O Chile e a armadilha dos países de renda média
A armadilha na qual o Chile pode estar caindo é a de querer replicar um Estado de bem-estar ao estilo europeu em um país que ainda não é rico
Por muitos anos os economistas estudaram se existe uma “armadilha dos países de renda média” que explicaria por que algumas nações parecem ficar a meio caminho entre a pobreza e a prosperidade. A análise é pertinente considerando que na América Latina temos um país que, estando às vésperas do desenvolvimento, parece começar a renegar o próprio êxito.
Segundo a teoria, os países de renda média podem ver-se enredados no subdesenvolvimento ao não poder competir com as nações mais pobres em abundância de mão de obra barata nem com as mais ricas em desenvolvimento tecnológico. A ausência dessas vantagens competitivas explicaria por que as nações parecem experimentar uma queda em suas taxas de crescimento econômico quando a renda per capita nacional se encontra entre os US$ 11.000 e US$ 16.000, aproximadamente (medido em paridade de poder aquisitivo, PPA).
No entanto, como afirmara a revista The Economist em um artigo esclarecedor há um ano, a evidência empírica não parece sustentar tal tese. Embora um país possa sofrer uma desaceleração em seu ritmo de crescimento à medida que se aproxima de nações desenvolvidas, em nenhum sentido isso implica um estancamento econômico. Isso parece explicar o caso do país mais avançado da América Latina.
Com US$ 19.067 (PPA) em 2013, o Chile tem a renda per capita mais alta da América Latina. Seu êxito econômico foi acompanhado de grandes avanços sociais e institucionais: a CEPAL indica que conta com o desempenho mais impressionante em redução do nível de pobreza nos últimos 20 anos na região (de 45% em 1990 para 11% em 2011). O Chile está na frente na América Latina em desenvolvimento humano, segundo as Nações Unidas. E o World Justice Project o situa como o país com as instituições democráticas mais fortes da região – um fato destacável, pois foi a última nação da América do Sul a abandonar a ditadura militar.
O Chile alcançou o status de país de renda média em 2003. Nos 10 anos anteriores a esse marco histórico teve uma taxa média de crescimento anual de 4,6% enquanto na década seguinte a média foi de 4,7% ao ano. Não houve desaceleração. Ao contrário, segundo projeções do Fundo Monetário Internacional, para 2008 o país andino superaria o limite de US$23.000 que qualifica uma nação como “desenvolvida”.
O contínuo êxito econômico chileno se assenta em sua decidida aposta em um modelo de livre mercado. Em 1975 essa nação tinha a economia mais fechada da América Latina, de acordo com a medição dos países pelo índice de Liberdade Econômica no Mundo, publicado anualmente pelo Fraser Institute. Depois de anos de profundas reformas estruturais durante o regime de Augusto Pinochet, que posteriormente foram consolidadas e até ampliadas pelos governos democráticos de centro-esquerda, o Chile conta hoje com a economia mais aberta e moderna da região.
No entanto, o Chile bem poderia estar sofrendo de outro tipo de armadilha do desenvolvimento. A chegada ao poder de um novo governo de esquerda ocorre depois de vários anos de descontentamento social e de protestos, principalmente estudantis, que, no fundo, exigem acabar com o modelo econômico que deu origem a tanto progresso. O historiador chileno Mauricio Rojas descreve a ironia como “o mal-estar do sucesso”: uma classe média frustrada não por suas carências materiais, mas por aspirações desproporcionais de desenvolvimento. Esse inconformismo, que provocou uma radicalização da outrora pragmática esquerda chilena, se traduziu em maiores demandas redistribuitivas.
As primeiras medidas anunciadas pela presidenta Michelle Bachelet indicam que seu governo efetivamente procurará maior intervenção do Estado na economia, iniciando com uma reforma no sistema de impostos que pretende elevar a carga tributária em três pontos porcentuais do PIB. A isso se somam promessas de educação superior gratuita e subsídios a medicamentos.
A armadilha na qual o Chile poderia estar caindo é a de querer reproduzir um Estado de bem-estar social à europeia em um país que ainda não é rico. Não foi mediante altos impostos e um elevado gasto público que a Europa conseguiu o desenvolvimento. Ao contrário, como demonstra o atrofiado desempenho econômico do Velho Continente nos últimos 15 anos, até economias industrializadas como as europeias podem cair sob o peso de onerosas estruturas estatais.
Desse modo, pelo menos no caso particular do Chile, a verdadeira armadilha do desenvolvimento não se assentaria na ausência de vantagens competitivas vis-à-vis outras nações, mas sim nas expectativas desmesuradas de uma classe média que se sentiu rica antes do tempo. É muito cedo ainda para determinar se o Chile verá seu caminho em direção à prosperidade descarrilar, mas certamente sua experiência nos próximos anos servirá de lição para o restante da América Latina.
Juan Carlos Hidalgo é analista de políticas públicas sobre a América Latina no Centro para a Liberdade e Prosperidade Global do Cato Institute em Washington, D
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