09-02-2012
Há pouco a cidade acordou com a notícia segundo a qual cinco jovens da nossa festejada classe média tinham espancado um mendigo que dormia numa rua da Ilha do Governador. O miserável estava sendo pisoteado, quando foi socorrido por uma testemunha. Um jovem, do extrato social dos agressores, interveio e foi igualmente agredido. Salvou-o o amigo que o acompanhava. Dois “valentes” foram presos, os outros esconderam-se, o mendigo fugiu e o rapaz que tentou ajudá-lo teve o rosto quebrado. Talvez fique com alguma deformidade.
Há cinco anos, um grupo da juventude emergente da Barra da Tijuca avistou Sirlei Silva num ponto de ônibus, às cinco da manhã. Eram cinco rapazes ao juízo dos quais não era hora de mulher decente andar na rua. Pararam o carro e encheram Sirlei de bordoadas. Presos, ofereceram justificativa singela: acharam que fosse uma prostituta. Sueli, uma doméstica, tinha conseguido que os patrões a liberassem. Ia pegar a filha doente, na favela onde morava, e padecer mais um pouco na fila de um hospital público.
Um ano depois, uma garota de 17 anos, pobre, negra e grávida foi incendiada e morta nos caixotes onde dormia, sob o viaduto dos Marinheiros. Nem um ano mais tarde, um mendigo que dormia no Centro do Rio foi queimado com álcool. Morreu embrulhado em seus trapos, ao lado de uma banca de jornais.
A indignação da opinião pública, exuberante quando Sueli apanhou, encolheu-se nas mortes da grávida e do miserável calcinado. A doméstica tinha patrões influentes, classe média alta da Barra, gente que faz barulho. A negra foi morta por um bandido ao qual a polícia não deu caça. Do mendigo sequer se soube quantos eram os incendiários. Morreram como vítimas da falta de sorte.
Pode ser difícil de entender, mas algo sugere que nem a barbárie nos choca mais. Ao contrário, a repetição nos apascenta os sentimentos, como se só nos movesse desgraça inédita. Não houvesse um jovem estudante ferido no espancamento na Ilha, talvez tivéssemos apenas a alegação de um dos agressores a um policial: só estava tentando tirar o mendigo, que cheirava mal, do caminho onde seu pai se exercita nas manhãs. Como se faz com o lixo.(publicado em Metro-RJ)
Há pouco a cidade acordou com a notícia segundo a qual cinco jovens da nossa festejada classe média tinham espancado um mendigo que dormia numa rua da Ilha do Governador. O miserável estava sendo pisoteado, quando foi socorrido por uma testemunha. Um jovem, do extrato social dos agressores, interveio e foi igualmente agredido. Salvou-o o amigo que o acompanhava. Dois “valentes” foram presos, os outros esconderam-se, o mendigo fugiu e o rapaz que tentou ajudá-lo teve o rosto quebrado. Talvez fique com alguma deformidade.
Há cinco anos, um grupo da juventude emergente da Barra da Tijuca avistou Sirlei Silva num ponto de ônibus, às cinco da manhã. Eram cinco rapazes ao juízo dos quais não era hora de mulher decente andar na rua. Pararam o carro e encheram Sirlei de bordoadas. Presos, ofereceram justificativa singela: acharam que fosse uma prostituta. Sueli, uma doméstica, tinha conseguido que os patrões a liberassem. Ia pegar a filha doente, na favela onde morava, e padecer mais um pouco na fila de um hospital público.
Um ano depois, uma garota de 17 anos, pobre, negra e grávida foi incendiada e morta nos caixotes onde dormia, sob o viaduto dos Marinheiros. Nem um ano mais tarde, um mendigo que dormia no Centro do Rio foi queimado com álcool. Morreu embrulhado em seus trapos, ao lado de uma banca de jornais.
A indignação da opinião pública, exuberante quando Sueli apanhou, encolheu-se nas mortes da grávida e do miserável calcinado. A doméstica tinha patrões influentes, classe média alta da Barra, gente que faz barulho. A negra foi morta por um bandido ao qual a polícia não deu caça. Do mendigo sequer se soube quantos eram os incendiários. Morreram como vítimas da falta de sorte.
Pode ser difícil de entender, mas algo sugere que nem a barbárie nos choca mais. Ao contrário, a repetição nos apascenta os sentimentos, como se só nos movesse desgraça inédita. Não houvesse um jovem estudante ferido no espancamento na Ilha, talvez tivéssemos apenas a alegação de um dos agressores a um policial: só estava tentando tirar o mendigo, que cheirava mal, do caminho onde seu pai se exercita nas manhãs. Como se faz com o lixo.(publicado em Metro-RJ)
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