POLÍTICA
O PT no divã do analista
É muito difícil que desse divã do analista saia um diagnóstico preciso sobre o processo de perda de identidade ou de esquizofrenia do PT
O PT está deitado desde ontem, em Salvador, no divã do analista, tentando achar o núcleo de sua personalidade perdida.
Quem sou eu, doutor? Sou o partido que nasceu para ser diferente dos outros e no entanto estou fazendo tudo igualzinho aos outros, e muitas vezes até pior, e não consigo achar mais o meu norte ético.
Estou no governo - ou pelo menos parte de mim está no governo - e no entanto outros pedaços de mim mesmo estão saindo às ruas para protestar contra o que eu mesmo estou fazendo no governo.
Sou de esquerda, de centro ou de direita ou não sou nada disso - mas apenas um partido como os outros, que quer o poder pelo poder e nada além do poder?
Há pelo menos 8 tendências internas representadas nesse 5º Congresso Nacional e elas não estão de acordo nem sequer no fato, agora incontornável, de que discutem até hoje se deveriam mesmo estar reunidos em congresso exatamente num momento de tantas dúvidas existenciais que abalam a própria identidade do partido.
Eles se reuniram, no mínimo, para ouvir as palavras de seu grande e indiscutido (entre eles, claro) “condottiere” Lula, para ver se ele, com suas palavras, ilumina o mundo, como diria a Chauí. Em momentos de dúvida, as massas militantes apelam ao Grande Timoneiro que está mais à mão. Cada fé tem seu Santo Expedito a quem apelar na hora das causas impossíveis.
Petrolão, estagnação, inflação, desemprego em alta, ajuste fiscal operado pelas mãos de um estranho no ninho, alimentado pela ortodoxia econômica inimiga, um plano mirabolante de concessões, uma atribulada convivência com uma base aliada sôfrega, rebelde e desrespeitosa- eis o cenário perfeito para o inferno astral que o PT está levando para o divã.
Enquanto o governo de Dilma, na perfeita analogia musical do professor Luiz Werneck Vianna, sociólogo e pesquisador da PUC-Rio, faz como o velho marinheiro, que em meio ao nevoeiro, leva o barco devagar, a rapaziada sente falta do pandeiro e do tamborim.
Os oito pedaços de PT reunidos em Salvador se dividem entre aqueles que querem voltar a tocar o pandeiro e o tamborim em alto e bom som e aqueles que acham que é preciso criar esperanças de bom tempo para depois do nevoeiro.
Os pés do demiurgo Lula estão instalados nos dois barcos: para sonhar com 2018 ele precisa que o marinheiro leve o barco ao seu destino, mas ele precisa também tocar o pandeiro e o tamborim para fazer-se ouvir.
A crise de identidade que o PT, deitado no divã, está expondo ao analista, deriva em grande parte desse dilema: como ser contra e a favor do governo ao mesmo tempo ?
Retomar o discurso de esquerda praticando um ajuste fiscal que eles estigmatizam como uma prática de direita? Defender a democracia e ao mesmo tempo proteger a Venezuela de sanções por práticas antidemocráticas como encarcerar líderes oposicionistas? Defender a ilusão do Mercosul ao mesmo tempo em que o comércio entre tão solidários hermanos despenca 30%?
Cortar despesas em educação e saúde ao mesmo tempo em que os 39 ministérios e seus cargos agregados incham como um balão? Tentar conter a inflação a laço enquanto ela vaza pela via dos preços controlados e pela irresponsabilidade fiscal?
É muito difícil que desse divã do analista saia um diagnóstico preciso sobre o processo de perda de identidade ou de esquizofrenia do PT.
Se a patologia se revelar benigna, pode ser que o PT encontre um mapa para sair de seu próprio labirinto. Caso contrário, a receita pode requerer o uso de uma camisa de força.
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