Mais felizes que os europeus?
Nos últimos cinco anos, os latino-americanos, incluindo os brasileiros, aparecem em todas as pesquisa mundiais entre os mais felizes do mundo, superando os ricos europeus
JUAN ARIAS 21 JAN 2014 - 13:08 BRST
Nos últimos cinco anos, os latino-americanos, incluindo os brasileiros, aparecem em todas as pesquisa mundiais entre os mais felizes do mundo, superando os ricos europeus. Mais ainda, chegam a emular os países que sempre apareceram no mundo com maiores índices de felicidade, como a Noruega, a Finlândia ou a Suíça.
Os percentuais às vezes variam entre os levantamentos feitos por diversos institutos em escala planetária, mas em todos eles existe uma confluência de dados que confirmam a presença dos latino-americanos entre aqueles que veem o futuro com mais esperança, apesar de todos seus problemas, às vezes muito graves, como a insegurança pública ou as grandes disparidades entre ricos e pobres, as injustiças sociais, o esquecimento dos excluídos e os baixos índices educacionais.
No último estudo, realizado pelo Barômetro Global do Otimismo com base em 66.806 entrevistas com cidadãos de 65 países dos cinco continentes, os latino-americanos superam a média mundial de felicidade, que é de 60%. No Brasil, o trabalho foi executado pela empresa Ibope Inteligência, em conjunto com o Worldwide Independent Nertwork (WIN).
Na América Latina, 86% dos colombianos, por exemplo, consideram-se felizes; entre os argentinos, são 78%; os mexicanos, 75%; quanto aos brasileiros, entre os quais 81% haviam se declarado felizes em 2012, o grau de felicidade diminuiu, mas ainda chega a 71%, e ao mesmo tempo eles se mostram esperançosos com relação ao seu futuro.
Já países europeus como a França, Espanha, Grécia ou Portugal aparecem na lanterna da lista, entre os menos felizes. Só 25% da população francesa, por exemplo, se considera feliz. Entre os espanhóis, a cifra mal chega a 20%. Os portugueses o são ainda menos.
E não deixa de ser curioso e digno de estudo que a América Latina nunca apareça, em nenhuma das pesquisas, com índices altos de infelicidade. Pelo contrário. Até países com problemas graves, como a Argentina ou a Venezuela, apresentam um altíssimo grau de felicidade dos seus cidadãos.
O que significa tudo isso? Teriam os latino-americanos mais motivos reais do que muitos europeus para se sentirem menos infelizes e com maior esperança no futuro? Objetivamente, a grande maioria dos franceses, por exemplo, que aparecem com um terço a menos de felicidade do que os latino-americanos, estão muito melhores economicamente do que estes e gozam de um índice de bem-estar social incomparavelmente maior.
Vejamos o caso do Brasil, onde, como acaba de destacar Fernando Canzian em sua coluna da Folha de S. Paulo, as pessoas se declaram felizes apesar de este ser, como afirma ele, “um país pobre”, onde só 1% da população ganha mais de 13.500 reais por mês, e 4% ganham entre 6.760 e 13.500 reais. Apenas 9% recebem entre 3.390 e 6.760 reais, e outros 16% aparecem na faixa imediatamente inferior, com rendimento superior a 2.014 reais por mês. Quase metade do país – 46% – ganha até 1.356 reais.
Ou seja, 66% da população ganham ao redor de 2.034 por mês, o que é o salário mínimo da maioria dos países europeus, por exemplo.
Não é preciso analisar a fundo as cifras da renda dos brasileiros, que corresponde aproximadamente à da maioria dos outros países da América Latina, para observar que, em comparação ao europeus, em geral ainda se trata de um país pobre.
Por que então eles se mostram triplamente mais felizes do que tantos povos nos quais as famílias ganham até três ou quatro vezes mais?
Essa é a grande pergunta a que poderá ser respondida por antropólogos, sociólogos, economistas ou psicólogos.
Possivelmente, a chave está no estado de ânimo desses latino-americanos, que aparecem entre os mais ditosos. E esse estado de ânimo depende por sua vez do seu passado imediato e da forma como veem o seu futuro.
Na Espanha, fazia-se piada recordando que quando um grupo de pessoas saía de suas casas para se divertir e lhes perguntavam aonde iam tão alegres, elas respondiam com voz forte e feliz: “Para a festa!”. E, quando essas mesmas pessoas, retornando da festa, esgotadas, escutavam a mesma pergunta, respondiam quase sem voz e sem ânimo, arrastando seus pés de cansaço: “Da festa!”. E diziam isso quase de mau humor.
O que torna os latino-americanos mais felizes que os europeus talvez tenha a ver com essa sensação de felicidade que observam depois de terem atravessado anos de tristezas, ditaduras e mais pobreza que a atual. Ao contrário de muitos europeus que, após desfrutarem de mais de 40 anos de liberdade e bem-estar econômico, sentem – ao contrário, ao contrário –a sensação de fim de festa e notam que possivelmente nunca voltarão a alcançar a euforia de quando também eles, no meio da alegria e da abundância criada pela União Europeia, sentiam-se felizes e gritavam com força que foram à festa.
E tudo isso é compatível com o fato de que na América Latina as pessoas possam se sentir mais felizes do que antes, apesar de serem ainda geralmente pobres em relação a outros países, ou que vejam seu futuro com maior otimismo, já que quem está no meio da festa não pensa que o que resta dela será pior; pelo contrário, estão convencidas de que irão se divertir ainda mais. Só depois que acaba se sentem cansadas e de ressaca.
E isso é compatível também com os novos movimentos que reivindicam uma “festa maior”, ou seja, uma vida cada vez menos pobre, de acordo com um país em desenvolvimento, mas que já tem todo o potencial para viver como os desenvolvidos, desde que os políticos não impeçam isso.
Esses movimentos, sobretudo dos jovens, que são os que têm maior futuro, podem gerar dores de cabeça para os políticos, que tentarão amestrá-los ou represá-los para que não atrapalhem seus planos.
Quem já provou alguma vez a doçura e exaltação da festa quer que esta continue crescendo, e luta para conseguir isso. Às vezes com maus modos, em outras mais democraticamente. Será preciso dialogar com esses jovens, pacíficos ou rebeldes, para tentar entendê-los sem deixar, ao mesmo tempo, que possam quebrar ou interromper um processo que levou a América Latina à felicidade da qual desfruta.
Para isso, os políticos deverão ser verdadeiros estadistas, e não burocratas incapazes de perceberem que algo novo está nascendo e que vai na direção de uma felicidade ainda maior para todos, e não só para um grupo de privilegiados.
Desse diálogo entre as partes, como acontece nas famílias nas quais os filhos começam a se rebelarem e querem aparecer, dependerá a possibilidade de nos próximos anos os brasileiros, e os latino-americanos em geral, continuem sonhando com um futuro mais feliz, sem terem perdido a euforia de estarem indo a uma festa, e sem sentir, pelo contrário, o cansaço e as desilusões experimentados quando do seu fim.
Que a festa, portanto, não se apague e continue viva, ainda que para mantê-la tenhamos de suportar os golpes dos inconformistas, que costumam ser os que sempre ficaram excluídos da festa, a qual, para ser verdadeira, terá de poder ter a participação de todos, sem vergonhosas distinções e injustas segregações econômicas ou raciais.
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