"Todo ritual nos remete a aspectos centrais de nossas vidas. No Natal, comemoramos explícita e paralelamente o nascimento do menino Deus também na figura de um velho bondoso que chega do céu e, como um rei deus, distribui um pouco de seus imensos bens para as crianças. Curioso que o nascimento de um Deus encarnado nascido na pobreza extrema de um estábulo seja também comemorado por uma figura de barba branca (símbolo da boa velhice), enroupado para um inverno de modo que, em países de clima tropical e familístico, como o nosso, a força da difusão cultural promova uma dupla transformação. Primeiro, as crianças podem demandar alguma coisa com suas listas de presentes; depois, porque temos que encenar o frio e a neve debaixo de um calor insuportável. Eis uma festividade em que celebra-se tanto o sagrado (o nascimento de Cristo Salvador) quanto o profano (o saco de bens que somos obrigados a consumir).
As demandas infantis são parecidas com o bom-senso que cobramos do governo. Ficam no mais puro desejo, pois mesmo tendo um enorme saco de brinquedos, sabemos que nem todo mundo é “filho de Papai Noel”, como já dizia aquela comovente marchinha de Assis Valente que desmascara, muito antes da antropologia do ritual, o “bom velhinho”. Mas, mesmo assim e como em toda festa, fingimos e nos acumpliciamos para que tudo dê certo e, com isso, fazemos – como ensina Lévi-Strauss – a vida vencer a morte. Pois, como diz o mestre, a inocente e ingênua crença das crianças em Papai Noel nos ajuda a crer na vida. Um velho deus rei muito rico, vindo do céu por meios mágicos, assume o palco ao lado de um menino Deus pobre que chega para nos salvar......."