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domingo, 4 de dezembro de 2016

"Afinal, somos ou não especiais?"... Memória semântica, memória episódica; inventar palavras...! / BBC

http://www.bbc.com/portuguese/vert-fut-37952429

Será que o homem é mesmo o animal mais inteligente do planeta?

  • 3 dezembro 2016

Homem e cérebroImage copyrightGETTY IMAGES
Image captionTraços da inteligência humana já foram observados em animais bem menos complexos

Em uma galeria de arte da cidade australiana de Brisbane, um curioso grupo espera ansiosamente sua vez de apreciar quadros de Picasso ou Monet - trata-se de um enxame de abelhas.
Não que elas consigam distinguir os traços cubistas ou paisagens ligeiramente desfocadas. Afinal, são criaturas cujos cérebros são menores do que uma cabeça de alfinete. Mas, devidamente treinadas, elas podem distinguir entre os dois artistas através de diferentes misturas açucaradas que pesquisadores colocaram por trás dos quadros.
Essa capacidade de "reconhecer" um estilo artístico é apenas uma em uma longa lista de feitos incríveis desses insetos. Abelhas podem contar até quatro, são capazes de "ler" sinais complexos, aprendem pela observação e conversam entre si usando um código secreto (a "dança das abelhas").

ElefanteImage copyrightGETTY IMAGES
Image captionElefantes estão entre os animais que reconhecem seu próprio reflexo

Quando buscam por alimentos, as abelhas conseguem medir a distância até diferentes flores e planejam suas rotas para colher o máximo possível de néctar com o mínimo esforço.
Dentro da colmeia, são responsáveis por tarefas como limpar, cuidar dos mortos e até resfriar o ar, já que coletam água para refrescar o local nos dias de calor.
O cérebro humano tem quase 100 mil vezes mais neurônios do que o das abelhas. Mas a base de muitos de nossos comportamentos mais valorizados pode ser observada nas atividades conjuntas de uma colmeia.
Por que, então, temos tanta massa cinzenta em nosso crânio? No que isso nos diferencia dos outros animais?

Memória e empatia


AbelhaImage copyrightGETTY IMAGES
Image captionApesar de realizarem tarefas complexas, abelhas não podem planejar o futuro

Cerca de 20% de tudo o que comemos é usado para fornecer energia para as trocas elétricas entre as 100 bilhões de células cinzentas que temos no organismo. Se um cérebro grande não nos trouxesse vantagens, seria um enorme desperdício.
E há alguns benefícios evidentes. O primeiro deles é o fato de nos tornar mais eficientes nas atividades que garantem nossa sobrevivência.
Enquanto as abelhas precisam considerar cada objeto isoladamente, para medir as distâncias, outros animais têm a capacidade cerebral de processar tudo de uma só vez. Ou seja, podemos realizar várias tarefas ao mesmo tempo.
Um cérebro maior também aumenta a quantidade de informações que podemos memorizar. Uma abelha só consegue fazer um punhado de associações indicando a presença de alimento, enquanto um pombo pode aprender a reconhecer mais de 1,8 mil imagens - e isso não é nada se comparado ao conhecimento humano.
E, claro, se olharmos tudo o que a civilização humana já conquistou ao longo de sua história, podemos concluir que temos alguma habilidade particularmente especial que falta em outros animais.
Cultura, tecnologia, altruísmo e muitas outras qualidades já foram apontadas como sinais da grandiosidade humana. Mas quanto mais observarmos, mais curta fica essa lista.
Os macacos, por exemplo, são capazes de usar pedras para quebrar a casca de nozes, enquanto corvos podem "fabricar" um gancho a partir de um graveto para apanhar comida.
Até mesmo seres invertebrados têm sua inteligência. Alguns polvos podem recolher cascas de coco no mar para usá-las como abrigo.
Enquanto isso, uma fêmea de chimpanzé na Zâmbia foi flagrada usando na orelha um pequeno amontoado de capim - apenas porque ela achou que era algo bonito. Logo depois, outras fêmeas do grupo passaram a copiá-la, usando esse adorno que, para alguns pesquisadores, representa uma forma de expressão cultural.
Muitos seres também parecem ter um sentido natural de justiça, e podem até sentir empatia por outros, o que sugere uma vida emocional rica e que até pouco tempo atrás achávamos que era exclusiva do homem. Basta ver o caso de uma baleia cachalote que recentemente foi vista salvando uma foca de um ataque de orcas.

E a consciência?

Talvez a resposta esteja na "noção de si mesmo", ou na habilidade de um ser vivo de se reconhecer como um indivíduo. Esse "olhar para o próprio umbigo" é uma forma rudimentar de consciência.
De todas as qualidades que podem nos tornar únicos, essa autoconsciência é a mais difícil de medir com certeza. Um teste simples pode identificar essa capacidade: fazer uma mancha de tinta no rosto do animal e depois colocá-lo na frente do espelho; se ele percebe a marca e tenta esfregá-la, é possível crer que ele reconhece seu reflexo, o que sugere que ele formou algum tipo de conceito de si mesmo.
O ser humano só desenvolve essa capacidade a partir dos 18 meses de idade. Mas alguns animais demonstraram ter esse tipo de autoconsciência, como bonobos, chimpanzés, orangotangos, gorilas, pegas, golfinhos e orcas.

Afinal, somos ou não especiais?

Temos, sim, algumas habilidades que nenhum outro animal tem, e a melhor maneira de enxergar isso é pensar na conversa entre uma família na hora do jantar.
A primeira é o simples fato de podermos falar. Não importa quais as experiências que você teve ao longo do dia, é possível encontrar palavras para expressar seus sentimentos e descrever acontecimentos para outras pessoas. Nenhum outro animal consegue se comunicar com tanta facilidade. E mesmo se não pudermos encontrar a melhor palavra para definir algo, podemos inventar uma.
O mais notável, no entanto, é que a maior parte de nossas conversas revolvem em torno do passado ou do futuro.
Além da memória "semântica", que nos permite lembrar dos fatos, temos também uma memória "episódica" - a capacidade de reviver eventos do passado mentalmente, retratando-os com detalhes multissensoriais. É a diferença entre saber que Paris é a capital da França e ser capaz de lembrar do que viu e ouviu quando visitou o Museu do Louvre pela primeira vez.
E essa capacidade de pensar no passado também nos permite imaginar o futuro, pois nos baseamos em experiências para prever o que pode acontecer.
Nenhum outro animal parece ter uma memória pessoal tão elaborada, combinada com a capacidade de planejar várias ações com antecedêcia. Até mesmo as abelhas, com suas complexas tarefas no lar, provavelmente só estão reagindo às circunstâncias presentes.
Assim como a linguagem, a capacidade de "viajar no tempo" com a mente nos permite compartilhar experiências e expectativas com outras pessoas, construindo redes de conhecimento que se expandem a cada nova geração. Ciência, arquitetura, tecnologia, escrita - ou seja, tudo o que permite que você leia este texto - seriam impossíveis sem isso.

"Bipolaridade demais, senso de menos" / Mary Zaidan


POLÍTICA

Bipolaridade demais, senso de menos

Bipolar (Foto: Arquivo Google)
Mary Zaidan
Política não é cartesiana. Nela, dois mais dois por vezes não somam quatro, e o antagonismo simplista é quase sempre um equívoco. Dizer isso em um planeta que tem preferido a grita (o nós x eles) à análise de fatos e à maturação de ideias beira o extemporâneo. Mas trata-se de prudência obrigatória, quanto mais diante de temas tão palpitantes quanto medidas para coibir a corrupção e o abuso de poder.
Em um país onde a carteirada é quase uma instituição e o “sabe com quem está falando” ainda é prática corrente, discutir abuso de autoridade seria benéfico. A rigor, muito mais útil para o cidadão comum do que para os poderosos. Especialmente em um ambiente em que os fortes são muitíssimo fortes - protegidos por foro privilegiado, que engloba políticos e altos servidores do Executivo, Legislativo e Judiciário, e tribunais especiais, caso de militares e policiais --, e os fracos, fraquíssimos, até por não ter recursos para pagar advogados.
Mas longe de querer “coibir e punir condutas que escapem ao Estado democrático de direito, ao pluralismo e à dignidade da pessoa”, como o presidente do Senado, Renan Calheiros, expressa na justificativa de seu projeto de lei contra abuso de autoridade, os tais poderosos só passaram a se preocupar com o dito abuso depois de se tornarem alvo de escutas, prisões temporárias e preventivas, condenações. Em suma, até o Mensalão cutucá-los e a operação Lava-Jato seguir o rastilho de pólvora espalhado por delatores, tudo prestes a explodir.
Na semana passada Renan colheu duas derrotas. Perdeu por 44 a 14 a votação que pretendia conferir urgência ao projeto contra a corrupção aprovado pela Câmara dos Deputados, no qual se anexaram punições a magistrados e procuradores. E virou réu no Supremo, por crime de peculato, por 8 votos a 3. Na próxima terça-feira pretende votar o seu projeto sobre abuso - um texto com 45 artigos, entre eles alguns ainda mais draconianos do que o aprovado na Câmara.
Rechaçado pelo Ministério Público Federal (MPF), autor das 10 medidas contra a corrupção encaminhadas ao Parlamento como projeto popular com o aval de mais de dois milhões de signatários, o projeto que saiu da Câmara é um Frankenstein. Aprovado na fatídica madrugada em que os brasileiros choravam pelos chapecoenses mortos em um acidente aéreo bárbaro, o texto cravou de morte o coração da proposta e acrescentou punições a juízes e procuradores, algo completamente fora do corpo e do script.
O país reagiu diante do monstro construído: bradou nas redes sociais, perturbou o WhatsApp dos deputados, convocou um panelaço para o horário nobre e gente para as ruas neste domingo.
Renan não se fez de rogado. Obcecado para punir quem pode por direito puni-lo, tentou atropelar o processo legislativo. Perdeu. Mas imagina que pode dar o troco. Não nas medidas contra a corrupção, que tanto ele quanto a Câmara preferem ver adiadas para as calendas agora que já não podem mais incluir nelas a anistia ao caixa 2, mas na votação de seu projeto. E com especial apreço pelo artigo 30, que pune com pena de reclusão de um a cinco anos quem der “início ou proceder à persecução penal, civil ou administrativa, sem justa causa fundamentada”, sem que se diga o que vem a ser a tal “causa fundamentada”.
A urgência de muitos dos políticos – um terço dos 81 senadores e 148 dos 513 deputados são alvo de algum tipo de inquérito ou ação penal – faz com que o país não consiga ter uma lei contra o abuso de autoridade que realmente sirva à cidadania. E abusos não faltam. Não raro sem punição. Quase 50 juízes condenados por corrupção tiveram penas pífias – perda do cargo e afastamento com direito a aposentadoria integral – e poucos promotores acabaram atrás das grades depois de crimes severos, incluindo homicídio. Políticos com mandato na cadeia também se contam nos dedos.
Juízes e procuradores não são infalíveis – ninguém é. Erram e até abusam. Mas, como disse o juiz Sérgio Moro no plenário do Senado, “não podem ser intimidados por interpretações ou juízo de valor a respeito das provas proferidas nos processos sob sua responsabilidade”. Ao mesmo tempo, não há lógica em se imaginar provas ilícitas válidas em um processo ou o horror de pessoas delatando outras para auferir vantagens financeiras – o “reportante do bem” -- como pretendem os autores das 10 medidas contra a corrupção.
Por interesses próprios e inconfessáveis, por ignorância, oportunismo ou má-fé, esse debate tão necessário ao país se faz em favor de quem quer se livrar da Justiça. E se deixa aprisionar na paixão maniqueísta entre quem é contra e a favor das 10 medidas do MPF, contra ou a favor de se coibir abusos. Como na síndrome, a bipolaridade refuga o bom senso.

"A pane seca de Renan" / Ruth de Aquino

A pane seca de Renan

Avise à torre que o senhor não tem mais condições de pilotar nada, muito menos votação no meio da noite

RUTH DE AQUINO
02/12/2016 - 21h00 - Atualizado 02/12/2016 21h00
Se o combustível de um presidente do Senado for a credibilidade. Se a autonomia de um presidente do Senado depender de sua lisura. Se um presidente do Senado, na linha sucessória da Presidência da República, se tornar réu do Supremo Tribunal Federal por peculato (traduzindo: desvio de verba pública para uso pessoal)... A emergência estará configurada.  
Admita que calculou mal os riscos e que, de tanto desafiar as regras e a sensatez, de tanto se sentir protegido pela máquina do PMDB, acima das nuvens, de tanto agir no limite da paciência da sociedade, acabou vitimado pelo sentimento de onipotência, talvez herdado de seu padrinho José Sarney. 
Faça como fez há nove anos, quando renunciou à presidência da mesma Casa para não ser cassado, ao ser acusado de pagar a pensão de sua filha extraconjugal com dinheiro de empreiteira. Voltou depois, com a bênção de todos, Sarney e Lula e seus companheiros. Sempre com aquele risinho. Renan responde a mais 11 processos no STF, oito deles da Lava Jato. Ou Renan é culpado ou é o político mais perseguido da história do Brasil.
O rabo preso gigantesco de Brasília explica a cumplicidade, no Senado, de figuras como Fernando Collor e Lindbergh Farias. Eles estavam entre os 14 senadores que apoiaram Renan na pressa de votar o projeto da Câmara, que desfigurou as dez medidas anticorrupção de iniciativa popular. Renan nem queria votação nominal, só voto simbólico. Sua manobra foi desmascarada a tempo. A maioria no Senado percebeu que o plano de voo de Renan era irresponsável. Renan descobriu que não tinha autonomia.
Na Câmara, o rabo preso aliou Pedro Paulo a Jandira Feghali e Indio da Costa contra o pacote original anticorrupção. O PT de Lula e Dilma e o PRB de Crivella também se aliaram contra o pacote anticorrupção e a favor de enquadrar o Judiciário. Jair Bolsonaro e Jean Wyllys – que sempre viveram aos cuspes e berros – se uniram a favor das medidas anticorrupção mas foram derrotados.
Há um claro conluio político, liderado por investigados na Lava Jato, para melar investigações de propina, caixa dois e corrupção. Sob o pretexto de coibir abusos de autoridade – que devem mesmo ser refreados para evitar o “espetáculo” e o desrespeito a direitos dos delatados –, o Congresso ameaça uma operação que mudou o Brasil para sempre.
Antes do juiz Sergio Moro e a equipe de Curitiba, sabíamos dos desvios de dinheiro público, mas não se imaginava o grau, ou o valor. Não se imaginava a amplitude das quadrilhas no Poder. Os métodos, os laranjas, os superfaturamentos, as joias da Coroa e a total impunidade de quem dilapidava obras de infraestrutura e serviços essenciais. Além dos roubos, terão de ser atacados com urgência os privilégios, as mordomias, os supersalários na casta política. Mas já é um começo de moralização do serviço público.
Renan, em evento da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), afirmou que o sistema político brasileiro está “falido e fedido”. Não percebe que estão colando nele a pecha de cinismo? Sua eloquência contra o presidencialismo não comoveu. O presidente da OAB, Claudio Lamachia, defendeu o afastamento imediato de Renan. Não como admissão de culpa, mas para não comprometer os trabalhos do Senado, enquanto for réu no STF.
Por que esse açodamento do Congresso, em dezembro, perto do Natal e de mais um recesso de verão? Dá para entender o “timing”. Vem aí a mãe de todas as delações. A maior empreiteira do país, a Odebrecht, envolvendo 75 executivos e ex-dirigentes, deve citar 200 políticos. Pai e filho, Emilio e Marcelo Odebrecht assinaram a delação premiada, prometeram pagar multa de R$ 6,8 bilhões e pediram desculpas por “práticas impróprias”. É com esperança, não com ceticismo, que leio o comunicado histórico da Odebrecht.
“Não importa se cedemos a pressões externas. (...) Fomos coniventes com tais práticas. (...) Foi um grande erro, uma violação dos nossos próprios princípios, uma agressão a valores consagrados de honestidade e ética.” E por aí vai. Leiam. As dez medidas de compromisso com o futuro da Odebrecht são exemplares. No topo da lista: “Combater e não tolerar a corrupção em quaisquer de suas formas, inclusive extorsão e suborno”.
Quando leremos desculpas e compromissos de nossos políticos? Se o Brasil está em pane seca, com milhões de pessoas devolvidas à pobreza, é por ganância e incompetência de seus governantes.

Charge de Chico Caruso no blog de Ricardo Noblat

HUMOR DE CHICO

Charge (Foto: Chico Caruso)

"Quer um Congresso com a metade dos vigaristas que hoje se encontram por lá? Comece a exigir hoje mesmo que eles aceitem um automutilamento"

Vlady Oliver: Cálculos renais

Quer um Congresso com a metade dos vigaristas que hoje se encontram por lá? Comece a exigir hoje mesmo que eles aceitem um automutilamento

Por: Augusto Nunes  
Faço aqui uma afirmação polêmica, mas totalmente baseada em cálculos matemáticos.
A mágica chama-se “estratificação da amostragem”. Que diabo é isso? 
É um diabo que permite responder a seguinte pergunta: quantas pessoas você precisa entrevistar numa pesquisa para identificar uma tendência? Metade da população? Um quarto? Pois cálculos estatísticos precisos mostram que, se a amostra for devidamente estratificada, ou seja, se ela representar fielmente o universo pesquisado, ela pode ser infinitamente menor. Isto mostra por que uma pesquisa com duas mil pessoas representa, com grande precisão, uma população de 200 milhões de habitantes, com margem de erro mínima.
O problema é justamente a contaminação da amostragem, o que vem ocorrendo em todas as últimas pesquisas eleitorais superfaturadas que tivemos por aqui. Mas isto gera uma constatação interessante: nosso Congresso, como tudo que o Brasil vem fazendo ultimamente, peca pelo excesso: 600 políticos tiram a individualidade dos procedimentos, em favor de uma coletividade estúpida. Fica difícil descobrir quem trama com quem, numa votação.
Um terço dessa amostra me parece mais do que suficiente para representar o país dignamente. Algo assim como um político para cada milhão de habitantes, o que faria pouco mais de duzentos políticos tramitando na Câmara. Mais do que suficiente e a metade do que existe hoje em nosso lombo. E com uma cláusula de barreira de origem: só chega ao Congresso quem representa um milhão de pessoas. Simples assim. Adeus, corporativismos.
Eu iria ainda mais longe: sufragaria essa representatividade por regiões populacionais e não por Estados. São Paulo teria direito a mais de 40 representantes, enquanto o Espírito Santo, por exemplo, nos contemplaria com 3 ou 4. Ficou furioso? Mas essa é a representatividade matemática do nosso país, meus caros. Durma-se com ela e ponto. Já o caso do “Senador do Desempate” é outro absurdo típico da malemolência brasileira.
Eu explico. Digamos que o Brasil pudesse ser simplificado – para efeito de cálculo – como nos Estados Unidos. Cem milhões de brasileiros seriam “democratas”, cem milhões “republicanos”, os primeiros concentrados nas áreas urbanas e os segundos nas zonas rurais. É razoável supor que dois senadores, um de cada legenda, representariam os interesses de cada uma das unidades federativas. Daria empate. Pois dane-se o empate. Que a coisa se resolva no diálogo, afinal é pra isso que a política tem de existir.
Se, no entanto, tivermos três senadores por unidade, digamos que um Estado tenha 51% de eleitores de uma legenda e 49% de eleitores de outra: Isto elegeria basicamente dois senadores de uma contra apenas um de outra, perfazendo uma representatividade avariada, com 66% para uma agremiação e 33% para outra, o que é fundamentalmente falso. Isto prova que 54 senadores é mais que suficiente para a política fluir, de forma a suscitar o debate entre as legendas.
E aí? Quer um Congresso com a metade dos vigaristas que hoje se encontram por lá? Comece a exigir hoje mesmo que eles defendam um automutilamento, antes que sejam mutilados de verdade por um exército de panelas. Chega de vigarices, meus caros. A “coletividade” que vá para o inferno. Só serve para “esconder malfeitos”. De políticos malfeitos estamos até a tampa.

"Os comunicadores estão cada vez mais convencidos de que a sua maneira de ver o mundo é a melhor" / J R Guzzo

J.R. Guzzo: Falta combinar

Os comunicadores estão cada vez mais convencidos de que a sua maneira de ver o mundo é a melhor

Por: Augusto Nunes  
Publicado na edição impressa de VEJA
Os meios de comunicação, no Brasil e numa porção de países do Primeiro Mundo, muito civilizados, prósperos e democráticos, estão com uma doença que pelo jeito não tem cura. Publicam notícias, comentários e “conteúdo” segundo uma tábua de mandamentos que não deixa nenhuma dúvida sobre o que está certo e o que está errado, o que é bom e o que é ruim, o que é permitido e o que deveria ser proibido – só que não combinam com o público se ele próprio, o público, está de acordo com isso tudo. Os comunicadores estão cada vez mais convencidos de que a sua maneira de ver o mundo é a melhor, não apenas para o mundo, mas para leitores, espectadores e ouvintes; não parecem ter nenhuma dúvida a respeito.
O resultado é que estão sendo cada vez menos representativos do público que imaginam representar. Dão informações que esse público não está interessado em receber e opiniões que não está disposto a compartilhar. Ensinam coisas que ele não quer aprender. Falam de valores que não são os seus – ou não necessariamente os seus. Torcem por causas que não são obrigatoriamente as suas. Elogiam uma série de comportamentos, condenam outros tantos, e em ambos os casos deixam uma advertência clara: é assim que nós, órgãos de comunicação, esperamos que vocês, público, se comportem. Só existem duas maneiras de avaliar as coisas neste mundo. Uma é a maneira errada. A outra é a nossa. Qual é a surpresa, então, em que a mídia esteja com tantos problemas?
Não é preciso, para ver o tamanho do problema, recorrer a casos extremos como a eleição de Donald Trump para a Presidência dos Estados Unidos. Depois de atacar a sua candidatura como o pior momento da humanidade desde a ­vinda da peste negra, a imprensa americana e a internacional têm certeza, agora, de que sua vitória nos levará de volta à Idade da Pedra. Deveria estar mais do que óbvio, se fosse assim mesmo, que só um débil mental votaria nesse homem. Mas é claro que não foi isso que aconteceu, como é claro que ninguém está em pânico só porque a imprensa diz que todo mundo deveria estar em pânico.
No Brasil de hoje, então, o descolamento entre meios de comunicação e público parece caminhar para o modo mais extremo. O que dizer quando nas últimas eleições para prefeito os vencedores nas duas maiores cidades do Brasil foram justo os dois candidatos mais detestados pela mídia? Estão operando lado a lado, aí, duas linguagens opostas – a dos jornalistas e a de dezenas de milhões de cidadãos comuns.
Os exemplos se aplicam a um mundo de coisas. Os comunicadores, em sua maioria, são a favor da ocupação de escolas por grupos de organizações de estudantes, ou a veem com compreensão quase ilimitada; fazem um voto de confiança sem restrições no idealismo dos jovens e sua vontade de reformar o nosso ensino. São a favor da ocupação dos espaços públicos por marginais de todo tipo – acham que seu direito é maior que o direito do restante da população de utilizar em paz o mesmo espaço. São a favor de praticamente todo tipo de invasão (que chamam de “ocupação”), de lugar público ou privado; são contra a liberação desses locais pela polícia, mesmo com ordem judicial, e sua devolução aos legítimos donos; estão convencidos de que a polícia, sem exceção, age “com brutalidade”.
Há um critério rigoroso na escolha das palavras. A imprensa fala sempre em “manifestantes”, “militantes”, “estudantes”, “desabrigados” e até em “camponeses” – nunca, em nenhum caso, são “invasores”. Não fala mais “favela”, palavra hoje condenada como preconceituosa, elitizante e fascista; tem de ser “comunidade”. A imprensa brasileira continua falando do golpe militar de 1964 como se fosse algo que aconteceu ontem, e alerta para os “perigos” de se voltar, a qualquer momento, à mesma situação; esquece que só tinham chegado à maioridade, em 1964, pessoas que têm hoje pelo menos 70 anos de idade.
Nossa mídia dá a entender, cada vez mais, que ter um automóvel é uma falha moral – e que o importante, hoje, não é a propriedade, e sim o uso do veículo. Jamais lhe ocorre que para milhões de brasileiros o carro é um instrumento de liberdade, e sua propriedade um sonho individual importante. Ao contrário da imprensa, a população não acha que o problema do Brasil é ter gente de mais na cadeia; acha que é ter gente de menos. Não acha que o principal problema da segurança pública seja a polícia – acha que são os bandidos. Não acha que a fé evangélica seja uma ameaça.
Dá para escrever um “Manual de Redação” inteirinho com essas regras. Só que não são as regras do público.