Transporte de presos federais pagaria salário de 2 mil PMs do Rio
No dia 14 de maio, o traficante Antônio Francisco Bonfim Lopes, o Nem da Rocinha, se definiu como "supervisor de entregas" na única pergunta respondida em audiência realizada no Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro. Para ficar em silêncio na maior parte do tempo, Nem teve de ser transportado de avião de Mato Grosso do Sul - onde está preso - sob um forte esquema de segurança. Só em 2011, o País gastou $ 4,1 milhões com 436 transferências de presos que estão nos quatro presídios federais em funcionamento, segundo números do Departamento Penitenciário Nacional (Depen).
O valor poderia pagar o salário base, reajustado, de 2.040 policiais militares do Estado do Rio de Janeiro. Os policiais militares do Rio realizaram uma greve de três dias em fevereiro deste ano, quando recebiam salário base de R$ 1.450, o terceiro pior do País. Após as negociações, o valor subiu para R$ 2.019. O valor gasto com as transferências no ano passado também seria o suficiente para comprar 1.366 carabinas ponto 30, com base no montante pago pelo governo do Estado, em janeiro do ano passado.
Até o dia 23 de maio deste ano, esse tipo de transporte custou R$ 2 milhões aos cofres públicos, montante que inclui passagens para os detentos e agentes penitenciários federais, além do pagamento de diárias para os servidores. Ao menos três dessas transferências foram realizadas com Nem, apontado como chefe do tráfico de drogas na favela da Rocinha. Ele responde a 11 processos por crimes de tráfico de drogas, associação e produção para o tráfico, tráfico internacional, sequestro e cárcere privado, entre outros. Questionado sobre o valor gasto apenas com Nem, o Ministério da Justiça não havia respondido à solicitação até a noite de sexta-feira.
É um direito do preso participar das audiências judiciais nos processos em que é réu, por isso é obrigação do Estado brasileiro fazer as transferências em casos como o de Nem. No entanto, a Justiça possui sistema de videoconferência judicial no qual são realizadas audiências à distância, sem a necessidade do deslocamento. Nem participou de ao menos uma dessas sessões, mas a juíza responsável pelo caso julgou que a presença do traficante no Rio era necessária e pediu a transferência. Segundo o Tribunal de Justiça do Rio, ainda não estão previstas novas transferências.
Durante as transferências, os presos são acompanhados por agentes penitenciários federais, que recebem diárias pelo serviço. De janeiro a 23 de maio deste ano, o Depen gastou R$ 993.594,18 com estes servidores. No entanto, o valor é um pouco menor que o R$ 1,2 milhão gasto entre janeiro e maio do ano passado. Nas informações disponíveis nos sites de transparência do Poder Público, não fica claro se está incluído na conta os valores pagos aos policiais federais responsáveis por realizar o translado do preso do aeroporto para o local do julgamento.
O chefe do tráfico da favela da Rocinha, Antônio Francisco Bonfim Lopes, o Nem, foi preso pelo Batalhão de Choque da Polícia Militar no início da madrugada de 10 de novembro. Um dos líderes mais importantes da facção criminosa Amigos dos Amigos (ADA), ele estava escondido no porta-malas de um carro parado em uma blitz por estar com a suspensão baixa, em uma das saídas da maior favela da América Latina -, que havia sido cercada por policiais na noite do dia 8 de novembro.
Desde o dia anterior, a polícia já investigava denúncias de um possível plano para retirar o traficante da Rocinha. Além de Nem, três homens estavam no carro. Um se identificou como cônsul do Congo, o outro como funcionário do cônsul, e um terceiro como advogado - a embaixada da República do Congo, entretanto, informou não ter consulados no Rio. Os PMs pediram para revistar o carro, mas o trio se negou, alegando imunidade diplomática. Os agentes decidiram, então, escoltar o veículo até a sede da Polícia Federal. No caminho, porém, os ocupantes pediram para parar o carro e ofereceram R$ 1 milhão para serem liberados. Neste momento, os PMs abriram o porta-malas e encontraram Nem, que se escondia com R$ 59,9 mil e 50,5 mil euros em dinheiro.
Nem estava no comando do tráfico da Rocinha e do Vidigal, em São Conrado, junto de João Rafael da Silva, o Joca, desde outubro de 2005, quando substituiu o traficante Bem-te-vi, que foi morto. Com 35 anos, dez de crime e cinco como o chefe das bocas de fumo mais rentáveis da cidade, ele tinha nove mandados de prisão por tráfico de drogas, homicídio e lavagem de dinheiro. Nem possuía um arsenal de pelo menos 150 fuzis, adquiridos por meio da venda de maconha, cocaína e ecstasy, sendo a última a única droga consumida por ele. Com isso, movimentaria cerca de R$ 3 milhões por mês, graças à existência de refinarias de cocaína dentro da favela.
O fim do domínio de Nem na Rocinha foi o último obstáculo à entrada das forças de segurança na favela para a instalação de uma Unidade de Polícia Pacificadora (UPP). Na madrugada do dia 13 de novembro, agentes das polícias Civil, Militar e Federal, além de homens das Forças Armadas, iniciaram a ocupação do local escoltados por um forte aparato. No entanto, os traficantes já haviam deixado a comunidade, e a operação foi concluída sem qualquer confronto.
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