CAPÍTULO 1
OS ALUNOS E SEUS PAIS
A história de Sun Juntao, de 16 anos, é uma entre milhões do fabuloso arsenal de educação em massa que une escolas, alunos e pais na China
Encontrei Sun Juntao, 16 anos, às 7h30 da manhã perto do ponto de ônibus onde desembarcava, em uma das tantas largas e movimentadas avenidas de Xangai, a maior metrópole chinesa. A caminho de sua primeira aula do dia, de matemática, Juntao estava paramentado com roupas de marcas esportivas, ostentava um ralo bigodinho do qual provavelmente se arrependerá no futuro e falava com aquela mistura de entusiasmo, ingenuidade, determinação e timidez próprios da adolescência. O extraordinário na cena era o fato de ser domingo e Juntao estar indo para uma escola particular, onde receberia aulas de reforço. Mais tarde lá estava ele, com mais vinte alunos sentados em duas fileiras de mesas retangulares, separadas por um corredor. A sala não tinha ar-condicionado, monitor de televisão, microfone ou outro aparato tecnológico: só mesas, cadeiras e uma lousa. A aula era ministrada por um professor jovem, de 27 anos. Foi uma das aulas mais pesadas a que já assisti: sem fazer nenhuma concessão ao fato de ser um domingo de manhã, freneticamente o professor resolveu problemas de geometria por quase duas horas, sem intervalo, sem fazer muitas perguntas aos alunos nem esboçar algum sinal de senso de humor ou apelar para a espetacularização das aulas dos cursinhos brasileiros. Ninguém reclamou, nem se mexeu muito, nem saiu para ir ao banheiro. Depois daquela aula, um intervalo de dez minutos e mais duas horas de aula de química. Assim são todos os fins de semana de Juntao. Assim são os fins de semana de milhões e milhões de adolescentes chineses que lutam para superar milhões de colegas e entrar em uma universidade de primeira linha.
A obsessão dos chineses pelo estudo é o primeiro dado para entender a notícia, divulgada no fim do ano passado, que abalou profundamente toda a compreensão da educação no mundo: Xangai, província chinesa, tinha tirado o primeiro lugar em todas as áreas aferidas (matemática, ciências e leitura) no mais importante e respeitado teste internacional de qualidade educacional, chamado Pisa. O teste, realizado a cada três anos pela OCDE (o clube dos países desenvolvidos), mede o conhecimento de jovens de 15 anos de idade. Começou a ser realizado no ano 2000 em 32 países (entre eles o Brasil, que ficou em último lugar) e, na edição de 2009, contou com 65 participantes (ficamos novamente na rabeira: entre a 53ª e a 57ª posições)
Os inventores da meritocracia
Na China imperial, os cargos na burocracia já eram preenchidos de acordo com os resultados de exames acadêmicos. Aqueles que obtinham as maiores pontuações eram guindados às carreiras mais prestigiosas. Até hoje é assim: um exame determina a escola que o aluno cursará. Ao final dela, outro exame, o Gao Kao, determina a universidade à qual terá acesso. A estudante Keija Yang passou por toda essa peneira para chegar à Universidade Tsinghua, uma das melhores do país. A meritocracia é um conceito arraigado na China. Ela é o caminho dos mais humildes para a ascensão social. É assim desde os tempos dos mandarins, a partir do ano 605
Esta reportagem da revista Veja talvez seja a melhor do ano em suas edições. Imagino que se fosse possível adaptar algumas das virtudes da educação chinesa ao ambiente escolar do brasileiro - e não a totalidade - ganharíamos muito em progresso de todos os sentidos: ético, profissional, cidadania, distribuição de conhecimento e de renda, de autoestima, etc... Melhor será ler a reportagem e discutir com parentes, amigos, colegas de trabalho, vizinhos, professores de seus filhos e considerar algumas faces do projeto chinês ao Plano de Educação do Brasil... Boa leitura!