FRASE DO DIA
Tivemos um problema político sério, porque ganhamos a eleição com um discurso e depois das eleições tivemos que mudar o nosso discurso e fazer aquilo que a gente dizia que não ia fazer
APAVORADOS COM IMINENTE IMPEACHMENT DA DILMA PETISTAS TORNAM-SE AGRESSIVOS. LÍDER DO PT NA CÂMARA AMEAÇA MANIFESTANTES DO MBL. |
Imagem da TV Câmara mostra o momento em que o líder do PT na Câmara, deputado Sibá Machado, agride os manifestantes do MBL e os ameaça. Acima vídeo do MBL mostrando parte do protesto que o movimento realizou nas galerias da Câmara e adjacências exigindo o impeachment da Dilma. |
“Só há um problema filosófico verdadeiramente sério: é o suicídio. Julgar se a vida merece ou não ser vivida, é responder a uma questão fundamental da filosofia. O resto, se o mundo tem três dimensões, se o espírito tem nove ou doze categorias, vem depois. (…) Nunca vi ninguém morrer pelo argumento ontológico. Galileu, que possuía uma verdade científica importante, dela abjurou com a maior das facilidades deste mundo, logo que tal verdade pôs a sua vida em perigo. Fez bem, em certo sentido. Essa verdade não valia a fogueira. (…) Outros vejo, que se fazem paradoxalmente matar pelas ideias ou pelas ilusões que lhes dão uma razão de viver. Julgo, pois, que o sentido da vida é o mais premente dos assuntos – das interrogações.”
Albert Camus (2002), O Mito de Sísifo, ensaio sobre o absurdo, Ed. Livros do Brasil, pp. 13-14.
“Não é em vão que se tem jogado com as palavras e fingido acreditar, que recusar um sentido à vida conduz, forçosamente, a declarar que ela não vale a pena ser vivida. Na verdade, não há nenhuma relação de obrigatoriedade entre esses dois juízos. (…) Averiguar se o absurdo determina a morte, tal o problema a que se tem de dar a primazia.”
Albert Camus (2002), O Mito de Sísifo, ensaio sobre o absurdo, Ed. Livros do Brasil, pp. 17-18.
“A inteligência também me diz, a seu modo, que este mundo é absurdo. Por mais que o seu contrário, que é a razão cega, pretenda que tudo é claro, em vão espero provas, desejando, embora, que ela tivesse razão. (…) Tudo o que se pode dizer é que esse mundo não é razoável em si mesmo. Mas o que é absurdo é o confronto desse irracionalismo e desse desejo desvairado de clareza, cujo apelo ressoa no mais profundo do homem.”
Albert Camus (2002), O Mito de Sísifo, ensaio sobre o absurdo, Ed. Livros do Brasil, p. 29.
“O sentimento do absurdo não deve, entretanto, confundir-se com a noção do absurdo. (…) O absurdo é essencialmente um divórcio. Não está num nem noutro dos elementos comparados. Nasce do seu confronto. No plano da inteligência, posso pois dizer que o absurdo não está no homem nem no mundo, mas na sua presença comum.”.
Albert Camus (2002), O Mito de Sísifo, ensaio sobre o absurdo, Ed. Livros do Brasil, p. 37.
“Até aqui tratava-se de saber se a vida devia ter um sentido para ser vivida. A partir daqui, pelo contrário, impõe-se-nos que ela será vivida até melhor por não ter sentido. Viver uma experiência, um destino, é aceitar plenamente. Ora não viveremos esse destino, sabendo-o absurdo, se não fizermos tudo por mantermos, diante de nós, este absurdo aclarado pela consciência. Negar um dos termos da oposição de que ele vive, é escapar-lhe. Abolir a revolta consciente é sofismar o problema. Viver, é fazer viver o absurdo.”
Albert Camus (2002), O Mito de Sísifo, ensaio sobre o absurdo, Ed. Livros do Brasil, p. 57.
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NESSA CANOA FURADA
23.10.2015 EM BLOG
“Como vai você/ assim como eu/ uma pessoa comum/ um filho de Deus/ nessa canoa furada/ remando contra a maré.” Esses versos de Rita Lee cantados por Marina Lima me vêm à cabeça neste momento da crise brasileira. Uma canoa furada remando contra a maré. Dois personagens centrais brigam pela imprensa. Dilma e Cunha estão numa gangorra. Se um deles parar de repente, o outro voa pelos ares.Dilma pensa na queda de Cunha, ele pensa na queda dela. Nenhum dos dois parece capaz de realizar esse feito. Para derrubar Dilma é preciso um processo conduzido por alguém que não esteja envolvido no escândalo. Para derrubar Cunha é preciso um tipo de pressão que seus oponentes não fazem.
Na queda de Renan Calheiros, lembro-me bem de que ele não conseguia presidir sessões do Congresso porque os opositores não deixavam. Não sei se isso é possível na atual e sinistra correlação de forças na Câmara. No fundo, seria mais uma paralisia num quadro de desalento e grandes dificuldades econômicas. Esse impasse político faz da retomada do crescimento, ainda que em novas bases, uma outra canoa furada. Com todos os personagens centrais, Renan incluído, tentando se equilibrar, falta energia para pensar no País.
O projeto de Joaquim Levy passa pela CPMF. Mais uma furada. O imposto não será aprovado no Congresso, mesmo se usarem parte dele comprando deputados. Ninguém vende o próprio pescoço num momento em que os eleitores estão atentos. Levy sempre poderá buscar outros meios, como a Cide, de combustíveis, por exemplo. Mas, derrotado com a CPMF, teria força para esse novo movimento? Além disso, há as repercussões inflacionárias.
O ajuste possível e necessário para avançar não tem chance de ser feito. O clima político é de salve-se quem puder. Se fossem personagens de House of Cards, a série de TV americana, até que seria divertido ver o desenrolar de seu destino.
Não canso de lembrar: eles estão aqui, entre nós. Já vamos encolher este ano e em 2016. O número de desempregados cresce e isso é um tema ofuscado pela briga lá em cima da pirâmide.
Outro tema que passa batido são os impactos econômicos do El Niño. As chuvas provocam grandes estragos no Sul e a seca em muitas partes do Brasil é intensa. Pode faltar água nas metrópoles do Sudeste. Com a seca vêm as queimadas. Os incêndios em áreas de conservação em Minas cresceram 77%. São 421 focos. O governo do Estado lançou um plano de emergência de R$ 8 milhões, mas os prejuízos são muito maiores e talvez o dinheiro seja curto. Se computamos os estragos das cheias, da seca e das queimadas, vamos nos dar conta de que estamos num ano de forte El Niño.
No Brasil é um El Niño abandonado. Não houve planejamento. Em Minas o procurador de meio ambiente, Mauro Fonseca Ellovitch, culpa a imprevisão do governo. Mas é um problema nacional. Quem vai cuidar do El Niño com tantas batalhas políticas pela frente?
O fogo comendo aqui embaixo e os malabaristas divertindo a plateia com seus saltos. O PT é o mais sofisticado deles. Resolveu se opor a Joaquim Levy.
Dilma arruinou o País e precisou de Levy para sanear as contas. De modo geral, isso ocorre em eleições, quando o perdedor deixa para trás uma terra arrasada. Mas o PT ganhou as eleições. Se tivesse perdido, ficaria mais confortável na oposição ao ajuste. Na ausência de um governo adversário, o PT coloca um adversário no governo. Sabendo que Levy propõe medidas duras e tende a fracassar, o PT estará com seu discurso em dia.
O movimento é mais sutil porque tenta atribuir todas as dificuldades do momento à política de Levy, mascarando o imenso rombo deixado pelo próprio governo. Duvido que Dilma e o PT não tenham combinado o clássico movimento morde e assopra. Tanto ela como o PT precisam de Levy: ela para acalmar os mercados e o partido para bater nele.
Outra figura polivalente para o PT é o próprio Eduardo Cunha. Derrubá-lo ou não derrubá-lo? É preciso um bom número de deputados do partido para assinar o pedido no Conselho de Ética. E um bom número para ficar calado, uma tática de não agressão. É preciso ser contra Cunha e trabalhar nos bastidores para mantê-lo. Enquanto encarnar a oposição no Parlamento, Cunha será apenas um roto falando do esfarrapado.
Em Estocolmo, Dilma alvejou Cunha, referindo-se ao escândalo: pena que seja com um brasileiro. É um pequeno malabarismo para reduzir o maior escândalo da História a um samba de um homem só. Ainda assim, os aliados acharam que foi um movimento de guerra. Talvez tenha sido inábil no quadro de um acordo de paz, em que ninguém derruba o outro.
Dilma foi à Suécia ganhar o Prêmio Nobel de inabilidade. Foi inspecionar os objetos mais caros que o Brasil comprará: os caças de US$ 4,5 bilhões. Nada contra a Aeronáutica nem contra os caças suecos. Vivemos na penúria perdendo empregos, lojas fechando, cortes de gastos. Recém-condenada pelo TCU por esconder um rombo no Orçamento, ela escolheu como gesto político reafirmar a compra dos caças. E nos deixou como consolo o corte de 10% no salário dos ministros.
Os tempos mudaram tão rapidamente que já não consigo entender a lógica das agendas presidenciais. Alguém deve ter dito: vamos dar uma resposta ao TCU posando diante dos caças suecos, isso levanta o ânimo da galera. Depois de pedalar, Dilma entra num caça. Recentemente, testou um carro sem piloto. Ela parece gostar de veículos, movimento. Amante da poesia mineira, corre o risco de parafrasear Drummond: no meio do caminho, havia um trator.
Para muitos, o processo ainda parece dar-se num universo distante e autônomo, como se fosse mesmo um programa de TV ao qual se pode assistir, mas não alterar o seu curso. Aos que não acreditam nisso, resta a esperança da ação, a certeza de que presidentes caem e sistemas políticos perversos como o brasileiro podem ser reformados.
Ainda que palhaços e malabaristas nos divirtam, será preciso botar fogo no circo.
Artigo publicado no Estadão em 23/10/2015
Eis aí o Brasil, mais de três anos antes do dia previsto para o tão esperado encerramento do segundo mandato da presidente Dilma Rousseff, empenhado num vigoroso sprint ladeira abaixo. A corrida já começou faz tempo, como todo mundo sabe, e ainda tem muito chão pela frente até a linha da chegada, mas provavelmente está num dos seus melhores momentos ─ ganhou aquele impulso natural e crescente que a força da gravidade, esta velha conhecida de todos nós, impõe às coisas que estão caindo. Se subiu tem de descer, anotava Raul Seixas em suas observações gerais sobre o funcionamento da vida, e é isso, precisamente, o que está acontecendo neste 2015 que entra em sua reta final.
No comitê de campanha de Maurício Macri, sabor de vitória. À esquerda Macri ergue os braços comemorando o segundo turno. |
Os números apontam para o segundo turno. Clique sobre a imagem para vê-la ampliada. |