Orquestra do Projeto Guri faz estreia no Masp, em SP
O projeto trabalha com crianças a partir de 6 anos de idade; são 46 polos de formação
João Luiz Sampaio - O Estado de S. Paulo
SÃO PAULO - Aline fala baixinho, desvia o olhar, esboça um sorriso tímido. Tudo começou aos 5 anos, ela conta, por incentivo da mãe. Pegou gosto pela flauta doce, que substituiu, com o tempo, pela flauta transversal. Tocar em uma orquestra? Incrível. A união, as músicas, é demais. "E música é minha vida."
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Divulgação
'O desafio é balancear o que chamo de três ‘p’: precisão, parcimônia e paixão', diz maestro
Aos 17 anos, Aline Ramos da Silva é apenas uma dos 60 músicos que nesta quarta-feira, 18, sobem juntos pela primeira vez no palco diante de uma plateia. No Auditório do Masp, para uma plateia de convidados, farão a estreia da Sinfônica do Projeto Guri, que espalha 46 polos de formação musical pela Grande São Paulo.
O Guri trabalha com estudantes a partir de 6 anos de idade, mas na orquestra eles têm entre 11 e 18. Alef Rodrigues, com 18, é um dos mais velhos. Conta que "descobriu" a música aos 17. Toca percussão. "E trabalhar na orquestra é legal porque você aprende mais do que só o seu instrumento", diz. "Quando você está sozinho, só ouve o seu som, mas na orquestra tem que saber equilibrar com os demais, para que todos sejam ouvidos. É fazer música mesmo. E a gente acaba, acho até que por isso, virando uma família mesmo."
Ao longo das últimas semanas, a sinfônica, que vinha sendo preparada pelo maestro Ricardo Appezzato, coordenador pedagógico da Santa Marcelina Cultura (organização social responsável pelo Guri), entrou na reta final de ensaios. No Teatro Grande Otelo, no centro da cidade, os músicos passaram a trabalhar diariamente com o maestro norte-americano George Stelluto, da Julliard School, de Nova York. Na manhã da última quinta-feira, ele conversou com o Estado, logo após o fim do ensaio.
"Quando se trabalha com um grupo jovem, com músicos que estão tocando juntos pela primeira vez, de cara você se dá conta da ausência de tradição, aquela que você encontra em grupos mais experientes. Mas isso pode ser algo bom, pois é possível começar um trabalho do zero", diz.
A orquestra vai interpretar obras de Sibelius (Finlândia), Bizet (Suíte Arlesiana n.º 2) e Beethoven (Sinfonia n.º 1). "É um programa interessante. Tanto Sibelius como Bizet permitem uma exploração da sonoridade da orquestra, mas cada uma a seu modo. E Beethoven propõe um outro desafio. Aqui, importa, além das dificuldades pontuais, a noção de arquitetura de uma obra de maiores proporções, que é fundamental para um músico de orquestra, ou seja, saber manter a interpretação ao longo de toda uma determinada peça."
Durante o ensaio, Stelluto vez ou outra, pega o violino de um dos músicos, mostra a melhor maneira de realizar determinada passagem. Faz com que eles ouçam um ao outro. Bem-humorado, não poupa elogios. Assim como, em alguns instantes, chama a atenção. "Se eu peço uma, duas, três vezes e vocês não me atendem, eu tenho todo o direito de ficar irritado", diz a certa altura aos violoncelos.
Para o maestro, o equilíbrio entre técnica e interpretação é o objetivo. "É quase como uma molécula, na química, você tem certos átomos e todos têm que estar juntos para que a molécula exista. O desafio é balancear o que chamo de três ‘p’: precisão, parcimônia e paixão. Eles têm que dominar a música em termos técnicos, mas também pensar na expressão que resulta da técnica, ter isso em mente. E isso às vezes é difícil, às vezes parece que o único objetivo é a precisão. Mas se você tem só precisão, não tem música. É como um ator que estuda dicção e projeção no palco, estuda os aspectos técnicos, mas quando vai interpretar uma peça de Shakespeare tudo isso tem que acontecer sem que a plateia perceba. Tudo deve virar expressão para a plateia, mas os intérpretes têm que lidar com essas ideias na mente. Com anos de experiência, torna-se um processo obviamente natural. Mas no começo é preciso ficar atento até que isso entre na mente e no corpo de cada um dos músicos."
Propósito. Jeasil da Silva Santos, trompista, está com 16 anos. Depois do ensaio, ele lembra que começou na música tocando bateria. Mudou para o trompete, não se acostumou, acabou na trompa. Quer seguir a carreira musical, dar aulas, tocar em uma orquestra profissional. "Ninguém me mandou fazer música, meu pai, minha mãe, foi uma coisa minha. E eu sei que se eu não fizer direito, não estudar, vou chegar ao ensaio e não vai sair nada. É algo meu."
Casos como o dele, diz Stelluto, é o que dão sentido à atividade de uma orquestra. "O desafio é construir aqui algo que seja contemporâneo para a sociedade, que ajude os jovens a entender a música, o que ela tem de importante para nossa cultura. A música ajuda o jovem a solucionar problemas. Tocar em uma orquestra não é uma atividade passiva, você precisa buscar soluções, ser ativo. Isso é bom para a mente, a música é boa para a alma, para o espírito", diz. "Temos que encontrar maneiras mais efetivas de atingir as plateias, e orquestras como essa podem ajudar muito com isso. Eles tocam para plateias mais velhas, mais novas, podem causar inspiração. Se eu sou um violoncelista na orquestra, toco para uma plateia e nela pode estar meu irmão mais novo, que vai me ouvir e pensar: eu também posso fazer isso. É parecido com o esporte, parecido com muitas coisas de nossa sociedade, e pode servir a um propósito real. Só precisamos reafirmar esse propósito para nós mesmos."
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