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NOTÍCIAS DE BRASÍLIA

segunda-feira, 27 de novembro de 2017

Notícias sacanas e incríveis de Brasília.../ coluna de Cláudio Humberto


27 DE NOVEMBRO DE 2017
O ex-governador Sergio Cabral e Adriana Ancelmo chegaram a se separar por breve período. A dissolução foi oficializada em julho de 2011 na 6ª Vara de Família do Rio de Janeiro. Pesou na decisão do divórcio a derrota de Adriana numa disputa com Regis Fichtner, então chefe da Casa Civil do governo Sérgio Cabral, para a indicação de um nome para uma vaga de ministro no Superior Tribunal de Justiça (STJ).
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Adriana Ancelmo tentou emplacar o ex-marido Sérgio Coelho no STJ, mas Cabral bancou a indicação de um cunhado de Fichtner.
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Essa disputa pela indicação ao STJ abalou o casamento e provocou uma briga entre a então primeira-dama e o chefe da Casa Civil.
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A briga que levou à breve separação do casal Cabral acabou se estendendo ao PMDB do Rio, motivando uma crise no partido.
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A disputa para influir na nomeação de ministro de tribunal superior mostrou que a relação de Cabral e Adriana era também política.
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O fim do imposto sindical é o pretexto usado pela Central Única dos Trabalhadores (CUT) para cortar 60% dos seus empregados, por meio de demissão voluntária. A milionária CUT, que faturou R$59,8 milhões em 2016, quer fazer acreditar que depois de faturar tanto durante os governo do PT, não se preparou para os tempos de vacas magras. A entidade embolsou 12,4% da arrecadação dos seus 2.423 sindicatos.
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Os sindicatos faturaram R$3 bilhões somente no ano passado com as contribuições obrigatórias, que a reforma transformou em voluntárias.
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A CUT deu prazo até o dia 4 de dezembro para que seus empregados façam adesão ao programa de demissão voluntária. Depois vai demitir.
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A alegação de queda de receita para justificar demissões nunca é aceita pela CUT quando empresas privadas fazem o mesmo.
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Ministros do Tribunal de Contas então entre 55 mil brasileiros com foro privilegiado. No TCU, têm privilégio de foro até auditores substitutos e procuradores. Nos Estados, são 476 conselheiros protegidos por foro.
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A Bahia é o estado recordista em autoridades com privilégio de foro determinado pela Constituição estadual: 4.880 detentores de cargos. O Rio de Janeiro é segundo com 3.194 e o Piauí é terceiro com 2.773.
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Atuando até como atravessadoras, as distribuidoras de combustíveis são acusadas pelos produtores de praticarem uma predação selvagem. Por isso têm comprado destilarias endividadas a preço de banana.
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Existem apenas 14 centrais sindicais no Brasil, como a CUT. Nove são sediadas no estado de São Paulo, quatro no Distrito Federal e uma no Rio. Levam mais de R$350 milhões por ano. E sem prestar contas.
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O Senado aprovou projeto que altera os prazos na Justiça do Trabalho. Se virar lei, serão levados em conta apenas os dias úteis, além de excluir um mês por ano do prazo, em razão do recesso da Justiça.
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O embaixador Pedro Brêtas, que representou o Brasil na Irlanda e no Canadá, integra agora o Centro de Estudos Político-Estratégicos (Cepe) da Marinha. É o único diplomata no prestigioso think tank naval.
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Fundo de previdência da Terracap, empresa do governo de Brasília, o Funterra deve ser absorvido pelo BB Previdência, do Banco do Brasil. Brasília perde, assim, a chance de criar a BRB Previdência.
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Restaurantes do Rio inventaram uma má novidade: “caixinha” ou “gratificação” acrescentadas aos 10%. Ao cliente restam as opções de pagar sobre o valor da conta 12% ou 13%, que a lei não prevê.
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...após o Black Friday chega a hora do Arrependimento Monday.

Um retrato 3X4 da política brasileira...

https://www.clickcampos.com/lava-jato-pode-chegar-no-cepop-e-ponte-de-rosinha-e-explicar-o-rompimento-de-garotinho-com-cabral/

domingo, 26 de novembro de 2017

" As meninas francesas" / Heraldo Pereira



Heraldo Palmeira:

As meninas francesas

Elas destoavam de tudo e todos ao redor, pois não eram ilhas teclando seus individualismos, como ficou comum de se ver. Apenas liam



As meninas francesas deviam ter entre treze e quinze anos. Aguardavam o embarque. Eram quatro. Eram quatro livros. Abertos, sendo devorados.
Os smartphones e outros cacarecos digitais estavam lá, displicentes, espalhados sobre a mesa da lanchonete. Milagrosamente esquecidos, até pouco vigiados.



As meninas francesas destoavam de tudo e todos ao redor, pois não eram ilhas teclando seus individualismos, como ficou comum de se ver. Apenas liam. E, fosse pouco, também conversavam como nos velhos tempos. Ainda por cima, naquele idioma lindo! Comentavam entre elas alguns pontos das próprias leituras, rabiscando as páginas com anotações. Como nos velhos tempos. Eram lindas as meninas daquele jeito!
Sim, elas conversavam animadamente e isso parecia algo estranhíssimo. Senti um sopro suave no coração. As letras pareciam flutuar formando palavras, como um éter que a gente quase consegue ver antes de evaporar.
Aquelas francesinhas não eram ninfetas, não eram lolitas, não pareciam parte desse jogo de sedução. Não tinham sabor de frutas forçadas a amadurecer antes da hora. Não pareciam vítimas da vida cheia de modismos e imposições. Eram apenas meninas embaladas em jeans, camisetas e tênis. Sem batom, sem glamour. Duas delas usando óculos de grau sem qualquer complexo. Sem antecipar o tempo de suas vidas. Apenas liam e conversavam, como sabíamos fazer antes de fingir ter esquecido. Eram lindas! Talvez por isso.
Ao anúncio de voo iminente, juntaram tudo em suas mochilas, mas permaneceram sentadas, entregues aos seus livros. Deixaram para seguir no fim, quando praticamente todos já haviam atravessado o portão rumo à pista. Foram as últimas a entrar no avião, logo depois dos seus adultos de estimação. Lendo, lendo, lendo, lendo. Caminharam pelo corredor até seus assentos e seguiram lendo a viagem inteira.
Na revista de bordo, li a respeito de uma espécie de clube do livro por assinatura. Pensei nas meninas francesas e seus livros, e na leitura como tábua de salvação para a ignorância generalizada que nos mostra seus dentes afiados o tempo inteiro. E que, muito mais do que amedrontar, entristece.
Lembrei do menino no jantar da noite anterior, no restaurante do hotel. Manteve-se cabisbaixo, vidrado no smartphone, enquanto todos os presentes aderiram ao Parabéns pra você a partir da chegada do bolo de aniversário que seus (envergonhados) pais e avós caprichosamente encomendaram.
Para quebrar o constrangimento, fiz um gracejo e convoquei o rapazinho a apagar a velinha. Usei o velho truque de dizer que, se vacilasse, eu mesmo apagaria. O desprezo no olhar que mereci foi tamanho que pensei em soprar e sair à francesa. Imagino que tradução ele encontrou para mim.
O sopro tíbio não teve força para trazer junto o sorriso cobrado pelos parentes para as fotos. Ele apenas apagou, como se apagasse todos os chatos que lhe cercavam fora do seu mundo virtual. Como quem cumpre um compromisso indesejado, sopra um incômodo para longe. Lacônico, distante, quase imantado por aquela telinha maldita.
Pena que eu não tivesse bola de cristal para antecipar o dia seguinte e me sentir salvo pelas meninas francesas e seus livros abertos, sendo devorados. Voltei à realidade com o anúncio do pouso. Saí apressado, mas deu tempo vê-las indo no rumo do embarque internacional.
Imagino que as meninas francesas vararam a noite voando a caminho de casa, lendo, sendo felizes, descobrindo o mundo escondido nas letras que quase flutuavam como um éter que a gente quase vê, antes de virarem palavras para contar histórias. Senti um sopro suave apagando aquela velinha que por pouco não queimou meu coração.
Ainda estou me perguntando se aquilo tudo foi mesmo real, ou se terei sido enganado por alguma holografia no meio da mesmice que nos encerra neste berço esplêndido de coisa nenhuma.
Refiz minhas caminhadas pelas margens do Sena manuseando livros naquelas famosas caixas verdes, sebos quase camelôs onde os buquinistas, especializadíssimos, comercializam raridades impressas, livros, gravuras e cartazes de uma Paris que já não existe, mas parece viva.
Esses comerciantes – simpáticos ou antipáticos como só os parisienses antipáticos conseguem ser – estão lá compondo um dos circuitos mais importantes da cidade. Na margem esquerda, entre Ilha de Saint Louis e Ponte do Carrossel. Na margem direita, entre Hôtel de Ville e Louvre.
Eles que são história em tempo real. Que fazem circular a palavra escrita surrada, já lida, que maravilhou, que foi tocada por tantos. Páginas marcadas a lápis e borracha, rabiscadas, copiadas, roubadas, vivas.
Páginas que passarão pela vida das quatro meninas francesas que passaram como poesia, me dando alento, me olhando por dentro, velando por mim. Sem pressa, como devem ser as verdadeiras meninas. Lindas como o som de um acordeão francês. Lidas como as palavras espalhadas pelas margens do Sena. Vividas no tempo certo, como um sonho bom.

Políticos estão fazendo 'puxadinho' na Lava Jato...

A Liga da Justiça a Jato  

GUILHERME FIUZA

REVISTA ÉPOCA
Resultado de imagem para imagem de homem rasgando páginas de livroO novo despertar ético está operando o milagre de reabilitar eleitoralmente o PT

O novo despertar da ética no Brasil virou festa com a Operação Cadeia Velha, que prendeu o presidente da Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro. A captura de Jorge Picciani e mais uma penca de aliados pela Polícia Federal espalhou o grito de Carnaval: estão atacando a corrupção do PMDB, esse antro de raposas velhas! Mas os éticos deram uma moderada no grito – para não acordar José Dirceu, que tinha sambado até de madrugada.

O Brasil é uma novela. Ou melhor: nem uma novela o Brasil é. Novelas têm complexidade, por mais novelesca que seja ela. O Brasil é um borrão unidimensional, cabe numa marchinha de Carnaval. Foi assim que os abutres de ontem – aqueles fantasiados com adereços politicamente corretos e purpurina roubada – simplesmente sumiram da cena. Quem foi Palocci mesmo? Ué, não era esse que outro dia estava contando tudo a Sergio Moro? Ou esse foi o Santana? Espera aí: que Santana? Não era Mantega?

Do Dirceu parece que todo mundo lembra. Não por ter montado o maior assalto governamental da história, mas porque apareceu outro dia sambando no pé. Uma graça.

O novo despertar ético está operando o milagre de reabilitar eleitoralmente o PT. Do PT você lembra? Isso, esse mesmo – o da senhora Rousseff, a regente do petrolão que hoje viaja o mundo contando história triste à custa do contribuinte. E que lidera pesquisas de intenção de voto para o Senado! O Brasil é uma mãe – e não é a mãe do PAC. Dessa você lembra? A que operou a negociata de Pasadena, isso. Que Pasadena? Ah, deixa para lá. Vamos falar do Picciani. Morte ao PMDB!

O governo Itamar Franco era do PMDB, mas não era. Foi sob um presidente fraco e cheio de compromissos fisiológicos que o Plano Real foi implantado. O governo Temer é do PMDB, mas não é. Assim como na era Itamar, foi nessa gestão pós-impeachmentque se abriu o espaço para a entrada de gente séria, técnica e não partidária disposta a retomar o Estado das mãos dos parasitas da política. É isso o que está acontecendo no Brasil após quase década e meia de pilhagem – e todos os indicadores confirmam o fato. Mas o brasileiro prefere a lenda.

A lenda quer dizer que todos os políticos são igualmente corruptos e agora você vai jogar tudo isso fora para votar numa Liga da Justiça Lava Jato. Se fosse a Lava Jato do Moro até poderia ser uma utopia interessante – mas o Moro já renunciou à candidatura a super-herói de gibi e declarou que pretende ficar onde está, isto é, apenas fazendo seu trabalho direito. Ou seja: é um exemplar de uma espécie em extinção no Brasil – essa dos que acham que o mais nobre objetivo pessoal é cumprir seu papel com integridade até o fim. As espécies que se multiplicam em abundância e sem risco são as dos que põem a cabeça de fora do anonimato e já querem cobri-la com um chapéu de Napoleão carnavalesco. Essa é a Liga da Justiça 2018 – a Lava Jato fake de Rodrigo Janot e seus conspiradores de botequim.

Personagens como o mosqueteiro Dartagnol Foratemer – um desses que após o cumprimento do dever foi à luta do seu chapéu de Napoleão – saíram por aí detonando os políticos para virar políticos. Dartagnol hoje é visto puxando o saco de celebridade petista e fazendo panfletagem digital desonesta – tipo “alertar” que o bando do PMDB capturado no Rio revela o modus operandi que domina Brasília, isto é, o governo federal. Mentira. Os técnicos de alto gabarito que estão trabalhando duro no Banco Central, no Tesouro, na Fazenda, na Petrobras e em outros postos-chaves do Estado nacional deveriam processar esse oportunista, mas estão ocupados demais consertando o desastre do PT – isto é, dos novos camaradas de Dartagnol.
A grita contra a Assembleia Legislativa do Rio quando ela chegou a revogar a prisão de Picciani e sua turma jamais foi ouvida, desta forma retumbante e justiceira, contra a Assembleia Legislativa de Minas Gerais. Esta protege da prisão, há mais de ano, ninguém menos que o governador do estado, Fernando Pimentel, um dos principais investigados da Operação Lava Jato (a verdadeira).

Olhe para os últimos 15 anos, prezado leitor, e identifique quais foram os grandes protagonistas da vilania que empobreceu a todos nós. Pense bem, porque o Super-Homem é um fracasso de bilheteria e não vai te socorrer.

"O tempo perdido", Gustavo Franco em O Globo

domingo, novembro 26, 2017


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 GUSTAVO FRANCO

ESTADÃO/O GLOBO - 26/11

O papel-moeda está em vias de extinção e o Rio se dedica a criar empregos de cobrador

Há algo de podre no modo como o Brasil trata o desperdício de tempo. 

Pouca gente se dá conta que, quando se mede a prosperidade nacional através do PIB, estamos falando de um fluxo de valor adicionado durante determinado período de tempo, geralmente um ano. 

Sabemos que a renda per capita do brasileiro foi de R$ 30,4 mil no ano de 2016, o que equivale a cerca de 25% da renda per capita americana. Isso é o mesmo que dizer que, em média, um americano produz quatro vezes mais que um brasileiro durante um ano. O Brasil parece não se preocupar muito com o tempo perdido ou com a produtividade, a julgar pelo noticiário recente. 

No município do Rio de Janeiro, por exemplo, a Assembleia aprovou o fim da dupla função do motorista de ônibus, com isso revivendo a figura do cobrador (isso foi aprovado com 40 votos a favor e um solitário voto contrário do vereador Leandro Lyra, do Partido Novo). Os autores do projeto estimam que 5 mil empregos serão criados pela medida.

O papel-moeda está em vias de extinção e o Rio de Janeiro se dedica a criar empregos de cobrador, o que é mais ou menos como proibir o Uber para atender aos taxistas, ou proteger indústrias que eram “nascentes” cinquenta anos atrás.

A lógica torta dessas medidas é semelhante à de uma ideia antiga e errada, pela qual a redução da jornada de trabalho faz aumentar o emprego (ou elevar o salário, via remuneração de horas extras). Na verdade, a redução na jornada funciona exatamente como uma redução de produtividade (um ano passa a ter menos horas trabalhadas, portanto, menos produção, como se tivéssemos mais feriados). E, se as horas são mantidas e apenas se tornam mais caras, é como se o governo criasse um imposto sobre o emprego, o que obviamente diminui a produção.

Nossa legislação trabalhista não tem como foco a produtividade, e por isso cria muitas distorções, que é preciso urgentemente rever. O tempo está passando, a China e a Coreia estão crescendo, e o Brasil está ficando para trás.

O tempo perdido também tomou conta da legislação tributária de forma devastadora. No ranking de ambiente de negócios feito pelo Banco Mundial, o Brasil ocupa a posição 125 em 190 países, um vexame. Pior ainda: em um dos quesitos dessa avaliação, o dos impostos, o Brasil está na posição 184 em 190 países e não é por que a carga tributária seja tão alta, mas por que uma empresa de 60 empregados gasta em média 1.958 horas (81,5 dias) anuais para pagar os tributos e cumprir as obrigações acessórias. 

Não há nada parecido com isso em nenhuma parte do planeta. É a Copa do Mundo em matéria de tempo desperdiçado.

Para completar o quadro, o Banco Mundial publicou dias atrás um relatório histórico sobre um assunto que interessa a todos: o gasto público.

O relatório identifica inúmeras “ineficiências”, que alguns descreveriam como “absurdos”, a soma das quais ultrapassando 7% do PIB, podendo chegar a 8,5%. Em dinheiro de hoje estamos falando de R$ 400 bilhões de potenciais economias decorrentes de cortes e reformas associadas a essas ineficiências.

A cifra é assustadora, mas não surpreendente, pois é da mesma ordem de grandeza da deterioração no superávit primário ocorrida na vigência da “Nova Matriz”. O que me preocupa é o conselho do Banco Mundial, cauteloso como sói acontecer com organizações multilaterais, pelo qual essas economias devam ser buscadas gradualmente até 2026.

Da parte deles, esta exasperante falta de pressa, na verdade, é pura delicadeza. Nós é que devemos nos perguntar por que, afinal, devemos tomar 10 anos para acabar com R$ 400 bilhões mal gastos? 


Os sentimentos nacionais com relação aos taxistas e cobradores, bem como para os detentores de privilégios e sinecuras identificados pelo Banco Mundial são muito confusos, incluindo o medo e a compaixão. Mas a principal razão de nossa apatia diante das dores do progresso parece mesmo ter a ver com um traço do caráter nacional que Machado de Assis atribuiu ao Conselheiro Aires: “Tinha o coração disposto a aceitar tudo, não por inclinação à harmonia, senão por tédio à controvérsia”.

EX-PRESIDENTE DO BANCO CENTRAL E SÓCIO DA RIO BRAVO INVESTIMENTOS

sábado, 25 de novembro de 2017

"Minhas providências para meu dia final " ... / Valentina de Botas


Valentina de Botas: Ingmar Bergman e a minha cabeleireira

Se eu puder fazer um último pedido como diz a tradição, pedirei que a coisa seja leve e que não desmanche meu penteado


Mas não estamos agonizando desde que nascemos para viver nossas mil mortes? Abandonamos o que não somos, deixando para trás mais um eu que não vingou. Foi o que pensei quando me perguntaram se tenho medo da morte e o que faria se soubesse, hoje, que este é meu último dia de vida. Falar da morte é mórbido demais para meu gosto. O assunto não me atrai. Não penso nisso e a vida nunca me deixa sem assunto, embora me deixe sem palavras tantas vezes. A idade vem chegando e vemos nosso corpo nos abandonando; para algumas pessoas, a lucidez se depura, para outras, ela se extingue. Como Chico Anísio, não tenho medo, mas pena.
 Não é por nada, não aspiro a ser exceção no ciclo natural de nascer-morrer e sei, claro, que um dia acontecerá – e tudo bem, pois a imortalidade nos mataria de certo modo –, só que, apesar de não ser nenhum broto (e usar essa palavra o comprova), a ampulheta trapaceira e implacável estaria me roubando dezenas de anos dos 100 que tramei viver, como alguns parentes. No centésimo aniversário de uma tia-avó, perguntei-lhe o que fazer para chegar lúcida e saudável (o único modo a ser considerado) àquela idade. Nada, minha filha. Mas ela se foi logo depois e não tenho como lhe perguntar se estou fazendo nada direitinho.
Tá, sem embromação: haveria chegado o último dos meus dias consumados na agenda do Absoluto. O que eu faria? Primeiro, tentar lidar com o atordoamento da notícia. Em alguns segundos, penso no amor. Tudo e todos que amei porque os amantes estão sempre certos (ou vocês nunca ouviram “Amanda Amante”, do Roberto Carlos?) e o que se opõe ao amor parece torná-lo longevo, resistente, teimoso, imortal até. Contudo, penso no amor fraternal também. Talvez usar isso como álibi. Não, a coisa é inegociável. Num mundo ríspido, o amor é emoliente e os amantes se buscam e resgatam um ao outro do fundo do desencanto, sempre aspirando pelo presente vivido a cada instante. Amar é este exercício de viver o presente – e, sem ser pouco, o presente é tudo o que se tem.
O que fazer? Pensei em Deus, em mim e o vazio entre mim e Ele que tentei vencer com uma fé verdadeira, aquela com porções de dúvidas. Lembrei de “O Sétimo Selo”, a obra-prima que acaba de completar 60 anos. Como poucos, Bergman palmilhou esse território do vazio e da dúvida. Embora com passagens de comicidade improvável, como quando a Morte serra um galho de árvore para levar um artista consigo, o filme é grandiloquente demais para quem está lidando com o fato de que terá os olhos amarelos da Morte borrando o último crepúsculo a ser testemunhado e, diferentemente do cavaleiro medieval, Antonius Block, não jogo xadrez tão bem. 
 Nesse jogo, Antonius tenta convencer a Morte de que os homens merecem viver mesmo naquela idade média em que alguma muito ruim sempre estava acontecendo a alguém muito feio. E era fácil ser feio num tempo em que se morria velho aos 30 anos. No jogo de xadrez, o homem tenta lidar com a polpa bruta, a incognoscível, na figuração mais famosa da morte no cinema. Bergman é ainda mais brilhante quando aborda outros vazios e solidões: aqueles entre pais e filhos, entre irmãos, homens e mulheres. Nas relações humanas é que as fraturas internas de cada indivíduo aparecem em feridas que, tantas vezes, são a ponte instável, mas o único meio possível de aproximação. Exemplificam isso a magnitude de “Fanny e Alexander” e a sublime corrosão de “Cenas de um Casamento”.
 Abandono Bergman e vasculho na memória o que disseram poetas, filósofos, etc. Desisto porque ninguém vai morrer a minha morte nem viver meu último dia, portanto tem de ser do meu jeito e, então, constato: não sei. Provavelmente não teria tempo de me refazer do atordoamento da notícia, nem para consertar erros, buscar perdões nem oferecê-los – o que, ademais, perderia toda a importância, se é que ainda resetasse alguma. Dizer certas verdades para uns e outros? Melhor não, pois posso ouvir verdades de que nem desconfiava ou, pior, desconfiava, sim, e ter de partir para a eternidade com um barulho desses. Deixa quieto. Afinal, tudo se relativiza; certezas – aquelas duas ou três remanescentes que eu escondia atrás da lata de biscoito na última prateleira do armário da cozinha – perdem os ossos. Beijar minha filha e dizer-lhe que a amo? Faço isso todos os dias. Contar a ela? Isso me mataria. Contar à minha mãe? Isso a mataria.
Concluo que encaminharia providências práticas, como separar documentos, quanto ao caráter pragmático da vida que segue para os que ficam e, então, decido reagir: vou ligar para a Soraia, minha cabeleireira há mais de 20 anos, e suplicar por um horário assim, em cima da hora. Se a minha urgência não for urgente, não sei o que seria. Fazer as unhas, vestir minha melhor roupa como num rito, abrir aquele vinho guardado na prateleira debaixo da pia, que esperava a ocasião especial que tardou até se tornar desnecessária. Pois eis aí a ocasião: não esperaria sóbria por tal visita intrusa e, enquanto procuro o saca-rolhas como quem busca o passaporte para uma viagem, entoarei minha última oração – fazendo dela mais um lugar do que uma ação – em agradecimento a Deus por tudo, lembrando a Ele que fui o mais fiel que pude à vida entendida como dádiva, eu a celebrei no pouco e no muito; reconheço que a primeira parte foi pedagógica, mas admito que gostei mais da segunda. Agradecerei sobretudo por aquela garrafa de vinho que a Providência adiou. 
Tenho modos, sei que bons anfitriões não recebem visita embriagados, então beberei o bastante somente para amolecer minhas eventuais resistências, simular serenidade e tornar a visita interessante. Se eu puder fazer um último pedido como diz a tradição, pedirei que a coisa seja leve e que não desmanche meu penteado.