11/06/2012
às 20:12 \ Tema LivreFim do conto de fadas: por ciúmes, Elize matou e esquartejou o marido. Conheça passo a passo essa história de horror
(Reportagem publicada na edição de VEJA que chegou às bancas anteontem. Por Laura Diniz e Leonardo Coutinho, com reportagem de Adriana Dias Lopes)
O romance de um rico executivo que se casa com uma bela garota de programa começa como uma história de cinema e termina em tragédia
Uma moça bonita e pobre, nascida no interior, muda-se para a cidade grande e passa a levar a vida como prostituta de luxo, até que conhece um executivo cavalheiro, educado, herdeiro de uma empresa bilionária — e casado.
Ele se apaixona por ela e, depois de três anos de envolvimento, abandona a mulher e a filha pequena para ficar com o novo amor. Durante algum tempo, o casal vive o que parece ser um romance perfeito. Como é próprio dos enamorados, eles fazem de tudo juntos, de cursos de vinho a aulas de tiro. Viajam e frequentam os melhores restaurantes. Ele a cobre de presentes e faz todas as suas vontades.
E terminam aí as coincidências entre a vida do casal Marcos e Elize Matsunaga e histórias de cinema como Uma Linda Mulher, em que o galã interpretado por Richard Gere se apaixona pela garota de programa (Julia Roberts) e os dois vivem felizes para sempre.
A paranaense Elize, de 30 anos, andava atormentada pelo medo de ser trocada por outra mulher e pela possibilidade de perder a guarda da filha de 1 ano. Na noite de 19 de maio, ela assassinou o marido, Marcos, de 42, com um tiro de pistola. Depois, pacientemente esquartejou o corpo, colocou os pedaços em sacos plásticos, que alojou em três malas, e os jogou fora.
Na vida real, o final feliz deu lugar à tragédia. Marcos Matsunaga conheceu Elize Araujo em 2004, em um site na internet, o M.Class, no qual garotas de programa oferecem seus serviços por um preço médio de 300 reais. As fotos bem produzidas da mulher loira, de traços delicados, corpo sinuoso e codinome Kelly chamaram a atenção do jovem executivo de ascendência japonesa.
Marcos sempre foi tímido, mas não a ponto de ser antissocial. Na infância, passada no bairro paulistano do Parque Continental, tinha muitos amigos e gostava de brincar na rua.
Com pais exigentes, figurou entre os primeiros da classe nos colégios por onde passou, dois dos mais tradicionais de São Paulo, o Rainha da Paz e o Santa Cruz. Formou-se nesse último, em 1988. A trajetória escolar impecável culminou na faculdade de administração da Fundação Getulio Vargas, uma das melhores e mais concorridas do país.
Logo que se graduou, começou a carreira na empresa da família, a Yoki, empresa do setor de alimentos fundada por seu avô na década de 60. Foi já como executivo que conheceu Elize, a moça que mudou a sua vida — e provocou a sua morte.
Elize, uma moça do interior
A trajetória dela, até então, havia sido muito diferente da dele. Nascida numa cidade no interior do Paraná com
apenas 20 000 habitantes, Chopinzinho (a 392 quilômetros de Curitiba), Elize foi criada pela mãe, Dilta. Ela trabalhava como empregada doméstica e foi abandonada pelo marido quando a garota era ainda pequena — o nome dele nem sequer consta da certidão de nascimento de Elize.
apenas 20 000 habitantes, Chopinzinho (a 392 quilômetros de Curitiba), Elize foi criada pela mãe, Dilta. Ela trabalhava como empregada doméstica e foi abandonada pelo marido quando a garota era ainda pequena — o nome dele nem sequer consta da certidão de nascimento de Elize.
Aos 18 anos, a moça partiu para a capital paranaense, onde fez um curso técnico de enfermagem.
Chegou a trabalhar em um centro cirúrgico, mas a vida ali também não lhe pareceu interessante, e logo ela se mudou para São Paulo. São os anos mais nebulosos da sua história. A VEJA, a mãe de Elize disse não saber o que a filha fazia naquele período. O certo é que tudo se transformou quando ela conheceu Marcos. Depois de alguns encontros, Elize tornou-se amante do executivo.
Vida dupla e um homem “à moda antiga”
A vida dupla de Marcos durou três anos, até que ele tomou a decisão de pôr fim ao casamento e unir-se à nova mulher. Já moravam juntos quando decidiram se casar, no civil e no religioso. Para a festa com 300 convidados, contrataram um dos bufês mais tradicionais da cidade, o Torres. Para a cerimônia religiosa, procuraram a Igreja Anglicana, já que a Católica, como se sabe, não permite o segundo matrimônio.
Casaram-se em outubro de 2009. Foram os dias de ouro do casal. Os que conviveram com os dois nesse período descrevem Marcos como um homem “à moda antiga”. Abria a porta do carro para Elize e levantava-se da mesa para puxar-lhe a cadeira até quando ela ia ao banheiro.
Juntos, iam à missa, faziam cursos e frequentavam ótimos restaurantes, como o Aguzzo, em Pinheiros, onde eram habitués e amigos do dono, padrinho de casamento do casal.
Diploma de Direito
Colecionavam vinhos — que guardavam às centenas em uma adega climatizada — e armas — de pistolas a fuzis, em um valor total de mais de 500 000 reais. Em 2006, ainda na condição de amante do futuro marido, Elize começou a cursar direito na Universidade Paulista (Unip).
Formou-se no ano passado, mas, mesmo com o diploma, ela nunca mais trabalhou — o marido também preferia assim. Nunca lhe faltou dinheiro, mas ela também não era de esbanjar. Tinha uma Pajero TR4, presente de Marcos, e gostava de joias e bolsas. Também ajudava a mãe e a família em Chopinzinho, mas nunca com grandes somas.
Os ciúmes dela — e o casamento começa a ruir
Dilta ainda trabalha e vive em uma casa modesta no centro da cidade. Elize sempre foi ciumenta, segundo contaram a VEJA ex-empregados do apartamento. O casal que em público era só harmonia brigava bastante dentro de casa, muitas vezes por provocação da mulher. Ela chegou a obrigar o marido a demitir uma secretária, depois de entrar no escritório dele e encontrar os dois sorrindo.
Elize suspeitava de Marcos e constantemente o acusava de flertar com outras mulheres. Mas o casamento começou a ruir para valer em uma viagem que os dois fizeram a Mato Grosso, em 2010.
Fazia algumas semanas que Elize sentia que algo estava errado com o marido. Em um descuido dele, ela flagrou em seu computador uma troca de mensagens com outra mulher. Os dois brigaram e chegaram a falar em separação. De volta a São Paulo, o clima continuou ruim. Foi então que Elize engravidou. O nascimento do bebê amainou a crise conjugal e, ao menos por um tempo, eles voltaram a viver em bons termos.
Nos últimos meses, porém, Elize começou a reclamar que o marido quase não conversava, chegava em casa, fazia sexo, virava-se para o lado e dormia.
Fantasma da traíção
O fantasma da traição voltou. No início do mês passado, ela procurou um advogado de família. Queria saber em que condições poderia conseguir o divórcio e o que lhe caberia em matéria de bens. Quando decidiu visitar a família em Chopinzinho, para apresentar a filha à mãe e à avó, aproveitou a oportunidade para confirmar se estava sendo traída.
Dias antes de viajar, entrou em contato com um detetive que encontrou em um anúncio de revista. Passou-lhe as informações sobre o marido — seu carro, endereços e rotina — e embarcou para a cidade natal. Assim que chegou ao interior do Paraná, o detetive telefonou.
Disse que, na mesma manhã em que Elize partiu, no dia 17, o marido havia se encontrado com uma amante no hotel Mercure da Vila Olímpia. Na noite seguinte, os dois jantaram juntos no restaurante Alucci Alucci, nos Jardins. Em seguida, voltaram ao hotel.
“De volta para o lixo de onde você veio”
Elize acompanhou os relatos do detetive, registrados em vídeo, praticamente em tempo real. Em Chopinzinho, sua família nem desconfiou do que se passava. Ela voltou a São Paulo no fim da tarde do dia 19, com a filha e a babá.
Dispensou a ajudante assim que chegaram à cobertura de mais de 500 metros quadrados na Vila Leopoldina, Zona Oeste de São Paulo. Em seguida, confrontou o marido. Disse que sabia da traição e contou que um detetive contratado por ela havia filmado todos os seus passos. Em meio à discussão, Marcos ainda desceu para pegar uma pizza que haviam pedido por telefone — as últimas imagens dele com vida.
De volta ao apartamento, a discussão continuou. E subiu de tom. “Como você teve a ousadia de usar o meu dinheiro para colocar um detetive atrás de mim?”, perguntou o marido, sem pedir desculpas. “Vou te mandar de volta para o lixo de onde você veio.”
Nesse instante, Elize pegou de dentro de uma gaveta na sala uma pistola calibre 380 que havia ganhado de presente do próprio Marcos e a apontou para o marido. “Você é fraca, não vai ter coragem de atirar. Vou mandar te internar. Não vou deixar minha filha ser criada por você. Nenhum juiz vai dar a guarda a uma prostituta”, ameaçou Marcos.
Nesse momento, ela atirou. A janela antirruído abafou o disparo.
Nenhum vizinho diz ter ouvido o estampido. A filha pequena dormia no quarto.
Na manhã seguinte, Elize esquartejou o corpo do marido com uma faca comprida e afiada — para isso, também lançou mão de seus conhecimentos de anatomia adquiridos no curso de técnica de enfermagem – e guardou os pedaços em sacos plásticos, que jogou à beira de uma estrada.
O que explica crime tão brutal? Embora seja impossível dizer com precisão, especialistas citam um distúrbio psiquiátrico, a catatimia, que se manifesta quando alguém fica remoendo obsessivamente um trauma afetivo, como uma traição, e desenvolve um plano que tem a violência como componente essencial.
Alguns comportamentos de Elize podem ser definidos como catatímicos. Mas não todos. A polícia começou a desconfiar de Elize assim que obteve as primeiras imagens feitas pelas câmeras do elevador do prédio em que a família morava. “Elas mostravam que o Marcos entrou em casa, mas não saiu”, afirma o delegado Jorge Carrasco, chefe do Departamento de homicídios e Proteção à Pessoa.
Ela confessou o crime dois dias depois de ser presa. Passará um longo tempo na prisão, sem direito à herança e sem saber o que será do futuro da filha.
Para Elize, o conto de fadas terminou. Para a família de Marcos, restaram as imagens de um filme de terror.
“VOU TE MANDAR DE VOLTA PARA O LIXO DE ONDE VOCÊ VEIO”
Foi depois de ouvir essa frase que Elize Matsunaga matou o marido, Marcos Matsunaga, conforme relatou à polícia
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O TRONCO É A PARTE MAIS DIFÍCIL
Esquartejar alguém é uma tarefa que requer força, paciência e destreza. Elize Matsunaga demonstrou ter tudo isso — e ainda capacidade de planejamento, no que a ajudaram os conhecimentos de anatomia adquiridos no curso de técnica de enfermagem, feito em Curitiba, antes de se mudar para São Paulo. De acordo com o seu relato à polícia, depois de matar o marido com um tiro na cabeça, ela esperou dez horas para dar início aos cortes.
“O tempo é mais do que suficiente para reduzir a vazão de sangue durante o processo de retalhamento”, diz o médico-legista Marcos de Almeida, professor titular de medicina legal da Universidade Federal de São Paulo. A partir da terceira hora da morte, o sangue coagula. O soro sanguíneo, a parte líquida do sangue responsável pelo transporte das proteínas anticoagulantes, deteriora-se rapidamente, devido à falta de oxigênio.
Sem essas substâncias, o sangue se torna denso, o que reduz seu derramamento. Também depois desse período tem início o processo de rigidez cadavérica. Ele ocorre em razão da falta de glicogênio no organismo, um composto associado aos movimentos musculares. Como as paredes das artérias são forradas por músculos, elas também se retesam, o que contribui para o enrijecimento do corpo.
Ao que tudo indica, Elize sabia onde os cortes deveriam ser feitos de modo a facilitar seu trabalho, realizado com uma faca de lâmina de 30 centímetros. O corpo de Matsunaga foi desmembrado nas articulações. Foram seis grandes cortes — as pernas foram separadas na altura dos joelhos; os braços, na região dos ombros; o tronco, abaixo das costelas; e a cabeça, pelo pescoço (veja o quadro acima).
Para chegar até as articulações, Elize teve de cortar primeiro pele, músculos, tendões e ligamentos. Segundo os médicos-legistas, o mais difícil nesse processo é o rompimento dos ligamentos, estruturas formadas por fibras tão resistentes quanto tiras de couro.
Em seu relato à polícia, Elize contou ter feito mais força no corte do tronco. Os ligamentos da coluna vertebral estão entre os mais robustos do corpo humano. Mesmo que, durante um esquartejamento, o derramamento de sangue seja pequeno, o odor causado pelo líquido e pela carne exposta é sempre intenso. Elize Matsunaga levou quatro horas para esquartejar o marido. Alguém sem os seus conhecimentos anatômicos levaria, no mínimo, seis.
A YOKI FOI VENDIDA NO MEIO DO CASO
Quando Marcos Kitano Matsunaga estava desaparecido, a empresa fundada por seu avô no início dos anos 60, a Yoki, foi vendida por 1,7 bilhão de reais à multinacional americana General Mills, gigante do setor de alimentos e dona de marcas como o sorvete Häagen-Dazs.
A conclusão do negócio em meio ao desaparecimento de um membro da família teria chamado atenção não fosse o fato de que Marcos não tinha influência sobre os destinos da companhia, que passará para o comando da General Mills só no segundo semestre deste ano. O comando da empresa pertence às duas filhas do fundador, Misako, mãe de Marcos, e Yeda. Os respectivos maridos ocupam os principais postos da Yoki, o de presidente e o de vice. Marcos era diretor executivo de exportações.
Uma das 500 maiores empresas do Brasil, a Yoki tem faturamento anual de 1,1 bilhão de reais, nove fábricas e 5 000 funcionários. Sua venda é atribuída, em parte, a uma rixa familiar entre os maridos das donas. Quando o avô de Marcos, morto nos anos 90, começou o negócio, a empresa se chamava Kitano e comercializava apenas cereais e farinhas. No fim dos anos 80, o fundador vendeu uma parte da linha de produtos e, seis meses depois, criou a Yoki — união das primeiras sílabas de seu nome (Yoshizo Kitano).
Um novo ramo também passou a ser explorado: o de produtos prontos como farofa e batata-palha. O sucesso foi tanto que, em 1996, o grupo começou a exportar e, logo depois, recuperou a parte da Kitano que havia vendido. Agora, a família teme que a marca da tragédia fique gravada na trajetória de sucesso da Yoki.
Tags: catatimia, ciúmes, Elize Matsunaga, esquartejou, General Mills, Häagen-Dazs, Julia Roberts, Kitano, M.Class, Marcos Kitano Matsunaga, Marcos Matsunaga, prostituta de luxo, Richard Gere, traição, Uma Linda Mulher, Yoki
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