Uma delusion, mais do que uma ilusão, é
uma doença neurológica.
Magnificent Delusion é o título do livro recém-lançado pelo ex-embaixador Husain Haqqani sobre as indestrincháveis relações entre Estados Unidos e o país mais perigoso do mundo, o dele, Paquistão. Nuclear, cercado pela China, Afeganistão, Índia e Irã, minado por dentro por um incontável formigueiro de terroristas, dominado por militares golpistas e pelo mais suspeito dos serviços secretos.
Nenhum outro país detesta tanto os Estados Unidos e o sentimento é recíproco. Para os americanos, o Paquistão está no mesma categoria de Irã e Coreia do Norte. 84% querem que o Paquistão se dane, mas desde 2001 os Estados Unidos já deram US$ 17 bilhões aos paquistaneses. Não compraram o amor deles e, pior, parte do dinheiro foi para sustentar operações terroristas e até para proteger Osama Bin Laden.
Na falta de uma palavra melhor, vamos acreditar nos dicionários e usar "ilusão", uma forma branda de delusion.
Os paquistaneses se iludem que o dinheiro americano vai continuar jorrando porque (os Estados Unidos) precisam do apoio do Paquistão para destruir o Talebã e seus próprios terroristas. Além disso, os americanos tem de pagar pedágio quando atravessam a fronteira paquistanesa para abastecer suas tropas no Afeganistão, um país sem mar.
Os americanos alimentam a ilusão de que o Paquistão, um dia, vai usar os dólares para eliminar o Talebã, seus próprios terroristas e criar uma democracia nos padrões ocidentais.
Hillary Clinton, quando era Secretária de Estado, disse que os Estados Unidos e o Paquistão são como um casal que se detesta, mas não pode se divorciar. Husain acha que é preciso haver, no mínimo, uma separação.
O problema está na grande ilusão da "aliança", uma noção surgida para combater a ameaça comunista na década de 50. Na época, o governo paquistanês, iludido pela própria importância, pediu um ajuda militar de US$ 2 bilhões. Os americanos mandaram US$ 2 milhões. Este número deveria ter sido suficiente para quebrar a ilusão paquistanesa, mas os americanos compensavam com armas, aviões, navios velhos e alimentavam a ilusão.
O ex-embaixador Husain Haqqani perdeu o emprego e quase perdeu a vida porque não fala diplomaticamente. Foi nomeado em 2008 e demitido em 2011, acusado de traidor com base numa carta anônima na qual teria conspirado contra o próprio governo.
As investigações não o condenaram e ele caiu fora do Paquistão. Para liberais e conservadores, Husain era um dos mais brilhantes diplomatas em Washington. Hoje é professor na universidade de Boston, pensador do Hudson Institute, em Washington, conferencista e publica seus ensaios nos maiores jornais do mundo.
Em conferências e entrevistas, ele diz o que dizia quando representava o Paquistão na capital americana, mas não recomenda sua fórmula para diplomatas que querem ter uma carreira longa. Para estes, sugere o comportamento do diplomata mensageiro. Ele foi o que chama de diplomata "ponte". Queria aproximar os dois países.
"Estados Unidos e Paquistão não são e nunca foram aliados", me disse Husain Haqqani na quarta-feira.
"O Paquistão vive obcecado com a Índia, a eterna inimiga que jamais conseguirá destruir ou vencer numa guerra. São 190 milhões contra mais de um bilhão de indianos, também nucleares. Os interesses nacionais dos Estados Unidos e do Paquistão não coincidem, mas não precisam ser inimigos. Há outros interesses comerciais, culturais e até políticos que podem sustentar uma amizade forte, mas não uma aliança militar."
A pergunta que ele mais responde nas conferências e entrevistas é sobre Osama Bin Laden. Quem protegia o terrorista mais procurado do mundo encontrado a poucos quarteirões de uma escola militar no Paquistão?
"Não sei, mas o que incomoda mais é por que o governo paquistanês não quer saber. Não há nenhuma investigação e o médico que se dispôs a ajudar os americanos está na prisão. Foi usado pela CIA para bater na porta da casa de Bin Laden com a desculpa de vacinar as pessoas e conseguir o DNA que identificaria o terrorista. O plano não deu certo. Ele saiu sem o sangue, foi condenado por violar a soberania paquistanesa. Ele espera que um dia sua liberdade seja negociada pelos americanos que deveriam te-lo tirado de lá no mesmo dia da operação que matou Bin Laden."
Os drones, aviões não tripulados, são espinhos nas relações entre os dois países. Há queimas de bandeiras americanas quando morrem inocentes nos ataques, mas, num ano, morreram menos de 200 civis enquanto atentados terroristas mataram mais de 4 mil militares e civis paquistaneses. E ninguém protesta.