Postagem em destaque

Uma crônica que tem perdão, indulto, desafio, crítica, poder...

terça-feira, 27 de fevereiro de 2018

"Big Brother Brasília" //João Pereira Coutinho

terça-feira, fevereiro 27, 2018

Big Brother Brasília

JOÃO PEREIRA COUTINHO

FOLHA DE SP - 27/02

Qualquer forma de política 'carismática' é um perigo brutal para a sobrevivência das democracias liberais

Luciano Huck para presidente? Ele diz que não. Acredito. Mas, se a decisão fosse outra, o Brasil estaria na vanguarda das democracias ocidentais —e Fernando Henrique Cardoso percebeu isso.

Anos atrás, na revista "Foreign Policy", FHC publicou um bom artigo sobre o futuro dos partidos políticos. "Futuro", vírgula: FHC não acreditava que houvesse futuro para os partidos. As tradicionais divisões ideológicas entre esquerda e direita já não tinham o mesmo significado —e a mesma militância.

E, além disso, a desilusão do eleitorado com o "establishment" faria emergir movimentos, grupos, "populistas" (termo meu, não de FHC) capazes de rivalizar com as estruturas decrépitas e assaz rígidas dos partidos. Fernando Henrique foi um visionário.

Claro: existe uma diferença entre mim e FHC. Para ele, essa nova realidade extrapartidária não parece ser um mal em si, sobretudo se os partidos não se souberem recriar para responder aos desafios do presente. O entusiasmo de FHC com Huck demonstra isso: o apresentador "areja", "põe em xeque os partidos", afirmou o ex-presidente.

Para mim, qualquer forma de política "carismática" representa sempre um perigo brutal para a sobrevivência das democracias liberais e das suas instituições. Mas admito que o "espírito do tempo" está mais próximo de FHC.
E mais próximo de Luciano Huck, já agora. Um exemplo: a revista "The Spectator" publicou um ensaio revelador sobre os possíveis candidatos democratas para as eleições norte-americanas de 2020. Não perco tempo com nomes menores. Prefiro avançar para os nomes maiores, que aliás surgem na capa da revista: Oprah Winfrey, Tom Hanks, George Clooney. O que têm os três em comum?

Sim, créditos progressistas imaculados. Mas o essencial não está na ideologia. Está na celebridade: os três são produtos da indústria de entretenimento. Exatamente como Donald Trump. A lógica é fulminante: se Donald Trump foi um produto midiático de sucesso, é preciso responder na mesma moeda.

Essa hipótese arrepia a minha costela platônica —e escrevo "platônica" no sentido próprio do tempo. Se existe uma ideia consensual na história da política moderna é a velha crença de que os melhores devem governar, como Platão defendia na sua "República".

Bem sei que a realidade nem sempre cumpre o ideal. Mas o ideal não existe para ser cumprido. Existe, quando muito, para que a realidade se aproxime dele.
Dito de outra forma: se a política é, ou deve ser, a mais nobre das artes, então espera-se de um governante algumas virtudes que exigem preparação e conhecimento.

Tudo isso está em causa nas "democracias midiáticas" em que vivemos. Não são os melhores que vencem; os melhores são aqueles que vendem. E vendem o quê? Uma imagem que corresponde às preferências voláteis e sentimentais dos consumidores.

Quando os democratas cogitam a hipótese de um George Clooney para a Casa Branca, ninguém perde um minuto para indagar as ideias do senhor. Ideias? Quais ideias? O que interessa é o sorriso, o olhar, o traje e dezenas de outras imbecilidades avulsas. As democracias midiáticas não querem políticos, mas estrelas pop.

E no futuro?

Não pretendo horrorizar ninguém. Mas imagino facilmente dois cenários.

O primeiro seria transformar os partidos políticos em organizações muito semelhantes às agências de modelos. Haveria o "estilista" ideológico --alguém responsável por um programa eleitoral mais ou menos clássico; e, depois, haveria o candidato-modelo para desfilar na "passerelle" dos comícios e dos debates.

O candidato-modelo seria apenas uma máscara, uma marionete do partido, com a única missão de apaixonar as massas. Uma vez eleito, ele continuaria o seu trabalho de fachada, deixando para os comuns mortais a mecânica burocrática do governo.

Outro caminho seria acabar com os partidos e, por exemplo, criar um show televisivo --um "Big Brother Brasília", digamos. Nesse caso, seriam as massas a escolher diretamente o presidente, depois de assistirem às suas proezas em sunga ou biquíni.

Hoje, olhamos para Donald Trump ou Oprah Winfrey como excentricidades. Dois nomes que representam o triunfo do entretenimento sobre a política.

Amanhã, quando o dilúvio chegar, ainda vamos olhar para trás e recordar Trump ou Oprah como os últimos grandes estadistas.

João Pereira Coutinho
É escritor português e doutor em ciência política.

Sergio Cabral 'ficou assustado' com devolução 300 milhões de reais ... O brasileiro também ficou

Na prisão, Sérgio Cabral ficou 'muito assustado' com devolução de R$ 300 milhões, diz delator

Carlos Miranda confirmou também que houve pagamentos de propina 

nas áreas da Saúde, Educação e Administração Penitenciária.


Por Gabriel Barreira, G1 Rio
 
Carlos Miranda também prestou depoimento ao juiz Marcelo Bretas no ano passado (Foto: Reprodução/TV Globo)Carlos Miranda também prestou depoimento ao juiz Marcelo Bretas no ano passado (Foto: Reprodução/TV Globo)
Carlos Miranda também prestou depoimento ao juiz Marcelo Bretas no ano passado (Foto: Reprodução/TV Globo)
O ex-governador do Rio de Janeiro Sérgio Cabral (PMDB) ficou "assustado" quando o Ministério Público Federal (MPF) determinou a devolução aos cofres públicos de cerca de R$ 300 milhões que haviam sido desviados pela organização criminosa por ele chefiada. Foi o que afirmou na tarde desta terça-feira (27) o delator Carlos Miranda durante depoimento ao juiz Marcelo Bretas pela Operação Eficiência.
Antes de ser transferido para uma prisão em Curitiba, Cabral chegou a ficar preso juntamente com Carlos Miranda, que admitiu ter sido operador financeiro do esquema do ex-governador, na Cadeia Pública de Benfica. Foi neste período, em que ambos estavam detidos juntos, que o MPF determinou a devolução do montante milionário. Cerca de 80% do valor, segundo afirmou o delator e os donos da conta, seriam de Cabral.
"Ele ficou muito assustado. Eu acredito que seja isso (não imaginou que ia tão longe). Acho que, em nenhum momento, (ele) realizou que a situação era tão séria", disse Miranda.
A pedido do magistrado, o operador também comentou sobre o seu sentimento naquele momento.
"É difícil definir. O que imaginei é que realmente não tinha para aonde correr. A partir do nome da investigação, Eficiência (o mesmo nome da conta de Cabral no exterior), na hora me veio o nome da conta. Percebi que a situação era a pior possível", admitiu.
Antes, o operador também detalhou como funcionava o esquema e confirmou pagamentos de propina nas áreas da Saúde, Educação e Administração Penitenciária.
"Eu participei da organização criminosa chefiada por Sérgio Cabral, que tinha (os ex-secretários) Wilson Carlos e Régis Fichtner como principais assessores, e (eu) desempanhava função de gerenciar fluxo financeiro dessa organização, fruto de propina de empresas que fechavam contratos com o Estado. Depois de feito o acordo (entre a empresa) pelo Cabral e, principalmente pelo Wilson Carlos, eu entrava em contato com a empresa para pegar o dinheiro que tinha sido combinado".
Segundo Miranda, depois disso, os doleiros enviavam as remessas das propinas para contas no exterior do ex-governador.
Segundo o MPF, R$ 300 milhões ligados ao esquema criminoso do qual participava Cabral foram apreendidos - 250 já foram devolvidos e outros 50 estão à espera de entraves burocráticos para serem devolvidos.
A defesa do ex-governador afirmou que os valores atribuídos a Sérgio Cabral pelos delatores, na verdade, pertenceriam a outros clientes dos doleiros. Cabral nega que tenha recebido propina.

segunda-feira, 26 de fevereiro de 2018

"... narcisista é alguém que se acha" / Luiz Felipe Pondé

segunda-feira, fevereiro 26, 2018

Demência narcísica  

LUIZ FELIPE PONDÉ

FOLHA DE SP - 26/02
Imagem relacionada

No nível radical da doença, ela se revela como uma forma autoimune de demência irreversível

Não é só a febre amarela que está pondo em risco a saúde pública. Há uma outra epidemia em curso que ainda não invadiu a mídia: o narcisismo dos bons.
O fenômeno atingiu níveis epidêmicos. E os órgãos competentes não detectaram ainda os indícios desse quadro clínico. Talvez uma das razões seja que muitos desses órgãos competentes são grandes áreas de risco de contágio.

No passado, as áreas de risco eram mais localizadas dentro de instituições religiosas (não que estas tenham deixado de sê-lo).

Você está tendo dificuldade de entender o que vem a ser essa patologia designada "narcisismo dos bons"? Vou te ajudar.

Antes de tudo, a designação "narcisismo" tem credenciais sofisticadas, mas fiquemos com o seu sentido mais comum: narcisista é alguém que "se acha". Clinicamente, o narcisista é um miserável de autoestima que finge se achar o máximo pra combater justamente a sua miséria interior. Nesse movimento de negação, ele acaba por criar uma persona que tende a supervalorizar a si mesmo. Daí o apaixonar-se pela própria imagem refletida na água.
O narcisismo dos bons é uma patologia moral.

A sintomatologia associada ao quadro não tem apenas efeitos individuais privados.

Se assim fosse, talvez seu dano em níveis epidêmicos fosse apenas para as vidas de seus doentes e pessoas mais próximas. Como uma peste que ficasse localizada num ambiente de quarentena.

Não. O narcisismo dos bons se caracteriza por ser uma peste pública. Seu modo de contágio, já identificado razoavelmente, se dá, justamente, pela contaminação em larga escala da população por meio de instituições de caráter social e político, quando não educativo.

As redes são uma cultura de bactérias poderosa para a reprodução do vírus. A mídia clássica, há muito tempo, já era uma área de risco. Os jornalistas carregam todos os sintomas da patologia há décadas.

A sociedade está, completamente, à mercê dessa epidemia porque, normalmente, quem deveria combatê-la tem, exatamente, a condição do mosquito transmissor. Mas vamos a dados mais objetivos do quadro.
Se você tem certeza de que representa o lado do bem no mundo, é quase certeza de que está contaminado. Se você tem certeza de que seu filho também representa, o risco aumentou muito. Se você tem certeza de que seu cachorro também representa, você está além de qualquer possibilidade de cura. Se você acha que sua bike também representa, não tenho palavras pra expressar minha misericórdia. Se você acha que o restaurante que frequenta é um templo, não sei o que dizer.

Sinto muito por você, seu filho, seu cachorro, sua bike e o restaurante que frequenta.

Melhor procurar ajuda profissional. Cuidado: sua terapeuta pode estar, ela mesma, contaminada.

O fato de haver tantos dramas no mundo que precisam de solução é uma das causas etiológicas da epidemia: a facilidade do contágio está no fato de que muita gente que se acha do bem acaba por conviver. Os efeitos são evidentes. As câmaras de eco dos bons carregam muitos vírus dessa patologia. O mundo da educação, da arte e da cultura são grandes áreas de risco.
O mundo da educação, coitado, luta para manter sua relevância enquanto agente de pensamento, quando, na verdade, está sucumbindo à competição mais violenta ou às modas mais fajutas, sejam elas vindas de setores "naturalistas" da sociedade, sejam elas vindas de setores "algorítmicos" do mundo dos negócios, sejam elas vindas de setores do mundo corporativo que tomou a dianteira na reflexão sobre o futuro por meio de "consultores de futuro".

Já o mundo da arte e da cultura é um caso especialmente interessante. Talvez seja uma das áreas de maior risco entre todas.

O número de pessoas "legais" nesse mundo é infinito. Pessoas "legais" são contaminadas ou "carriers", com certeza, do agente transmissor.
Se um dia você voltar pra casa de uma festa qualquer e tiver certeza de que todo mundo ali representa o bem, o quadro autoimune estará já instalado. No nível mais radical da doença, ela se revela como patologia autoimune que se manifesta como uma forma de demência irreversível.

"OLHOS PARA VER OU PARA CHORAR?"

OLHOS PARA VER OU PARA CHORAR?
Ricardo Bergamini
“Quem não usar os olhos para ver, terá que usá-los para chorar!” (Foerster).

Hoje é dia de divulgação da dívida da União base janeiro de 2018 e, como sempre, a imprensa omite o estoque da dívida em poder do Banco Central no montante de R$ 1.670,3 bilhões (25,28% do PIB), sendo essa a parte mais importante da dívida, visto que nada mais é do que uma “pedalada oficial” (aumento disfarçado de base monetária, ou emissão de dinheiro falso) que não existiria se o Banco Central fosse independente. Vejam que essa orgia saiu de 17,86% do PIB em 2010 para 25,28% do PIB em janeiro de 2018. Crescimento real em relação ao PIB de 41,15%. Uma imoralidade sem precedentes.

Em 2010 o estoque correto da dívida líquida da União (interna mais líquida externa) era de R$ 2.388,0 bilhões (61,46 do PIB). Em janeiro de 2018 era de R$ 5.198,6 bilhões (78,68% do PIB). Crescimento real em relação ao PIB de 28,02%.

"Uma trégua à hipocrisia, por favor " / Percival Puggina

UMA TRÉGUA À HIPOCRISIA, POR FAVOR!


por Percival Puggina. Artigo publicado em 

Existem correntes políticas e jurídicas sem qualquer entusiasmo para combater a criminalidade. Precisam dela para “justificação” de malsucedidas teses sócio-políticas e econômicas. Parte importante de sua tarefa, aliás, consiste em convencer as pessoas de que a criminalidade é subproduto da desigualdade social. E sabem que quem acreditar nisso estará assumindo, também, que basta implantar o socialismo para a harmonia e a paz reinarem entre os homens. Sim, sim, claro...
Num dos primeiros atos da intervenção das Forças Armadas no Rio de Janeiro, moradores da vila Kennedy, Vila Aliança e Coreia foram objeto de abordagem de rua com identificação para verificação de antecedentes criminais. A operação começou bem cedo, na manhã do dia 23 de fevereiro. Mais de três mil soldados retiraram barricadas instaladas pelos criminosos e passaram a fazer a identificação dos transeuntes. Enquanto isso, solicitavam aos moradores, por alto-falantes, que colaborassem com a operação denunciando traficantes.
Os defensores de direitos humanos, membros da defensoria pública e representantes da OAB-RJ logo se apresentaram para reprovar o que designavam como criminalização da pobreza e grave violação de garantias constitucionais. O Comando Militar do Leste discordou: “Trata-se de um procedimento feito regularmente, legal, cuja finalidade é acelerar a checagem nos bancos de dados da Segurança Pública”. Ademais, o tipo de operação está previsto no Decreto de Garantia da Lei e da Ordem (GLO) assinado por Temer em 28 de julho de 2017.
Comprova-se o que afirmei no primeiro parágrafo acima. De um lado, os traficantes, os barões do crime, os comandantes das facções se escondem nas favelas valendo-se da proteção que tais conglomerados proporcionam. De outro, entidades e instituições com orientação esquerdista, ou autorrotuladas como defensoras de direitos humanos, buscam inviabilizar a ação policial onde necessária e urgente. Mesmo uma simples identificação é apontada como perturbadora e ofensiva à dignidade daquelas populações. Na próxima vez que me pararem no trânsito devo convocar a OAB e a Defensoria Pública?
Pergunto: onde se escondem essas instituições e as tais comissões de “direitos humanos e cidadania” quando armas de guerra ceifam vidas inocentes nessas mesmas comunidades? Entre tiroteios, balas perdidas e rajadas de metralhadora, e uma simples identificação de rua, qual deve ser a escolha de uma mente sadia? Ora, senhores! Trégua ao cinismo e à hipocrisia, por favor! Querem prender criminosos mediante intimação por edital, carta registrada, telefone?
Só uma profunda desonestidade intelectual pode justificar o argumento de que operação desse tipo não aconteceria no Leblon. Bandidos devem ser buscados onde habitualmente se escondem. A decisão de realizar operações cá ou lá não é tomada por preconceito, mas por estatística.
Nota do autor: Aos 60 anos da revolução cubana, estou ultimando uma nova edição ampliada e atualizada de “Cuba, a tragédia da utopia”. Ela estará disponível nos próximos meses.

______________________________
* Percival Puggina (73), membro da Academia Rio-Grandense de Letras, é arquiteto, empresário e escritor e titular do site www.puggina.org, colunista de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A tomada do Brasil. Integrante do grupo Pensar+.

"Matadouros de seres humanos " ?

Nações Unidas denunciam "matadouros de seres humanos" https://www.dn.pt/mundo/interior/nacoes-unidas-denunciam-matadouros-de-seres-humanos-9144898.html

Notícias do dia 26/02

https://g1.globo.com/agenda-do-dia/noticia/segunda-feira-26-de-fevereiro.ghtml

domingo, 25 de fevereiro de 2018

"As minúcais" // Martha Medeiros

domingo, fevereiro 25, 2018

As minúcias 

Quadro decorativo Persistência da Memória de Dali MARTHA MEDEIROS

ZERO HORA -RS - 25/02

Todos sabem: chato é aquele que, ao ser perguntado se está tudo bem, não consegue responder simplesmente que está. Ele acha que a pergunta foi pra valer, então ele discorre sobre tudo o que tem passado e sobre como anda sem esperança na humanidade. Como avisá-lo, sem que ele se sinta ainda mais deprimido, que foi apenas um cumprimento e 

Minúcias a gente guarda para o nosso advogado. Ele certamente vai precisar delas para nos inocentar.
nada mais?
Minúcias podem ser reservadas também para a família, já que nossos pais e filhos adoram saber o que já aprontamos, aqueles segredos que só podemos contar depois que o crime prescreveu e tudo vira piada.

Por fim, minúcias são bem-vindas em livros, na defesa de teses e em consultas médicas. Em nenhuma outra situação que eu me lembre. Nem mesmo (e principalmente) em conversa ao pé do ouvido com seu amor. Não quebre o clima levando a conversa para muito longe de onde vocês estão.

Ao telefone, evite. Seu neto se machucou na escola? Tadinho. Pule rápido para a parte em que ele se recuperou e ficou tudo bem. Adote a presteza do WhatsApp. O quê? Você discursa pelo WhatsApp? Chegou de que planeta?

Minúcias em festas, nem pensar. Alugar um convidado com uma história comprida é uma inconveniência. As pessoas querem circular, dançar, e não saber detalhes da sua operação no joelho. Você não operou o joelho? Sério, acabou de fazer o caminho de Santiago de Compostela? Ótimo, condense a odisseia em seis minutos. Sete, se foi tão fantástico assim. E troque para outro assunto, a não ser que seu ouvinte pegue você pelo braço, leve-o até um canto e implore pelos pormenores.

Quando estamos falando sobre nós mesmos, é quase incontrolável fazer uma retrospectiva detalhada das nossas experiências, mas lembre-se que a maioria das pessoas prefere o compacto dos melhores momentos. É mais que suficiente.

Entendi, você não está falando sobre si mesmo, e sim sobre seu primo que foi casado com não-sei-quem, que ele conheceu numas férias não-sei-onde. Você está falando do seu professor de matemática da quarta série que tinha propensão a ter acne. Você está falando da sua tia-avó falecida que fazia ótimos bolinhos de chuva. Você está falando de pessoas que não tivemos a honra de conhecer - e falando por horas, sem que a história empolgue. Não se magoe, mas tente lembrar se você não teve um primo que ficou preso no elevador com a Madonna, uma tia-avó que traficava maconha dentro dos bolinhos de chuva, um professor que foi preso político. Se não teve, invente.
Conversar é uma delícia: trocar confidências, falar de sentimentos, opinar sobre o mundo, dar dicas culturais, narrar aventuras, contar episódios divertidos - a tarde inteira, a noite inteira. Mas se o assunto for de uma banalidade extrema, não especifique demais. A gente ama você, mas ninguém está com tanto tempo sobrando.

sábado, 24 de fevereiro de 2018

"Corrupção policial viabiliza tráfico de armas e é central na crise..." / BBC

Corrupção policial viabiliza tráfico de armas e é central na crise, diz procurador que investiga  escalada da violência no Rio

Exército policiando o RioDireito de imagemEPA
Image captionPara procurador, Exército nas ruas não resolve a dramática situação do Rio
Semanas depois de assumir a chefia da Procuradoria-Geral da República (PGR), no fim do ano passado, Raquel Dodge decidiu que era preciso investigar as causas do aumento da violência no Estado e na cidade do Rio de Janeiro.
Para isso, ela reuniu um grupo de cinco procuradores e lhes deu a missão de investigar a atuação das organizações criminosas que atuam no Estado, como o Comando Vermelho (CV) e os Amigos dos Amigos (ADA), e também as forças de segurança locais - o porquê de elas estarem falhando no enfrentamento.
O procurador José Maria Panoeiro, de 47 anos, foi um dos escolhidos por Dodge para a empreitada. Em conversa com a BBC Brasil, ele é enfático: não há como explicar as cenas cotidianas de traficantes armados com fuzis nas favelas cariocas sem citar o grave problema de corrupção nas forças de segurança.
Panoeiro evita generalizações, mas diz que são frequentes as operações para apreender armas que não dão em nada graças ao vazamento de informações, e cita o caso de um inspetor de polícia que se dá ao luxo de alugar um jatinho privado para uma viagem de fim de semana.
Um dos objetivos do grupo criado por Dodge, diz ele, é descobrir o porquê de a Polícia Federal não estar sendo efetiva na investigação do tráfico de armas no Rio. O procurador não comentou os resultados colhidos até agora pela investigação, que é confidencial.
Procurador da República no Rio de Janeiro José Maria Panoeiro
Image captionJosé Maria Panoeiro faz parte de grupo criado na PGR em 2017 para investigar violência no Rio | Foto: Luis Macedo/Ag. Câmara
Na última sexta-feira, o governo decretou uma intervenção federal na área de segurança do Rio de Janeiro, cujo comando está sob responsabilidade do comandante militar do Leste, o general Walter Souza Braga Netto. Ela está programada para durar até o dia 31 de dezembro deste ano.
Para o procurador, os nove meses de atuação militar dificilmente resolverão o problema, "salvo se acontecer um milagre". Além do combate à corrupção policial, ele diz que uma solução mais definitiva passaria também pela urbanização das áreas de favela. Sem isso, afirma, é muito difícil que o Estado consiga oferecer segurança aos moradores.
Há 14 anos no Ministério Público Federal, Panoeiro já trabalhou em várias áreas. O caso mais famoso tocado por ele foi a investigação contra o ex-bilionário Eike Batista, ainda em 2015. Em 2016, coordenou um grupo de trabalho antiterrorismo da Procuradoria do Rio, durante as Olimpíadas. Antes de se tornar procurador da República, ele exerceu os cargos de promotor de Justiça e de delegado da Polícia Civil carioca.
Leia a seguir os principais trechos da entrevista:
BBC Brasil - Qual é o pano de fundo da violência no Estado?
José Maria Panoeiro - Me parece ser (entre outras causas) um problema direto de corrupção policial. Sem querer generalizar, mas há uma série de atividades onde aparecem agentes do Estado dando cobertura a criminosos, recebendo remuneração de criminosos.
E isso fica patente em algumas operações que você tem, com as Forças Armadas cercando determinados territórios, com informes sobre a existência de fuzis, e no final das contas a apreensão (de armas) é ínfima, beira o ridículo, ou não há nenhuma apreensão. O que significa que houve vazamento de informação. E vazamento da parte de quem? Só pode ser da parte de agentes do Estado.
Então, esse é um aspecto que é fundamental. Não tem como acreditar que esta quantidade de armas chega ao Rio sem que haja um mínimo de conivência de agentes do Estado que trabalham na área de segurança.
A Polícia Rodoviária Federal (PRF) começou a fazer bloqueios nas rodovias e começou a apreender fuzis e munição em sequência. (...) Se a PRF começa a encontrar fuzil, por que não eram encontrados antes? Porque estava havendo algum tipo de acerto que nós não conseguimos ver, mas provavelmente havia algum tipo de acerto corrupto por trás disso.
Militares armados em missão no Rio de JaneiroDireito de imagemEPA
Image captionIntervenção federal na segurança do Rio está programada para durar até o fim do ano
BBC Brasil - O que vocês investigam nesse Grupo Estratégico do Ministério Público Federal?
Panoeiro - O grupo foi criado (em outubro passado, pela procuradora-geral Raquel Dodge) para tentar fazer um diagnóstico de quais são os problemas, e (explicar) por que é que o quadro chegou neste ponto. Entender por que é que quase não há investigação de tráfico de armas, na Polícia Federal. Por que é que esses canais de investigação estão falhando.
Será que eles não estão produzindo um tipo de informação que é inútil?
Do tipo: eu prendo um sujeito com vários fuzis na (Via) Dutra e simplesmente comunico isso para a Justiça Estadual, e vendo isso como um porte de arma, como se fosse um cidadão qualquer que está circulando na rua com uma arma na cintura sem ter autorização para isso.
Quando na verdade a gente está diante de um transporte no contexto de uma importação (de armas), ou seja: aquilo ali é uma conduta de tráfico de armas, que mereceria ser investigada para saber quem é o comprador, para onde vai, de onde veio.
Mas faz-se um corte na informação e trata-se isso como o que não é: um porte de arma de fogo.
Então o foco do grupo é determinar onde estão os gargalos da investigação, que não se chega a bom termo e o crime vai, simplesmente, se expandindo.
BBC Brasil - Há tanta corrupção no aparato de segurança do Rio quanto se diz?
Panoeiro - É difícil quantificar corrupção, mas eu vou te dar um exemplo bem simples.
Se você tem um agente policial, um inspetor de polícia com um salário que gira em torno de R$ 4 mil, R$ 5 mil, R$ 6 mil, R$ 8 mil que seja, esse sujeito não tem condições de alugar um jatinho para ir passar um final de semana em uma cidade no interior de São Paulo.
BBC Brasil - Vocês já viram um caso desses?
Panoeiro - Já. A gente tem notícia (do acontecimento).
A Procuradora-Geral da República, Raquel DodgeDireito de imagemREUTERS
Image captionRaquel Dodge designou cinco procuradores para investigar a situação da segurança no Rio de Janeiro
BBC Brasil - Qual é a dificuldade de investigar corrupção policial?
Panoeiro - Concretamente, qual é o nosso problema? Imagine que você traga para o Ministério Público Federal o seguinte: "olha, eu acho que o agente fulano de tal é corrupto, porque ele ganha tanto e ostenta um patrimônio que é absolutamente incompatível".
Ok. É óbvio que, se o patrimônio é incompatível, é bastante provável que ele esteja envolvido em algum tipo de prática criminosa (...). Mas (para denunciá-lo) por corrupção, eu teria que flagrar o sujeito no momento em que ele estivesse fazendo isso. E eu não vou ter essa prova.
Por isso, dentro daquelas Dez Medidas Contra a Corrupção, que a Câmara (dos Deputados) acabou enterrando (no fim de 2016), uma delas era contra o enriquecimento ilícito. (Seria possível denunciar) todas as vezes que você tivesse um funcionário público com patrimônio absolutamente incompatível, e alguma ligação com uma atividade ilícita. Não precisaria necessariamente comprovar (que o servidor) praticou a atividade ilícita.
Mas por exemplo: eu tenho prova de que o sujeito se relaciona com milicianos na Zona Oeste. E o sujeito está enriquecendo. Eu já poderia, a partir daí, se o patrimônio é incompatível, se não tem nenhuma razão para ele ter o patrimônio que tem, eu poderia sancioná-lo (punir) por enriquecimento ilícito (...). Agora, o Congresso não quis.
BBC Brasil - A intervenção federal na área de segurança fará bem ao Rio?
Panoeiro - A rigor, e pelo para mim, pessoalmente, é uma questão que é muito clara, a gente tem um problema no Rio de Janeiro de você ter diversos grupos criminosos que disputam um determinado espaço. E eles, ao longo dos últimos 20 anos, esses grupos vieram se armando cada vez mais para prosseguir nessa disputa por território (...).
O problema da violência do Rio, salvo melhor juízo, salvo se acontecer um milagre, a intervenção federal, em nove meses, não vai conseguir corrigir um problema que vem de pelo menos duas décadas, (que vem) se tornando mais agudo.
Policiais militares em operação no RioDireito de imagemEPA
Image caption'A gente precisaria ter uma nova visão de polícia, menos suscetível de ser cooptada pela corrupção', sugere José Maria Panoeiro
BBC Brasil - Operações de Garantia da Lei e da Ordem (GLO), com as Forças Armadas na rua, são comuns no Rio de Janeiro nos últimos anos. Funcionou?
Panoeiro - Na verdade, o problema de trabalhar com operações de Garantia da Lei e da Ordem (GLO) é que toda vez que você faz uma intervenção mais vigorosa naquilo que seria a função da Polícia Militar, que seria o policiamento ostensivo, você naturalmente gera uma sensação maior de segurança (...).
Há uma retração naqueles crimes que as pessoas conseguem perceber mais facilmente (crimes violentos, roubos etc.), mas não quer dizer que não estejam acontecendo crimes como o tráfico de armas, como o tráfico de drogas.
Apenas esses crimes não ficam tão visíveis quanto são nas situações em que você não tem as operações de GLO.
BBC Brasil - Qual a diferença do crime organizado do Rio para o de outros Estados brasileiros?
Panoeiro - O PCC (em São Paulo) tem um monopólio. Por isso, não precisa se armar para manter o controle territorial. Ele se arma para praticar outros tipos de delitos. Têm coisas que a gente não tem aqui no Rio, ou pelo menos não tinha, até bem pouco tempo. Roubo a carro-forte. Sempre teve em São Paulo explosão de caixa eletrônico, que é algo que está chegando aqui agora.
Na operação Furacão (apuração da qual o MPF participou em 2007, e que investigou a venda de sentenças no Judiciário do Rio) tem uma parte da investigação em que fica indicado ali que havia a postura de alguns agentes da segurança pública no sentido de meio que estimular uma briga entre as facções.
Nas interceptações (telefônicas) da investigação Furacão, foram flagrados alguns diálogos que davam a entender que eles estimulavam que houvesse um confronto entre as quadrilhas (Comando Vermelho, ADA), de modo que nenhuma delas se tornasse suficientemente grande. Que elas brigassem entre si e nunca ameaçassem o status quo da cidade (...).
BBC Brasil - Na sua opinião, o que pode ser feito para minorar o sofrimento da população do Rio?
Panoeiro - É evidente que o aumento do policiamento ostensivo (como ocorrerá na intervenção) melhoraria a percepção de segurança das pessoas. Então a gente precisaria ter uma nova visão de polícia, menos suscetível de ser cooptada pela corrupção (...).
Fora isso acho que há um problema concreto de ocupação do espaço urbano e teria que haver uma intervenção da União. O que já foi pensado, não é nada de novo.
O PAC das Favelas propunha uma urbanização, nós tivemos na década de 1990 o projeto Favela Bairro, que era também de reurbanização. Porque é inviável oferecer serviços de segurança pública na comunidade se o Estado não tem como entrar na comunidade.