Cartas de Londres: Not bad
É da natureza humana ser autoindulgente, discursar sobre o quanto está sofrendo, que se sente injustiçado. Deixar claro, na forma de um lamento ou de um grito enfurecido, que o que recebeu é de má qualidade ou insuficiente, ou mesmo que o que esperava chegou atrasado.
É só observar uma criança pequena e perceber que a insatisfação está entranhada no nosso ser. Se você der alimento e um lugar quente para um bichinho, ele provavelmente vai estar bem, mas isso não vale para pessoas. Em outras palavras, o “mimimi” é comum e até esperado no nosso dia a dia.
Da mesma forma, o ser humano é famoso por se gabar pelo o que lhe acontece de bom.
Das pequenas vitórias cotidianas (quase perder o ônibus mas conseguir embarcar no último minuto, elogios ao seu novo visual) à promoção no trabalho ou compra de uma casa ou carro, é comum que esfreguemos isso na cara de amigos e conhecidos, que por sua vez também irão precisar da gente na hora de detalhar suas conquistas.
Tudo isso não vale para os ingleses, que provavelmente também sentem lá no fundo aquela necessidade imensa de reclamar da vida ou de contar vantagem, mas que a reprimem bem reprimida e que a substituem pelo chamado “understatement”, conceito que você passa a conhecer intimamente quando vem morar aqui.
Funciona assim.
Você vai almoçar com um amigo. Pede um prato que te parece bom mas que quando chega na mesa é a pior experiência culinária que você já teve. Em vez de amaldiçoar o chef ou falar minutos sobre como aquele lugar decaiu, em vez de reclamar com o garçom e depois pedir para ele chamar o gerente, você simplesmente comenta: “É, não seria minha primeira escolha”.
Ou você vai viajar. E se depara com a paisagem dos seus sonhos, aquela que você economizou meses e meses para poder ver, e ela é melhor ainda do que nas fotos e vídeos. Em vez de comentar que está sem fôlego, em êxtase, que nunca imaginou que aquela experiência fosse possível, que é sortudo por ter estado ali...
...você diz: “Ok”.
Ou, como diriam os ingleses nessa situação, com uma expressão indecifrável, “not bad”.
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