Copa 2014 tem gastos
públicos recordes, em benefício da iniciativa privada
Brasileiros ficam sem ingresso e sem legado do
Mundial, enquanto futebol se volta
à elite
O Brasil tinha a chance de gerar lucro e mudanças importantes com a Copa do Mundo deste ano, sem realizar nenhum gasto público, como fez os Estados Unidos no evento de 1994. A poucos meses para os jogos, porém, se mostra o maior gastador de verbas do governo em Mundial de Futebol, em nome de um evento que deve beneficiar principalmente, ou apenas, a iniciativa privada. Que pode ainda gerar desemprego e outras consequências negativas. Qualquer coisa que se ganhe com a Copa de 2014, então, pode não se comparar ao preço que o país já começou a pagar. Uma das grandes paixões do brasileiro, que virou parte da cultura principalmente nas camadas mais pobres da sociedade, de onde sai, inclusive, a maior parte dos jogadores, agora se volta cada vez mais à elite.
Apenas um terço dos ingressos dos jogos da Copa estão disponíveis para o torcedor brasileiro pela distribuição inicial da Fifa, de acordo com artigo do blog do Rodrigo Mattos, no Uol Esporte. Com 12 cidades-sede, nenhum outro Mundial teve uma oferta de assentos tão grande, mas nem por isso os brasileiros ganharam facilidade para conseguir uma entrada, que não são baratas, inclusive.
Como ressaltou Christopher Gaffney à Carta Capital em 2011, a Copa era a oportunidade de usar um investimento federal em benefício da população, mas se tornou um evento esportivo financiado com dinheiro público para o lucro privado: "o governo assume o risco e os patrocinadores é que vão receber os benefícios".
Conforme o país adota uma posição mais mercantilista em relação ao futebol, também perde posições no ranking da Fifa. Chegou à 18ª posição em 2012 e agora subiu para a 10a., depois de anos no primeiro lugar. Os meninos brasileiros que crescem com o sonho de se tornarem jogadores, ao mesmo tempo, viraram produtos de exportação para times estrangeiros, até mesmo antes de passar por qualquer time nacional. Muitos, inclusive, são enganados e explorados lá fora. O público nos estádios brasileiros vem caindo ano a ano também. Na década passada, o ex-presidente Lula chegou a comentar que a massiva exportação de jogadores brasileiros acabava ofuscando o desempenho dos times do país.
Os ingressos
Foram muitas as manifestações pelo Brasil inteiro contra os gastos na Copa. Muitos, inclusive, torcem para que dê tudo errado e ela não aconteça. Outros, animados com promessa de bom entretenimento, se empenharam para conseguir um ingresso para os jogos. A sorte, no entanto, não sorriu para todos. Em novembro, o Procon alertava que mais de seis milhões de torcedores que se inscreveram para o sorteio no site da Fifa, não foram devidamente informados sobre as etapas e critérios da seleção. Um sorteio obscuro, classificou o advogado Ricardo Amitay Kutwak. Para o jurista, não foi surpreendente o fato da federação não divulgar os critérios de sorteio, assim como não divulgar os nomes das pessoas contempladas.
Em novembro, o jornal argentino Clarín publicou uma reportagem para criticar a metodologia de sorteio de ingressos pela Fifa. Fontes ligadas à AFA (Associação Argentina de Futebol) revelaram ao jornal que a compra de bilhetes para a Copa por empresas de viagens foi excepcional, com óbvio objetivo de revenda. No Brasil, grandes marcas que apoiam ou patrocinam a Copa promoveram campanhas de Natal com sorteios de ingressos para os principais jogos. Somente uma rede nacional de lojas esportivas disponibilizava 200 entradas para o primeiro jogo da competição, que será realizado no dia 12 de junho, em São Paulo.
O Departamento de Imprensa da Fifa informou ao JB que nenhuma empresa, além dela, está autorizada oficialmente a comercializar ingressos. O único canal para o torcedor comum conseguir um passe é o site da própria Fifa. Quando o primeiro lote de quase 1,1 milhão de ingressos foi alocado no ano passado, cerca de 62% foram para brasileiros e 38% para compradores internacionais, disse a federação. Os cinco principais países interessados foram o Brasil, seguido pelos Estados Unidos, Austrália, Inglaterra e Argentina.
A população dos estados que vão receber a Copa é equivalente a 74% da população brasileira - em julho de 2013, o país contava com 148.972.739 de habitantes nas 12 cidades-sede, de acordo com o IBGE. Ao todo, os estádios das 12 cidades-sede da Copa têm capacidade para 675 mil pessoas, a maior oferta de assentos entre as últimas Copas.
Os estados americanos que sediaram o megaevento em 1994 tinham uma população em torno de 114.563 milhões de habitantes, ou 44% da população total do país na época. Esses norte-americanos, vale ressaltar, tinham uma capacidade e disposição superior ao dos brasileiros para o consumo. Agora que grande parte da população do Brasil começa a romper barreiras e a comprar elementos considerados básicos, como móveis e eletrodomésticos. Não são todos que podem tentar – porque não se sabe se conseguirão – comprar um ingresso. Os parceiros comerciais da Fifa, que podem promover concursos culturais ou sorteios para distribuir os ingressos aos seus clientes, também não atingem a toda a população brasileira e, alguns deles, chegam apenas a uma minoria.
A Emirates, por exemplo, parceira comercial, é a principal companhia aérea dos Emirados Árabes Unidos, eleita a Melhor Cia Aérea do Mundo pela Skytrax 2013. Ela oferece viagens no Brasil para destinos exóticos, como o Vietnã e outras rotas asiáticas. A Fifa conta com Parceiros, como a Emirates, com os patrocinadores da Copa deste ano, e também com apoiadores nacionais, em um total de 22 empresas.
Os patrocinadores do evento deste ano são a cervejaria Budweiser, a produtora de óleos lubrificantes Castrol, o grupo automotivo Continental, a Johnson & Johnson, o Mc Donald's, a Oi, a Moy Park e a Yingli. A Moy Park é reconhecida como uma das maiores produtoras de aves orgânicas e milho para aves na Europa. A Yingli, por sua vez, se apresenta em seu website como a maior produtora de painéis solares do mundo, cuja missão seria oferecer energia verde acessível para todos. Já entre os apoiadores nacionais estão a Centauro, o Itaú, a Apex Brasil, a Garoto, a Liberty Seguros e o Wise Up.
Mais da metade dos 3,3 milhões de bilhetes da distribuição inicial da Fifa vai para a federação internacional, associações nacionais de futebol, CBF, parceiros comerciais, Vips, Comitê Organizador, governo federal, entre outros, além da fatia destinada a estrangeiros, de acordo com artigo de Rodrigo Mattos. As entradas podem ser comercializadas posteriormente, mas apenas se todos os parceiros anunciarem desinteresse, o que se acredita que não deve acontecer nesta edição.
No total, indica Rodrigo, os bilhetes disponíveis para o torcedor comum brasileiro somam 1,127 milhão (33,8% do total), sendo que parte deles também tem restrições ou preferências para determinados grupos. Só 700 mil bilhetes, contabiliza, serão vendidos em condições de igualdade para qualquer torcedor do mundo, inclusive os do Brasil.
"Quem leva mais vantagem na divisão são os parceiros comerciais, que ficam com 605 mil entradas. Eles pagam por isso e podem fazer promoções para torcedores, como ressalta a Fifa. Outros 445 mil são para empresas de hospitalidade, que incluem as que vendem pacotes milionários com hospedagem e outros serviços para torcedores abastados. Televisões e rádio com direitos de transmissão ficam com 66 mil bilhetes", alerta Rodrigo.
De paixão popular ao futebol para a elite
Grandes times brasileiros têm uma dívida em torno de R$ 4 bi em impostos aos cofres públicos, mesma quantia anunciada como lucro da Fifa com a Copa, e que poderia ser aplicada em saúde, educação e infraestrutura. Além disso, o país acabou se tornando também um grande exportador de jogadores para outros países e, basta uma olhada no histórico desses atletas do país para perceber que a grande maioria vem de famílias pobres.
Uma figura que representa um pouco a situação a qual chegou o futebol é Sandro Rosell, ex- presidente do Barcelona, ex-representante da Nike no Brasil e amigo pessoal de Ricardo Teixeira, ex-presidente da CBF. Como o Estadão revelou no ano passado, parte do dinheiro pago à CBF por times no mundo inteiro como cachê para enfrentar a seleção não era depositada em contas no país, mas direcionadas a empresas com sede nos Estados Unidos, registradas em nome de Sandro Rosell.
Rosell chegou a ser investigado no Brasil por causa de um amistoso entre Brasil x Portugal, em Brasília, em novembro de 2008. Em 2011, a Polícia Civil do Distrito Federal suspeitava de um superfaturamento na organização do amistoso, com gastos enormes com estadias e transporte das equipes.
Na semana passada, Rosell decidiu deixar o cargo após a Justiça espanhola acolher uma denúncia contra ele por irregularidades na contratação de Neymar. De acordo com o jornal El Mundo, de Madri, a compra de Neymar teria custado 95 milhões de euros (R$ 308 milhões), e não os 38 milhões (R$ 127 milhões) declarados pelo presidente. Segundo a Justiça espanhola, a documentação entregue pelo clube possui indícios suficientes para sustentar o início de um inquérito.
Os gastos e o retorno das últimas Copas
O geógrafo Gaffney reforçou em entrevista para a Carta Capital que a Fifa conta com cinco ou seis pessoas comandando, ligadas diretamente ao Ricardo Teixeira. A estrutura, alertou, permite que ninguém assuma responsabilidades, pois quando surge um problema "o COL joga para o Ministério do Esporte, que pode jogar para a Infraero, que joga para a CBF, que diz que não tem nada com isso porque diz que os contratos são com as cidades, que pode jogar para o Estado, que pode jogar para a CBF. Não existe uma estrutura centralizada da Copa. E se você procura informações sobre a organização na internet, você chega só nas páginas da Fifa. Não há informações. E depois, quando apertar, a responsabilidade vai cair no colo do governo federal, como houve no Pan e na Olimpíada."
No total, para todas as cidades-sede brasileiras, a previsão de aplicação de recursos do TCU é de R$ 8,3 bi em financiamentos federais, R$ 6,3 bi em recursos diretos federais, R$ 4 bi estaduais, R$ 1 bi municipais e R$ 4 bi de outras fontes - em um total previsto de R$ 25,9 bi. Artigo do pesquisador e consultor da Trevisan Gestão do Esporte e diretor da Trevisan Escola de Negócios, Fernando Trevisan, no Portal 2014, reforça que, além de empréstimos do BNDES, outra forma de presença de recursos públicos nos estádios é pela isenção de pagamento de tributos. Trevisan aponta que, de acordo com o Tribunal de Contas da União, o governo vai deixar de arrecadar RS 461 milhões - o que não chega a representar tanto, considerando que o setor automotivo deixou de pagar R$ 7,9 bilhões em tributos desde 2008, por conta de políticas de incentivo governamental.
Os Estados Unidos, durante a Copa de 1994, receberam 400 mil turistas e não precisaram gastar um centavo para receber o evento, já que toda a infra-estrutura estava pronta. De acordo com estudos da Universidade de Nova Iorque, o principal objetivo dos Estados Unidos em sediar a Copa do Mundo foi o de promover o futebol no país. Nova Iorque, São Francisco e Boston tiveram receita de U$ 1,45 bilhão. Na indústria hoteleira, o crescimento, em comparação com o ano anterior, foi de 10%, e na indústria de alimentos e bebidas, de 15%.
O evento no Japão e Coreia, em 2002, deixou grandes prejuízos para o primeiro país. Segundo o membro da comissão da Copa no Japão, Ichiro Hirose, o país não teve um planejamento estratégico para a utilização dos estádios após o evento e, como os custos de manutenção desses espaços são muito altos, tem enfrentado um prejuízo de cerca de U$ 5 milhões por ano ao governo japonês. O impacto, contudo, de acordo com o Dentsu Institute dor Human Studies, teria sido da ordem de US$ 24,8 bi na economia japonesa e de US$ 8,9 bi na economia coreana.
A Copa na Alemanha, em 2006, custou US$ 6 bi, e o país recebeu 2 milhões de turistas. O setor público financiou um terço dos 2 bilhões de dólares gastos nas obras nos estádios. Não gastou quase nada e o lucro foi grande. Durante as quatro semanas, o incremento de receita gerado por gastos de turistas foi de 300 milhões de euros. Brenke e Wagner, todavia, constataram que o desemprego após a realização do evento tende a crescer. Gert Wagner, do Instituto Alemão de Pesquisa Econômica, por sua vez, analisou o impacto da Copa de 2006 como minúsculo diante da magnitude da economia alemã. Ainda assim, houve incremento no turismo. O gasto médio de turistas em 2005 na Alemanha era de 174 euros por dia, durante a Copa, o valor subiu para 400 euros. No ano seguinte, o país também registrou aumento de pernoites e chegada de turistas.
A Copa da África do Sul, em 2010, custou US$ 8 bilhões. Os investimentos em infraestrutura urbana foram muito elevados em comparação com a Alemanha, que já tinha a maior parte dos estádios e arenas, mas bem menor que os do Brasil. Os salários na África, porém, são menores que os da Alemanha, por exemplo, o que representa redução dos custos operacionais e de infraestrutura. O evento teve a previsão inicial de gastos de R$ 2,1 bilhões. A dívida sul-africana com as obras do Mundial eram de 4 bilhões de dólares para sediar a Copa, a mesma quantia que a Fifa anunciou como lucro. Para um país com tantas carências, como o Brasil, foi um grande gasto para dar lucro a uma empresa privada.
De acordo com estudo do Dieese, entre as obras definidas para que as cidades-sede no Brasil possam receber o megaevento, estavam 13 estádios e 50 projetos de mobilidade urbana - a metade ligada a portos e aeroportos. Outros projetos ainda necessários, como de tecnologia da informação e sustentabilidade ambiental também estariam em fase de finalização.
No Rio de Janeiro, foram programados projetos e ações em três aeroportos, um estádio, três ações de mobilidade urbana, uma de segurança pública, seis de telecomunicações, oito de desenvolvimento turístico e uma relacionada a estruturas temporárias. Segundo informações disponíveis no site do Tribunal de Contas da União, para isso, os financiamentos federais ficaram em R$ 1,5 bi, com aplicação direta de recursos federais de R$ 829,8 mi, estaduais de R$ 862,5 mi e municipais de R$ 514 mi.
Os custos do Maracanã, que chegaram a R$ 1,2 bilhão, superaram em muito o que estava previsto. Em outubro do ano passado, mesmo com a obra milionária, o que os torcedores viam no Maracanã era um verdadeiro caos, com banheiros alagados, policiamento ineficiente ou inadequado e total falta de informação.
Estudo do Itaú Unibanco previa que a Copa contribuiria com um aumento de 1,5 ponto percentual para o PIB brasileiro, entre 2013 e 2014. A projeção, no entanto, caiu para 1% do PIB, devido à redução nos investimentos programados, principalmente nos relacionados à infraestrutura, e maior atenção a estádios, que não oferecem impacto relevante na economia brasileira.
A Embratur informou no final do ano passado que os turistas que visitarão o Brasil durante a Copa do Mundo de 2014, entre eles 600 mil estrangeiros, gastarão cerca de R$ 25 bilhões no país, número que compensaria o investimento público no evento, de acordo com a previsão do Instituto Brasileiro de Turismo. "Calculamos que os estrangeiros gastarão R$ 7 bilhões durante os 30 dias de Copa e os brasileiros o restante desse montante", disse o presidente da Embratur, Flavio Dino.
Estudo encomendado pelo Ministério do Esporte em 2010 mostrava que os impactos econômicos potenciais resultantes da realização da Copa de 2014 podem chegar a R$ 183,2 bilhões, dos quais R$ 47,5 bilhões (26%) se referem aos impactos diretos, enquanto R$ 135,7 bilhões são resultados dos impactos indiretos.
Contudo, nota técnica do Dieese já apontou que é preciso ter cautela com a visão difundida de que a Copa só trará benefícios. “Uma olhada sobre a Lei Geral da Copa e outros instrumentos jurídicos voltados para a (des) regulamentação das atividades que envolvem a realização desse evento mostra que não é bem assim. Exemplos disso são as diversas formas de isenção fiscal que têm sido disciplinadas; a intenção da Fifa em suspender parte do Estatuto do Torcedor, do Estatuto do Idoso e do Código de Defesa do Consumidor; ou a proposta de responsabilizar a União amplamente por ‘todo e qualquer dano resultante ou que tenha surgido em função de qualquer incidente ou acidente de segurança relacionado aos eventos’. O projeto aprovado dá amplos poderes a Fifa, inclusive para determinar o preço e as regras de Compra e venda dos ingressos.”
Dos turistas esperados para a Copa, a Embratur calcula que a maioria chegará procedente da Argentina e Estados Unidos, os dois maiores compradores de ingressos até agora. De acordo com Dino, Rio de Janeiro e São Paulo, onde serão jogadas a final e a abertura da Copa respectivamente, serão as cidades que mais receberão visitantes durante o evento.
Segundo o último balanço divulgado pela MATCH, em setembro, a distribuição das cidades mais procuradas são as seguintes: Rio de Janeiro (52%), São Paulo (10%), Salvador (8%), Fortaleza (7%), Belo Horizonte (5%), e Brasília (5%).
Matéria publicada no Jornal do Brasil em 2013 alertava para a necessidade do país começar a atrair turistas de maior poder aquisitivo. Brasileiros continuam viajando muito para o exterior e gastando mais em suas viagens. De acordo com pesquisa do TripAdvisor, uma em cada quatro turistas brasileiras pretende gastar mais de R$ 1.800 só em compras durante uma viagem. Já os estrangeiros que vêm passear por aqui são mais contidos. Em 2012, o gasto médio diário por turista estrangeiro foi de US$ 68,94, contra os US$ 71,35 do ano anterior.
A Associação Brasileira de Hotéis (ABIH) e a FOHB, procuradas pela reportagem, alegaram não ter dados ainda sobre a porcentagem de hotéis, pousadas e albergues mais procurados pelos turistas para o período da Copa. É consenso, no entanto, como foi mostrado em reportagem do ano passado, que o perfil do turista que visita o Brasil é o do que poupa mais, não gasta tanto quanto os brasileiros em suas viagens ao exterior, e que chegou a ficar conhecido como o "turista-fusca", que anda, anda, anda, anda e não gasta nada.
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