O segredo e a alma
RUTH DE AQUINO
O segredo é uma palavra que vem do latim secretu. O significado é claro. O segredo é algo que se oculta dos olhos do público. Por vergonha ou por medo das consequências. Os segredos pessoais costumam ser fonte de sofrimento. Os segredos oficiais costumam alimentar uma cultura da obscuridade. São protegidos por razões de Estado, ditaduras e organismos de segurança. Os políticos que têm medo de revelar como votam em questões éticas são, basicamente, covardes. Não merecem nosso voto.
De tanto que a sociedade e a mídia no Brasil morderam a canela do Congresso, o Senado tomou na semana passada uma decisão importante, apesar de limitada. Os senadores – por 55 votos a 1 – aprovaram a emenda que acaba com o voto secreto em processos de cassação de parlamentares. O único voto contra foi do maranhense Lobão Filho (PMDB), excluído da Comissão de Ética e conterrâneo de José Sarney.
O voto do Senado a favor da transparência nos processos de cassação é simbólico. Não vale para o julgamento, no dia 11, de Demóstenes Torres, que caiu em desgraça com o escândalo do bicheiro lobista Cachoeira e hoje está sem partido. O voto aberto é um projeto que emenda a Constituição. Para vigorar, precisa ser aprovado também na Câmara, que está sem pressa nenhuma.
Há quem culpe a massa por votar errado. Mas o Congresso impede o eleitor de saber quem é a favor ou contra. “Medo do que ou de quem?”, pergunta Paulo Cesar Philot Barradas, do Rio de Janeiro, na seção de cartas do jornal O Globo. “Quero saber em quem votei, agora, na hora da verdade. Vote na honestidade. Faça diferente do político sem honra. Não esqueça que seu mandato é curto e que estamos de olho em você.” Paulo Cesar exige que o Congresso o ajude a votar com consciência, e não na santa ignorância. Como tantos de nós.
De tanto que a sociedade e a mídia no Brasil morderam a canela do Congresso, o Senado tomou na semana passada uma decisão importante, apesar de limitada. Os senadores – por 55 votos a 1 – aprovaram a emenda que acaba com o voto secreto em processos de cassação de parlamentares. O único voto contra foi do maranhense Lobão Filho (PMDB), excluído da Comissão de Ética e conterrâneo de José Sarney.
O voto do Senado a favor da transparência nos processos de cassação é simbólico. Não vale para o julgamento, no dia 11, de Demóstenes Torres, que caiu em desgraça com o escândalo do bicheiro lobista Cachoeira e hoje está sem partido. O voto aberto é um projeto que emenda a Constituição. Para vigorar, precisa ser aprovado também na Câmara, que está sem pressa nenhuma.
Há quem culpe a massa por votar errado. Mas o Congresso impede o eleitor de saber quem é a favor ou contra. “Medo do que ou de quem?”, pergunta Paulo Cesar Philot Barradas, do Rio de Janeiro, na seção de cartas do jornal O Globo. “Quero saber em quem votei, agora, na hora da verdade. Vote na honestidade. Faça diferente do político sem honra. Não esqueça que seu mandato é curto e que estamos de olho em você.” Paulo Cesar exige que o Congresso o ajude a votar com consciência, e não na santa ignorância. Como tantos de nós.
Os parlamentares ainda têm medo de retaliação. Mas o voto pela transparência nas cassações é simbólico
O voto aberto, para os otimistas, pode ser o início de uma campanha pela moralização da forma de fazer política. Uma pena que os senadores só queiram abrir o voto nos processos de perda de mandato dos colegas. Nem pensam em abrir o voto na análise de vetos da presidente Dilma ou na indicação de ministros de Tribunais Superiores. O “segredo” é óbvio: os congressistas têm um medo profundo do Executivo e do Judiciário. Medo de retaliação, de vingança, medo de tufões e ariranhas.
“Se os parlamentares não podem assumir plenamente seus votos em relação a outros poderes, isso quer dizer que, do ponto de vista da dinâmica da sociedade, não temos uma democracia propriamente dita”, afirma o psicanalista Joel Birman. “Os poderes são desiguais. Há uma verticalidade. E quem está por cima são o Executivo e o Judiciário. Isso significa que estamos numa ordem política pré-moderna.”
O Brasil está num momento salutar na busca por sua história contemporânea. É a Lei de Acesso à Informação, a Comissão da Verdade. Estamos vasculhando os porões de nossa memória. Fotos e documentos da repressão, das vítimas e dos militantes emergem de arquivos secretos. Lemos depoimentos de pessoas que torturaram e que foram torturadas. São reveladoras algumas convicções dos militares envolvidos com o golpe. Como a ficha de Chico Buarque, em relatório do SNI. Chico era fichado como o “endeusado” representante da “esquerda festiva” que fazia shows com “cenas que feriam a moral das famílias”.
Todos nós temos nossos segredos. Alguns são pueris e inocentes. Outros provocam recalque e pânico. “Nos consultórios, fica claro como os pacientes tentam se livrar do segredo para sofrer menos. O que não é assumido pode virar fonte de mutilação psíquica. Quando se amplia do íntimo para a política, o que testemunhamos não é uma neurose, mas uma perversão”, afirma Birman. Numa sociedade fundada na mentira e na dissimulação, os valores éticos são subjugados a interesses particulares ou de grupos.
Um exemplo é a atitude de Demóstenes. Ele diz que Cachoeira era apenas “um amigo enrolado”. Ao pressionar abertamente na semana passada para que o bicheiro seja ouvido na CPI, o recado é claro. O senador quer apenas que Cachoeira “entregue a quem ele beneficiou”. Soa como chantagem. Ou alguém ainda acredita que não haja beneficiados entre os que vão julgar Demóstenes no Senado – por voto secreto?
O homem comum acha que os incomuns entram na vida pública para enriquecer ilicitamente, empregar parentes, ter imunidade, garantir aposentadoria e plano de saúde integrais. Para enfiar a consciência na bolsa, na meia ou na cueca, e transformar seu voto numa mercadoria do grande balcão onde o segredo é a alma do negócio. Não existe mais ideologia – como disse o guru Maluf para seu convidado Lula. E ainda se exige de mim e de você que saibamos eleger os melhores.
“Se os parlamentares não podem assumir plenamente seus votos em relação a outros poderes, isso quer dizer que, do ponto de vista da dinâmica da sociedade, não temos uma democracia propriamente dita”, afirma o psicanalista Joel Birman. “Os poderes são desiguais. Há uma verticalidade. E quem está por cima são o Executivo e o Judiciário. Isso significa que estamos numa ordem política pré-moderna.”
O Brasil está num momento salutar na busca por sua história contemporânea. É a Lei de Acesso à Informação, a Comissão da Verdade. Estamos vasculhando os porões de nossa memória. Fotos e documentos da repressão, das vítimas e dos militantes emergem de arquivos secretos. Lemos depoimentos de pessoas que torturaram e que foram torturadas. São reveladoras algumas convicções dos militares envolvidos com o golpe. Como a ficha de Chico Buarque, em relatório do SNI. Chico era fichado como o “endeusado” representante da “esquerda festiva” que fazia shows com “cenas que feriam a moral das famílias”.
Todos nós temos nossos segredos. Alguns são pueris e inocentes. Outros provocam recalque e pânico. “Nos consultórios, fica claro como os pacientes tentam se livrar do segredo para sofrer menos. O que não é assumido pode virar fonte de mutilação psíquica. Quando se amplia do íntimo para a política, o que testemunhamos não é uma neurose, mas uma perversão”, afirma Birman. Numa sociedade fundada na mentira e na dissimulação, os valores éticos são subjugados a interesses particulares ou de grupos.
Um exemplo é a atitude de Demóstenes. Ele diz que Cachoeira era apenas “um amigo enrolado”. Ao pressionar abertamente na semana passada para que o bicheiro seja ouvido na CPI, o recado é claro. O senador quer apenas que Cachoeira “entregue a quem ele beneficiou”. Soa como chantagem. Ou alguém ainda acredita que não haja beneficiados entre os que vão julgar Demóstenes no Senado – por voto secreto?
O homem comum acha que os incomuns entram na vida pública para enriquecer ilicitamente, empregar parentes, ter imunidade, garantir aposentadoria e plano de saúde integrais. Para enfiar a consciência na bolsa, na meia ou na cueca, e transformar seu voto numa mercadoria do grande balcão onde o segredo é a alma do negócio. Não existe mais ideologia – como disse o guru Maluf para seu convidado Lula. E ainda se exige de mim e de você que saibamos eleger os melhores.
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