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terça-feira, 14 de novembro de 2017

O Brasil trata o criminoso melhor do que a vítima...

Monitor da Violência: dois meses e meio 

depois, maioria dos casos de morte 

violenta está em aberto

Novo levantamento feito pelo G1 mostra que os inquéritos de 761 dos 1.195 casos continuam em andamento. Não há informação sobre o status de 181 crimes; falta de transparência tem dificultado o trabalho de apuração do projeto.

Por G1
 
Maioria dos crimes registrados segue em investigação (Foto: Alexandre Mauro/G1)Maioria dos crimes registrados segue em investigação (Foto: Alexandre Mauro/G1)
Maioria dos crimes registrados segue em investigação (Foto: Alexandre Mauro/G1)
Dois meses e meio depois, 64% do total de casos de morte violenta ocorridos entre 21 e 27 de agosto no Brasil continuam em aberto e só 12% registram alguma prisão. É o que mostra um novo levantamento feito pelo G1 tendo como base todas as mortes registradas durante uma semana no país. Se forem excluídos os casos em que a polícia não informa ou que não foi possível obter o status dos crimes, o índice de casos em andamento sobe para 75% (e o de prisões, para 15%).
O Monitor da Violência é resultado de uma parceria do G1 com o Núcleo de Estudos da Violência (NEV) da USP e com o Fórum Brasileiro de Segurança Pública.
Monitor da Violência: dois meses e meio depois, maioria dos casos está em aberto
Neste projeto, estão todos os casos de homicídio, latrocínio, feminicídio, morte por intervenção policial e suicídio ocorridos de 21 a 27 de agosto no Brasil. São 1.195 mortes registradas – uma média de uma a cada oito minutos.
CARTÓRIO DA IMPUNIDADE: diretores do FBSP analisam
SEM INVESTIGAÇÃO, GRUPOS ARMADOS SE FORTALECEMo que diz pesquisador do NEV
Mais de 230 jornalistas espalhados pelo país apuraram e escreveram as histórias das vítimas. Agora, acompanham o andamento desses casos.
O novo levantamento revela que:
  • 761 casos estão em andamento (64% do total OU 75% dos inquéritos aos quais o G1 teve acesso - 1.014)
  • 216 casos estão concluídos
  • 27 inquéritos não foram nem sequer instaurados
  • em 514 casos, a autoria ainda é desconhecida
  • há 370 casos com o autor ou os autores identificados pela polícia (sendo 512 pessoas ao todo)
  • em 141 casos, foi efetuada a prisão de um ou mais suspeitos (12% do total OU 15% se forem excluídos os casos não informados e os suicídios)
O Código de Processo Penal determina que um inquérito policial seja concluído em 10 dias quando houver prisão em flagrante ou 30 dias em caso de inexistência de prisão cautelar. Os delegados, no entanto, podem pedir um prazo maior para elucidar o caso – o que normalmente acontece.
 (Foto: Roberta Jaworski/G1) (Foto: Roberta Jaworski/G1)
(Foto: Roberta Jaworski/G1)

Extremos

Os dados mostram a dificuldade nas investigações e a consequente lentidão dos processos e expõem o drama das famílias que aguardam um desfecho para os casos.
Mas se há, por um lado, ao menos 27 casos em que o inquérito nem sequer foi instaurado, por outro, há um caso emblemático, em que um dos crimes teve um desfecho relâmpago. Em Vilhena (RO), a morte do filho de um ex-prefeito da cidade fez a prefeitura decretar três dias de luto e gerou comoção nas redes sociais.
Dois meses depois, o suspeito, que foi preso, já foi julgado e condenado a 28 anos de prisão. Um adolescente também envolvido no crime foi apreendido e está em uma unidade socioeducativa.
Caso de assassinato de filho de ex-prefeito de Vilhena (RO) teve desfecho relâmpago (Foto: Reprodução/Facebook)Caso de assassinato de filho de ex-prefeito de Vilhena (RO) teve desfecho relâmpago (Foto: Reprodução/Facebook)
Caso de assassinato de filho de ex-prefeito de Vilhena (RO) teve desfecho relâmpago (Foto: Reprodução/Facebook)
O levantamento revela que, mesmo quando os autores são identificados, poucos são os casos em que eles são encontrados e presos. Mais que isso: mostra que boa parte dos suspeitos já era conhecida das vítimas (em pelo menos um terço dos casos) – e que, portanto, não houve um trabalho de investigação para chegar a eles.
Em crimes de repercussão, como em alguns dos feminicídios registrados no período, os ex-companheiros foram presos. Isso ocorreu, por exemplo, em Tupã (SP), onde Débora Goulart, que já havia registrado um boletim de ocorrência contra o ex-marido, foi esfaqueada dentro de casa, e em Serra (ES), onde Gabriela Silva de Jesus foi estrangulada pelo ex-noivo.
Mulheres vítimas de feminicidio durante a semana (Foto: Arte/G1)Mulheres vítimas de feminicidio durante a semana (Foto: Arte/G1)
Mulheres vítimas de feminicidio durante a semana (Foto: Arte/G1)
Já alguns estados tiveram índices ínfimos de prisão. Em Alagoas, por exemplo, onde ocorreram 39 mortes violentas, não houve nenhuma prisão. No Rio Grande do Norte, onde foram registrados 64 casos, 59 também não registraram prisões até o momento.
Para os pesquisadores do NEV-USP e do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, a falta de esclarecimento e punição é um dos fatores que contribuem para que os crimes continuem a acontecer.

Dificuldades nas investigações

Vários delegados relatam dificuldades para investigar as mortes violentas no país. No Rio, o diretor da Divisão de Homicídios, Rivaldo Barbosa, afirma que o volume de casos impossibilita um trabalho mais apurado. “Em um ano, na capital, há 1.300 homicídios para serem apurados por 200 policiais.”
Na região de Campinas, o Instituto de Criminalística (IC) também diz que há uma demora na produção de laudos necessários na investigação de mortes violentas pela Polícia Civil porque há uma “sobrecarga”. São 98 peritos para atender 92 municípios. De seis casos registrados, apenas um foi concluído. Três dos cinco inquéritos abertos aguardam o IC para dar sequência ao trabalho dos investigadores.
Um desses casos é o do motorista Tiago Marques Fagundes, de 36 anos, morto a tiros em uma estrada vicinal em Americana. A autoria do crime é desconhecida. E a família ainda aguarda por justiça.
Outros fatores, como a dificuldade de falar com testemunhas, a ausência de provas e a infraestrutura precária, são apontados como causas para a lentidão nas apurações dos crimes.
O motorista Tiago Marques Fagundes, morto a tiros em uma estrada vicinal em Americana (Foto: Reprodução)O motorista Tiago Marques Fagundes, morto a tiros em uma estrada vicinal em Americana (Foto: Reprodução)
O motorista Tiago Marques Fagundes, morto a tiros em uma estrada vicinal em Americana (Foto: Reprodução)
Em Viamão (RS), duas mortes registradas nos dias 22 e 23 de agosto ainda estão sem identificação. Um dos corpos, encontrado enterrado, terá de ser identificado pelas digitais ou arcadas dentárias.
Não se trata de um caso isolado. Do total de 1.195 vítimas, mais de 120 continuam sem nome – metade delas no Pará. Cerca de 170 continuam sem a idade informada. Outras 470 aparecem sem a cor/raça identificada.

Falta de transparência

G1 teve mais uma vez dificuldade para obter os dados pelo país. Várias secretarias se negaram a passar as informações e delegados alegaram sigilo em casos onde não há qualquer impedimento para divulgação.
No Espírito Santo, por exemplo, a polícia e o governo não responderam a nenhum questionamento da equipe de reportagem. O G1 teve de contar com a ajuda da Promotoria para conseguir checar todos os casos.
No Ceará, os delegados informaram ter recebido um ofício da Secretaria da Segurança ordenando que informações sobre inquéritos não fossem repassadas por telefone, dificultando o trabalho dos repórteres, especialmente na verificação do andamento de mortes no interior do estado.
No Pará, a Secretaria da Segurança pediu um prazo para poder responder às questões. No fim, enviou uma mensagem: "Informamos que, em decorrência do caráter de sigilo das investigações policiais, não será possível o fornecimento de informações a respeito do andamento da apuração dos crimes de homicídio". Em algumas delegacias, os responsáveis não atenderam nem sequer o telefone. Com isso, o G1 só conseguiu obter dados de 15 dos 102 crimes no Pará – o pior índice entre todos os estados.
Em vários locais, as polícias também se recusaram a informar os números dos inquéritos – um dos pedidos feitos para acompanhar os casos inclusive em outras esferas.
No Tocantins, um caso insólito: a delegacia de Crixás do Tocantins mudou de lugar e os responsáveis ficaram sem conseguir acessar os arquivos do caso. A equipe do G1 tentou obter as informações por mais de uma semana até conseguir os dados.
A falta de padronização também tem dificultado a contabilização dos casos. Em alguns estados, casos de suicídio, por exemplo, não têm nem inquérito instaurado; em alguns, eles são arquivados; em outros, os casos são dados como concluídos e relatados à Justiça.
A apuração nesses últimos meses revelou ainda que seis dos casos investigados acabaram reclassificados para mortes não violentas. Eles continuarão, porém, a constar do mapa, com a nova classificação. Além disso, alguns dos casos estavam duplicados e outros não haviam sido incluídos. No fim, o número de vítimas se manteve em 1.195.
Participaram desta etapa do projeto:

segunda-feira, 13 de novembro de 2017

Um pedaço de Campos que não existe mais

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Admire ... Era assim o Jardim de Alah !


A Diversidade pode ser pragmática em situações de guerra

"Hitler era bastante islamófilo" http://flip.it/SI1x0Q

ALEMANHA

"Hitler era bastante islamófilo"

Em entrevista à DW, historiador destaca simpatia do líder nazista pelo islã, o qual ele considerava uma religião de guerreiros. Dezenas de milhares de muçulmanos lutaram ao lado das tropas alemãs na Segunda Guerra.
Grão-mufti de Jerusalém (esq.) Amin Al-Husseini em encontro com Hitler em Berlim (09/12/1941)
Aliados islâmicos como o grão-mufti de Jerusalém, Amin Al-Husseini (esq.), teriam partilhado ódio de Hitler contra os judeus
Nazistas e muçulmanos colaboraram militarmente durante a Segunda Guerra Mundial. Dezenas de milhares de muçulmanos bósnios, albaneses e de outras etnias combateram ao lado das tropas nazistas. Até que ponto foi essa parceria? Ela foi impulsionada por um antissemitismo comum a ambos os lados, ou havia motivações pragmáticas mais fortes?
Em entrevista à DW, o historiador David Motadel, professor de História Internacional na London School of Economics e autor do recém-lançado Für Prophet und Führer. Die islamische Welt und das Dritte Reich (Pelo Profeta e o Führer. O mundo islâmico e o Terceiro Reich), destaca que Adolf Hitler e outros nazistas tinham simpatia pelo islã como religião de guerreiros.
"Minha tese é que por trás da política alemã para o islã estavam, acima de tudo, motivos práticos, pragmáticos", afirma o historiador sobre esse capítulo pouco explorado da Segunda Guerra. 
Deutsche Welle: Seu livro Für Prophet und Führer  fala da política para o islã adotado pelo regime nazista. Como exatamente era essa política?
David Motadel
David Motadel: "Propagandistas alemães politizavam textos religiosos como o Alcorão ou o conceito de jihad"
David Motadel: No ápice da Segunda Guerra Mundial, em 1941, 1942, quando as tropas alemãs invadiram territórios de população muçulmana nos Bálcãs, Norte da África, Crimeia e Cáucaso, Berlim começou a perceber que o islamismo tinha significação política. Passo a passo, o regime nazista passou a recrutar muçulmanos como aliados e incitá-los à luta contra inimigos supostamente comuns – por exemplo, o Império Britânico, a União Soviética, os Estados Unidos e os judeus.
Nas regiões fronteiriças com população islâmica, os alemães organizaram propaganda religiosa de amplo alcance, a fim de apresentar o "Terceiro Reich" como protetor do islã. Além disso, já desde o início de 1941, pouco antes da invasão do Norte Africano, a Wehrmacht distribuía entre seus soldados o panfleto O islã, com o fim de instruí-los sobre como lidar com os muçulmanos locais.
No front oriental, na Crimeia e no Cáucaso, onde, antes da guerra, Stalin reprimira brutalmente o islã, os ocupadores alemães reergueram mesquitas e escolas do Alcorão, na esperança de assim minar o domínio soviético. Os propagandistas alemães politizavam textos religiosos como o Alcorão ou o conceito de jihad, a assim chamada "guerra santa", a fim de instigar os muçulmanos à violência religiosa contra os Aliados.
Outro aspecto foi o recrutamento pela Wehrmacht e a SS de dezenas de milhares de voluntários muçulmanos, a partir de 1941. Tratava-se principalmente de bósnios, albaneses, tártaros da Crimeia e muçulmanos do Cáucaso e da Ásia Central.
Que fins perseguia o regime nazista com esse recrutamento de muçulmanos?
As motivações dessa política eram diversas: por um lado, em muitas zonas em que combatiam, as tropas alemãs eram confrontadas com uma população islâmica. Ao mesmo tempo, no fim de 1941 a situação militar piorou, procurava-se compensar as perdas de soldados alemães no front oriental. Aí, soldados muçulmanos foram mobilizados em todos os fronts. Eles lutaram em Stalingrado e Varsóvia, e até mesmo na defesa de Berlim.
Faziam-se muitas concessões religiosas aos recrutas, permitindo-se práticas e rituais religiosos, como a oração e o abate religioso [halal]. Em 1933 os nazistas haviam proibido o abate religioso [kosher] por razões antissemíticas, mas voltaram a liberá-lo em 1941 para os soldados islâmicos. Os imames militares desempenhavam um papel especial nas tropas, sendo responsáveis não só pelo acompanhamento religioso dos recrutas, como também por sua doutrinação política.
É muito difundida a noção de que os muçulmanos teriam se colocado do lado dos nazistas durante a época nacional-socialista por se sentirem ligados a eles através do antissemitismo. Também por esse motivo os nazistas teriam se aproximado dos muçulmanos. O que há de verdade nessa narrativa?
Na propaganda, sobretudo no mundo árabe, os temas antissemíticos naturalmente tinham um papel importante – assim como na propaganda alemã para o exterior, em geral. Isso estava frequentemente ligado a ataques à migração sionista para a Palestina. Esse se tornou um tema importante no mundo árabe, no período entre as duas guerras mundiais.
Do lado muçulmano, não se pode generalizar. Alguns aliados islâmicos do regime nacional-socialista, em especial o grão-mufti de Jerusalém, Mohammed Amin Al-Husseini, partilhavam o ódio dos nazistas contra os judeus. Nas regiões de guerra propriamente ditas – nos Bálcãs, Norte da África ou nos territórios do Leste Europeu –, a situação era mais complicada: em muitas dessas áreas, muçulmanos e judeus haviam convivido por muito tempo. E em alguns casos os muçulmanos ajudaram judeus a se esconderem dos alemães.
Que lucro os muçulmanos que simpatizavam com os alemães esperavam ter, colaborando com eles?
Não se pode generalizar a reação dos muçulmanos diante dos invasores alemães nas zonas de guerra. Na Líbia, por exemplo, onde durante anos a população sofrera sob um regime colonial italiano brutal, as tropas ítalo-alemãs foram recebidas com relativa frieza. Na União Soviética, foi mais fácil.
Entre os muçulmanos que lutaram ativamente nas forças alemãs, a maioria não tinha motivações religiosas, mas antes materiais. Muitos tinham sido recrutados nos campos de prisioneiros de guerra: eles queriam, antes de tudo, escapar da fome e das pestes nos alojamentos. Muitos simplesmente esperavam que um uniforme alemão lhes permitisse sobreviver à guerra.
Heinrich Himmler, comandante da SS, dizia que o islã era "uma religião prática e simpática para soldados". Os nacional-socialistas realmente aprenderam algo com o islã? Ou os muçulmanos não passaram de meios para alcançar um fim?
Minha tese é que por trás da política alemã para o islã estavam, acima de tudo, motivos práticos, pragmáticos. No entanto, procede que alguns líderes nazistas, sobretudo Hitler e Himmler, eram bastante islamófilos e manifestaram repetidamente sua simpatia pelo islã. Toda vez que Hitler criticava a Igreja Católica, nos anos da guerra, ele contrapunha o islã como exemplo positivo.
Enquanto condenava o catolicismo como religião fraca, debilitada, afeminada, ele louvava o islã como religião de guerreiros, forte e agressiva. Esse tópos foi repetidamente retomado por outros líderes do nazismo. No geral, porém, o que estava por trás da política alemã relativa ao islã eram considerações estratégicas, e não concepções ideológicas.
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A Desigualdade é companheira assídua do Brasil

Uma terra de extrema desigualdade http://flip.it/QnKGsr
ECONOMIA

Uma terra de extrema desigualdade

O Brasil já era dos países mais desiguais do mundo antes da crise – e os efeitos desse período ainda vão aparecer. Enfrentaremos o problema?

LUÍS LIMA, COM MARCOS CORONATO
13/11/2017 - 08h00 - Atualizado 13/11/2017 11h35
Uma terra de extrema desigualdade (Foto: Revista ÉPOCA)
Mimetizada na Vila Mariana, bairro nobre da cidade de São Paulo, a comunidade Mário Cardim é invisível a olhos desatentos. Com cerca de 400 famílias reunidas num espaço de 7.000 metros quadrados, menor que uma quadra, o lugar onde funcionava uma fábrica de velas e que hoje pertence ao INSS agrupa casas simples. Mas faz fronteira com prédios residenciais suntuosos, a metros de distância. “Aqui temos acesso aos serviços básicos – água, esgoto, energia, além de internet e televisão”, diz Cícera Vieira, que vive na comunidade e preside a associação de moradores Mãos Unidas. O comerciante Júlio César, dono de um restaurante onde se pode almoçar por R$ 13, com café, vê muita vantagem em usufruir da infraestrutura da Vila Mariana, incluindo hospitais e transporte público. Além dos serviços, vizinhos pobres e ricos desfrutam também de relativa segurança na área. Mas a igualdade termina por aí. “Temos noção de que vivemos colados a pessoas muito mais ricas”, diz Cícera.
O preço dos apartamentos na Vila Mariana chega facilmente à casa dos milhões. No edifício Costa do Marfim, na Rua Rio Grande, quase esquina com a rua principal da favela, um apartamento de 50 metros quadrados custa R$ 450 mil. Na comunidade, um imóvel de área similar pode sair por menos de R$ 70 mil. A área foi ocupada irregularmente a partir de 1972. Júlio César, morador da área há 30 anos, após perder o emprego em um supermercado, abriu seu próprio comércio. Vários de seus vizinhos seguem esse caminho.
Eles sentem o impacto direto da crise econômica que eliminou empregos a partir de 2014. Embora atenuado nos últimos meses, esse ciclo uniu queda de renda e alta da inflação. Ainda não se conhece plenamente o estrago que causou. Mas estima-se que, até o fim deste ano, o número de pessoas vivendo na miséria no Brasil crescerá de 2,5 milhões a 3,6 milhões, segundo o Banco Mundial. O número de brasileiros vivendo abaixo da linha da pobreza passou dos 16 milhões, em 2014, para cerca de 22 milhões neste ano, de acordo com o Centro de Políticas Sociais da Fundação Getulio Vargas (FGV Social). Em momentos assim, o Brasil depara com outra chaga, diferente da pobreza: a desigualdade. Os mais ricos se protegem melhor da crise, que empurra para baixo a parcela da população já empobrecida. Por isso o FGV Social alerta sobre um aumento relevante da desigualdade no país. Ela já subiu no ano passado, na medição que usa um índice chamado Gini. Foi a primeira vez que isso ocorreu em 22 anos. Trata-se de um fenômeno especialmente ruim num país em que a desigualdade supera a normalmente encontrada em democracias capitalistas [leia o mapa abaixo]. Para piorar, descobrimos recentemente que subestimávamos o problema.
  • ade era organizada só com o Índice de Gini, baseado na Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad) – o que os cidadãos dizem aos pesquisadores do IBGE, quando os recebem em suas casas. Por esse método, ficavam fora do quadro os rendimentos que principalmente os mais ricos conseguem de outras fontes, que não o salário – a renda do capital, oriunda de ativos como aplicações financeiras, participação em empresas e propriedade de imóveis. Isso mudou quando a Receita Federal publicou números do Imposto de Renda (IR) de pessoa física de 2007 em diante. Os números mais recentes, referentes a 2015, foram abertos em julho deste ano. Eles evidenciam que a concentração de renda no topo da pirâmide social brasileira é muito maior do que se pensava. A análise restrita às entrevistas domiciliares indicava que o 1% mais rico de brasileiros concentrava 11% da renda. Com os dados do IR e do Produto Interno Bruto (PIB), essa fatia saltou para 28%. “A desigualdade na renda do trabalho caiu mesmo quando usamos os dados do Imposto de Renda. Foram os ganhos de capital [como lucros e dividendos] que limitaram a queda da desigualdade geral”, explica Marcelo Medeiros, economista do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea).
Desigualdade não é, em si, um problema. Ela se confunde com a própria essência do capitalismo, da livre-iniciativa econômica e do triunfo do mérito pessoal. Thomas Piketty, economista francês que se tornou o nome mais célebre a alertar sobre o tema nos últimos anos, afirmou a ÉPOCA, em 2014, que “algum nível de desigualdade é desejável”. Complicando o problema, medir desigualdade é uma tarefa difícil. Recentemente, porém, surgiu uma linhagem sólida de estudos apontando que a desigualdade excessiva prejudica sociedades. O grupo de autores que passaram a abordar o tema inclui os economistas Tony Atkinson (um pioneiro na área, que lecionou nas universidades de Cambridge e Oxford e trabalhou no Banco Mundial), Joseph Stiglitz (ganhador do Prêmio Nobel em 2001), o próprio Piketty (que publicou seu livro mais influente em 2013) e Angus Deaton (ganhador do Prêmio Nobel em 2015). Uniram-se a essas vozes de advertência instituições com credenciais capitalistas inquestionáveis. O Fundo Monetário Internacional (FMI) alertou em outubro que desigualdade alta prejudica a coesão social, conduz à polarização política e pode reduzir o crescimento econômico. A desigualdade foi também adotada neste ano como principal tema do Fórum Econômico Mundial. Efeitos da concentração de renda vêm sendo estudados em diversas áreas.

Escolha do Brasil pode ser considerada inadequada

De olho no petróleo, Brasil pode deixar clima de lado http://flip.it/dDpK-A

BRASIL

De olho no petróleo, Brasil pode deixar clima de lado

Na COP23, Sarney Filho classifica de "retrocesso" proposta que prevê subsídios para petroleiras, e críticos afirmam que tentativa de acelerar exploração do pré-sal não se alinha a esforços de descarbonizar o planeta.
Plataforma de petróleo da Petrobras
Plataforma de petróleo da Petrobras: indústria do petróleo é a maior fonte de emissões mundo afora
Enquanto representantes de mais de 190 países discutem na 23ª Conferência do Clima (COP23), em Bonn, na Alemanha, como fazer a transição para uma economia com fontes de energia limpa para evitar uma catástrofe climática, uma proposta que oferece subsídios à indústria do petróleo segue com regime de urgência na Câmara dos Deputados, em Brasília.
A Medida Provisória 795, em tramitação, livraria empresas de pagar diversos impostos no país. Na prática, o governo abriria mão de arrecadar mais de 1 trilhão de reais para incentivar atividades da indústria apontada como maior fonte de poluição do planeta.
Em Bonn, José Sarney Filho, ministro do Meio Ambiente, criticou a proposta. "Há várias tentativas de retrocessos. Vamos ficar atentos para que elas não se realizem", declarou nesta segunda-feira (13/11). Para o ministro, a MP 795 seria uma "volta ao passado".
Sarney lidera a delegação brasileira na COP23. A rodada de negociações internacionais tenta formatar um guia prático para aplicar o Acordo de Paris, assinado em 2015. A principal meta é frear as emissões de gases do efeito estufa, que aceleram as mudanças climáticas. E quando se fala em emissões, uma fonte é imbatível na liderança: a indústria do petróleo.
Até o fim do ano, o governo planeja fazer quatro leilões de blocos exploratórios no pré-sal. A reserva de petróleo na costa do Atlântico é a maior descoberta de combustível fóssil feita nas últimas décadas, com um volume estimado em 176 bilhões de barris.
Enquanto na linguagem financeira, os subsídios ao setor, como propõe a MP 795, custariam aos cofres públicos mais de 1 trilhão de reais, na linguagem das mudanças climáticas, esse petróleo significaria 74,8 bilhões de toneladas de carbono equivalente (tCO2eq) na atmosfera.
Para limitar o aquecimento da temperatura em até 1,5˚C, meta do Acordo de Paris, o planeta pode receber uma carga limitada de CO2 em sua atmosfera até 2100. O volume de dióxido de carbono que o Brasil emitiria queimando o petróleo do pré-sal equivale a 18,5% desse total.
"O Brasil chegou a Bonn falando em acelerar a ação climática e cobrando mais ambição de outros países. O governo brasileiro dá agora uma sinalização totalmente na contramão disso, na contramão para implementarmos o Acordo de Paris", critica Carlos Rittl, do Observatório do Clima.
Pesos decisivos
Com uma delegação de negociadores climáticos respeitada em Bonn, o Brasil tem dois pesos decisivos na balança mundial de carbono: o pré-sal e a Floresta Amazônica. Mais do que a queima do petróleo, o desmatamento da floresta foi responsável pela subida em 9% das emissões brasileiras no ano passado. Por isso, as políticas nessas áreas repercutem na Conferência do Clima.
A tentativa de acelerar a exploração do pré-sal não se alinha ao esforço das equipes diplomáticas em Bonn para descarbonizar o mundo, opina Maurício Voivodic, da WWF Brasil.
Arnold Schwazenegger na COP23
Na COP23, Schwarzenegger disse que conseguiu apoio popular para barrar investimentos na indústria fóssil ao mostrar que a poluição mata
"Em vez de subsidiar quase 1 trilhão de reais, [o Brasil] deveria taxar mais o carbono que está no solo. Taxar o petróleo que está enterrado permitiria investir em fontes renováveis, como solar e eólica", avalia.
A alternativa seria desacelerar a velocidade de extração do petróleo e direcionar o imposto arrecadado para as fontes limpas, que não despejem mais CO2 no ambiente. "É o que os negociadores aqui discutem", complementa Voivodic.
Dilema da escolha
Arnold Schwarzenegger disse ter enfrentado algo parecido quando governou a Califórnia. Em sua passagem pela COP23, num painel com lideranças políticas dos Estados Unidos que tentam reagir à saída de Donald Trump do Acordo de Paris, Schwarzenegger contou como conseguiu apoio popular para barrar investimentos na indústria fóssil e investir em energia renovável: mostrou que a poluição mata.
A Alemanha, que sedia a COP23, vive dilema semelhante. A meta ambiciosa do país de cortar suas emissões em 40% até 2020 não será atingida, segundo um estudo publicado em setembro. Embora as fontes renováveis estejam em expansão, a Alemanha ainda depende do carvão, altamente poluente.
O Brasil também terá que fazer uma escolha, aponta Marcio Astrini, do Greenpeace. E ela pode afetar a capacidade de negociação do país na COP.
"Está claro que as pessoas que governam o Brasil não se importam com as negociações que acontecem aqui. Para elas, em Brasília, o debate climático parece dispensável", criticou.
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