escreveu o autor, ir à mesma loja de guarda-chuvas que o pai frequentava. Uma vez colhidas e assimiladas, essas joias se incrustam no no nosso ser. E lá germinam. Até o momento de serem transplantadas nas gerações vindouras.
O escritor João Carrascoza aprendeu com o pai, um comerciante de cereais e exímio contador de histórias, o respeito incondicional e o exercício diário da compaixão. A católica Sonja Santos teve um pai simples, honesto, trabalhador do ramo contábil, que deixou como lição a retidão dos atos e a gratidão por tudo o que a vida traz. “Ele retribuía com amor e jamais se esquecia de alguém que fazia algo por ele”, conta.
Já a terapeuta Lidia Aratangy destaca o aprendizado do respeito transmitido pelo pai, cirurgião. “Ele me ensinou que é possível ter autoridade com afeto e sem violência. Eu e meus três irmãos nunca levamos um tapa. Tenho quatro filhos e nove netos e ninguém nunca apanhou. É como se essa autoridade sem violência pudesse, de fato, ser transmitida”, atesta. Esse mesmo pai fez questão de nortear a escolha profissional da sua menina numa época em que o mercado de trabalho ainda era dominado pelos homens. E, com contundência, dizia: “Não me invente de fazer faculdade ‘tico-tico’. Não basta ter um diploma, uma mulher precisa ter uma profissão. Pois o único homem que pode te sustentar sou eu – e não para sempre!”, ela recorda, enfatizando a importância do olhar paterno para a construção da autoestima feminina. Lidia lembra ainda dele saber fazer isso por meio do reconhecimento, do orgulho assumido. “Minha filha, onde foi que acertei com você?”, indagou em tom jocoso, certa vez, o pai da terapeuta depois de ter assistido a uma palestra dela.
Na história da artista plástica Isabelle Tuchband, de Taubaté, interior paulista, a herança paterna se ramificou em três belos troncos. No pintor francês Emile Tuchband (1933-2006), ela encontrou um pai, um amigo e um mestre da arte que ela abraçaria. “Esse homem doce e educado sempre falava que a amizade era fundamental na vida de todos”, diz a filha de peixe. Dele também veio o conselho: “Faça tudo com alegria e com amor, do contrário nada tem sentido”. Recentemente, Isabelle criou uma vitrine na cidade francesa de Nice e a dedicou ao seu eterno querido. “Escrevi no vidro: ‘A mon père, Emile, meu mestre.” Quanta gratidão embutida aí.