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quarta-feira, 15 de agosto de 2012

Roberto da Matta para Manuel Diégues Jr.

Roberto DaMatta
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Para Manuel Diégues Jr.

15 de agosto de 2012 | 3h 10
Roberto DaMatta - O Estado de S.Paulo

Ofereço esta crônica a Manuel Diégues Jr. como uma prova de afeto e testemunho da importância da sua vida e do seu trabalho para as Ciências Sociais do Brasil. Estava programado para tomar parte na comemoração do centenário de Manuel Diégues Jr. na Academia Brasileira de Letras, mas um imprevisto me impede de estar fisicamente nessa homenagem de modo que a escrita, como símbolo do espírito, torna-me presente, ao lado das minhas desculpas, neste tributo. Homenagem que faço com ternura pelos inúmeros laços que me ligam à família e especialmente ao Cacá (com quem fiz um programa de televisão) e a Madalena, que foi minha orientanda nos velhos tempos de Museu Nacional.
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Sou da geração que estudou os clássicos da Antropologia Cultural em aulas e conferências pronunciadas por alguns praticantes que se tornaram, eles próprios, clássicos. Gente como Florestan Fernandes, Thales de Azevedo, Gilberto Freyre, Luís de Castro Faria, Darcy Ribeiro, Roberto Cardoso de Oliveira, David Maybury-Lewis, Otávio Ianni, Ruth Cardoso, Oracy Nogueira, Eunice Durham, Fernando Henrique Cardoso. Cito os que balizaram direta (como foi o caso de Roberto Cardoso de Oliveira, de David Maybury-Lewis e de Luís de Castro Faria) ou indiretamente (como foi o caso de Fernando Henrique Cardoso) a minha vida profissional e os meus ideais intelectuais. Todos fazem parte, com o nosso homenageado, de uma vasta tapeçaria humana feita de fios de vida e de vidas que são fios nos quais somos reconhecidos porque nela fomos nutridos e amparados.
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Conheci Manuel Diégues Jr. primeiramente pelo seu livro clássico Etnias e Culturas no Brasil. Depois, ao tentar compreender nossa sociedade do meu próprio ponto de vista, li O Engenho de Açúcar no Nordeste, ficando impressionado com a sua riqueza e virtude sociológica. Um pouco além, quando tentei escrever sobre a figura de Nossa Senhora como intercessora - situada entre o divino e o humano -, algo que, no meu entender, caracterizava o feminino na sociedade brasileira e, talvez, no mundo ibérico, analisei o ensaio de Diégues sobre O Culto de Nossa Senhora na Tradição Popular, publicado na Revista Brasileira de Folclore, em 1968. Fiquei impressionado com a amplitude dessa sociologia e, ao mesmo tempo, com o profundo desinteresse que então se demonstrava pela temática simbólica, como era o caso do carnaval, da comida, do jogo do bicho, do futebol, da hierarquia, do personalismo - aí está o mensalão inconcebível em outras terras - e de outras instituições que constituem o mel e o fel da nossa identidade coletiva.
Foi nesse momento que o conheci pessoalmente como diretor do Centro Latino-Americano de Pesquisas em Ciências Sociais da Unesco e foi nesse espaço dirigido por Diégues que o Programa de Pós-Graduação em Antropologia Social do Museu Nacional foi acolhido num momento de crise.
Ao conhecê-lo, esperava encontrar um diretor marcado por posicionamentos e pontos de vista autoritários e irredutíveis (como era comum naquela pobre década e ainda faz parte do papel neste nosso Brasil) mas, pelo contrário, encontrei um tranquilíssimo professor e administrador, mais interessado em saber de livros e pesquisa do que de radicalismos.
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A contribuição de Manuel Diégues Jr. foi tão ampla e democrática como o seu espírito. Por isso ele pôde ser colunista, professor, etnólogo dos engenhos nordestinos, administrador eficiente e autor de um livro permanente: Etnias e Culturas no Brasil. Obra a ser revista em função de um ponto que jamais foi bem entendido no que toca a nossa visão de nós mesmos: a nossa imensa capacidade de equilibrar fatores locais os mais variados e unir polos e papéis sociais que toda a sociologia clássica sempre tomou como opostos e mutuamente exclusivos. Tanto que, em muitas teorias eles seriam os deflagradores de transformações radicais que mudariam definitivamente o curso da História. No Brasil, entretanto, e sobretudo no Brasil de Manuel Diégues Jr. , discípulo de Gilberto Freyre, o Brasil - com todos os seus contrastes e iniquidades sociais e regionais - seria um marco civilizatório original e, quem sabe, senão novo, pelo menos inovador.
Eu vou deixar falar o próprio Manuel Diégues Jr. e espero que vocês possam ouvir novamente a sua voz sempre alagoana e serena: "Na realidade" - diz ele no livro citado - "esse é o quadro de nossos dias; o do pluralismo étnico e cultural que encontra suas raízes em fatores, os mais diversos, vindos do passado; e associando-se, intercomunicando-se, para oferecer esse resultado do Brasil moderno. Nesse passado encontram-se as fontes de onde brotaram as águas que fizeram esse admirável mar de unidade, oferecendo condições para o pluralismo de nossos dias."
Eis o Diégues que foi um pluralista cultural antes do seu tempo e um antirradical no tempo em que a moda era ser intolerante. Louvo-o pelo seu espírito aberto e faço-me presente na comemoração do centenário do seu nascimento com a lembrança de sua personalidade honesta e tranquila. De toda uma vida voltada para o Brasil que compreendeu e amou até mesmo e principalmente por suas contradições. Talvez por isso não tenha recebido o reconhecimento de justiça. Mas assim é a vida e a morte.

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