Rússia: a vida nababesca — quer dizer, “putinesca” — do tirano Vladimir Putin
Publicado por Tatiana Gianini em edição impressa de VEJA de está nas bancas
UMA VIDA PUTINESCA
Como o presidente russo colocou à sua disposição mais palácios pagos pelos contribuintes do que a realeza britânica, entre outras mordomias
A opulência dos nababos, o equivalente muçulmano dos marajás da Índia no século XVI, deu origem à expressão nababesca, sinônimo de ostentoso, luxuoso.
O estilo de vida de Vladimir Putin, que com três mandatos presidenciais e dois de primeiro-ministro está há treze anos à frente do poder na Rússia, é tão espetacular e custoso que faz por merecer um adjetivo próprio: putinesco.
Segundo um levantamento concluído no mês passado por dois respeitados políticos de oposição, Boris Nemtsov e Leonid Martynyuk, Putin tem à sua disposição vinte palácios e mansões, 58 aviões e helicópteros e quatro barcos. Um porta-voz do governo russo informou que todos os bens pertencem ao estado e que o presidente tem o direito de utilizá-los.
Seria uma boa explicação, não fossem dois fatos complicadores. O primeiro é que, com exceção da Coreia do Norte e talvez de uma ou outra monarquia árabe, não há país no mundo em que o chefe de estado tenha o usufruto exclusivo de uma infraestrutura tão grande e cara.
O presidente americano, por exemplo, tem à sua disposição duas residências oficiais e o italiano, três. No Brasil também são duas, o Palácio da Alvorada e a Granja do Torto. Toda a família real inglesa, com seus príncipes, duques e condessas, dispõe de apenas oito casas ou palácios mantidos pelo estado.
O segundo motivo para suspeitar da justificativa de que as mordomias de Putin são legais é o fato de que o governo não presta conta dos gastos necessários para mantê-las. A falta de transparência é tal que a construção de um dos palácios, situado no litoral do Mar Negro, foi mantida em segredo até agora.
Uma imitação de Versalhes que vale 1 bilhão de dólares
Avaliada em 1 bilhão de dólares, com área total de 740 000 metros quadrados, uma vinícola e um cassino próprios, a imitação kitsch do Palácio de Versalhes é chamada pelos russos de “mansão do Putin”, na falta de um nome oficial. A obra nunca esteve no orçamento nacional e teria sido bancada com uma espécie de dízimo que as grandes empresas do país pagam a Putin, segundo denúncia feita em 2010 por um ex-executivo de uma das companhias envolvidas.
O governo também não deixa claro qual é a função ou o custo para os cofres públicos das nove propriedades incorporadas durante a administração Putin à lista de moradias presidenciais. Uma exceção é o Palácio de Constantino, em São Petersburgo, que pertenceu a czares e, após uma reforma, passou a receber visitações turísticas e eventos oficiais.
Nemtsov, um dos autores do relatório sobre os bens presidenciais, disse a VEJA que começou a fazer o levantamento depois de ter percebido, em fotos de jornal, que Putin troca de relógio de luxo como quem troca de meia. “Na Rússia, o relógio é um dos maiores símbolos de status masculino. Trata-se de uma herança dos tempos soviéticos, quando esse acessório era o único que a elite nacional podia ostentar”, diz Nemtsov, que reuniu fotos de Putin usando onze relógios diferentes.
O mais caro deles, um Tourbograph “Pour le Mérite”, da marca alemã A. Lange & Söhne, custa meio milhão de dólares. Seria necessário economizar o salário de um mandato presidencial inteiro e mais um pouco para comprá-lo.
Pode ter sido um presente? Sim, mas não seria ético. Em democracias sérias, os agrados aos presidentes não podem ultrapassar um valor predeterminado, em geral pequeno, para não ser confundidos com propina.
O patrimônio pessoal declarado de Putin consiste em um automóvel Lada ano 2009, dois apartamentos, um terreno nos subúrbios de Moscou e o equivalente a 180 000 dólares em aplicações em banco. Mas a oposição diz que ele amealhou uma fortuna de 40 bilhões de dólares, o que o tornaria o quinto homem mais rico do mundo. Um feito e tanto para um ex-espião da KGB que desde a queda da União Soviética só ocupou cargos públicos.
Putin, dizem seus adversários, controla por meio de laranjas 4,5% das ações da Gazprom, 37% da Surgutneftegas e 75% da Gunvor, gigantescas empresas do setor de petróleo e gás natural, os principais produtos de exportação da Rússia. Se isso for provado, a vida putinesca que o presidente russo leva deixará de ser apenas cortesia temporária dos contribuintes.
Nenhum comentário:
Postar um comentário