Paulo Coelho: “A barra vai pesar na Copa do Mundo”
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Paulo Coelho - "Eu era um dos idiotas que acreditavam que a Copa do Mundo melhoraria a infraestrutura do Brasil" (Foto: Andreas Rentz/Getty Images for IWC) |
O escritor brasileiro mais famoso do mundo diz que não vem ao Brasil ver os jogos do campeonato mundial de futebol porque está decepcionado com o governo, a Fifa e os escritores nacionais
LUÍS ANTÔNIO GIRON, DE GENEBRA
05/04/2014 11h33 - Atualizado em 07/04/2014 13h32
O escritor Paulo Coelho tem 66 anos e convive com dois stents no coração por causa de um acidente vascular que sofreu em novembro de 2012. Mas nunca esteve tão jovial como agora. Sempre em estado de exaltação e hiperatividade, casado há 34 anos com a pintora Christina Oiticica, ele está à frente de um movimento de jovens escritores fantásticos que pretendem renovar a ficção literária por meio da interação das redes sociais. Ao longo dos anos, aprendeu a dominar as ferramentas da internet. Isso lhe permite controlar tudo o que acontece em torno de sua obra na rede. Tem 28 milhões de seguidores nas redes sociais, dialoga e interage com seus leitores, que hoje ele prefere chamar de internautas. Seu novo romance,
Adultério (Sextante, 240 páginas, R$ 24,90), conta uma história tradicional de traição, mas inova no método. Pela primeira vez, um grande escritor conhecido mundialmente se valeu das redes sociais para construir enredos e criar personagens. Ele concedeu esta entrevista exclusiva em seu apartamento em Genebra, na Suíça. Enquanto realizava várias tarefas simultaneamente (computador, arco e flecha e orações), abordou os mais variados assuntos, do seu desagrado com o Brasil atual aos avanços do papa Francisco. Não visita o Brasil oficialmente há uma década, nem pretende comparecer à Copa do Mundo, apesar de ser convidado vip da Fifa. Mesmo torcendo pelo Brasil, ele faz previsões não muito otimistas em relação ao evento. Além de temer o aumento da violência dos protestos em torno dos estádios, ele não aposta que o Brasil vai ganhar a Copa. O Brasil corre o risco de ter uma grande decepção. O tema que predominou nessa conversa que durou seis horas foi o de sua predileção: a arte de contar histórias. E sobre isso ele tem muito a ensinar aos desnorteados autores brasileiros. Esta é provavelmente a entrevista mais longa de Paulo Coelho já publicada. E talvez uma das mais densas.
>>Leio trecho de Adultério, de Paulo Coelho
Época - Por que o senhor trocou a França pela Suíça?
Paulo Coelho - Tudo começou em 2006 quando entrei na viagem que a Europa ia começar a proibir imigrantes e exigir vistos. Era paranoia. A Europa está vivendo um momento complicado, desemprego, essas coisas todas. E eles iriam começar a pedir visto para todo mundo, como já houve antes. Eu entrei na paranoia de que precisava ter uma residência europeia, e eu não tinha.
Época -Mas o senhor morava na França, em Tarbes, nos Pirineus, e depois em Paris, não é isso?
Coelho: Eu não morava lá. Eu passava alguns meses lá. Porque se eu morasse eu iria ser grampeado em 60% do meu dinheiro. Não podia exceder três meses de permanência. Tinha só visto de turista e não permissão de residência. Na França não dava. Tinha a Espanha e Portugal.
Época - A França cobra impostos altíssimos. Tanto que o ator Gérard Depardieu abriu mão da cidadania francesa.
Coelho - Eu entendo o Gérard Depardieu que adotou a cidadania russa e não só eles outros artistas franceses que foram embora. Todos eles saíram da França. O imposto na França é bem aplicado, você vê onde ele está, o governo mostra o que está fazendo com ele. O francês tem tudo. Meu advogado é suíço e ele me sugeriu para pedir o visto na Suíça. Eu disse que seria muito difícil. Ele disse que eu tinha meus amigos no país e poderia recorrer a eles. Disse: ‘Faça seu lobby, consiga três cartas e a gente tenta dar um jeito’. A Suíça não é impossível, mas é hiperdifícil, e em certas cidades como Genebra é impossível. O Ivo Pitanguy tem uma casa em Statt, mas aqui não. Eles admitem que o estrangeiro compre uma casa só em certas cidades. Eu queria aquilo que eu tinha na casa dos Pirineus e que não tinha mais em Paris: campo, possibilidade de andar todo dia e aeroporto. Pedi ajuda ao Klaus Schwab, presidente do Fórum Econômico de Davos, pedi ao meu editor e a Adolf Ogi, o presidente da Suíça. Mas o presidente tinha ciúmes de mim. A gente se encontra em alguns comitês, mas não somos amigos. Eu me lembro que eu estava no banheiro com ele, a gente fazendo xixi e eu disse olha, eu vou precisar de uma carta sua me recomendando para ter permissão de residência na Suíça. Ogi foi simpático, político: ‘Deixa que eu quebro, desde que seja dentro da lei.’ Pela resposta, pensei que não iria conseguir. Mas o advogado insistiu e mandou a carta. Um dia depois, a carta de resposta chegou para o meu advogado. Não acreditei. Meu advogado me disse o que aconteceu: ‘A secretária do Ogi, que é sua fã, insistiu que ele deveria assinar a permissão! Botou a carta na frente dele e disse: assina aqui’. Eu tinha a permissão de residência. Basta pagar impostos e não cometer crimes.
Época - E o senhor comunicou a mudança de residência à Receita Federal do Brasil?
Coelho - Sim. Em 2006, comuniquei à Receita de que era residente fiscal em outro país. Aqui pago imposto de cerca de 30% sobre a renda, mais ou menos como o Brasil. Mudei a residência fiscal. Tudo o que eu ganho no Brasil vem para cá, já como imposto retido lá na fonte antecipadamente. Peguei a certidão negativa e cinco anos depois continuo legal. É o sétimo imposto já que vou declarar na Suíça. E aí tem uma série de sutilezas. Eu morava em um outro apartamento aqui perto. Em Genebra não se acha apartamento e é dificílimo uma permissão para morar em Genebra. Em 2009, aluguei um apartamento logo que vim de Paris e me arrependi porque o apartamento tinha sido feito por Le Corbusier, um suíço que fez mal à Arquitetura. Experimentei o que era Le Corbusier. Para mim, nunca mais. Eu disse à Christina que ela tinha três dias para comprar um apartamento, e ela conseguiu um apartamento ótimo de 800 metros quadrados de terraço e só 200 metros quadrados. Lá eu recebia todo mundo, o presidente suíço, o Fernando Henrique Cardoso, todo mundo.. Genebra só pode ser uma quantidade fechada de habitantes: 195 mil.
Época - Em 2009, o senhor resolveu mudar de atitude em relação à imprensa também?
Coelho - Sim. Eu resolvi que não ia dar mais entrevistas porque entrevistas não vendem livros. Eu tinha notado que o contato com comunidades sociais poderosas era melhor, não tanto na época. Eu resolvi lançar meus livros com as redes sociais para não ter que responder perguntas sobre o que faço com meu dinheiro, como eu explico o meu sucesso etc. Aí a minha agente, Mônica, insistiu que eu desse uma entrevista para uma televisão da Suécia.
Época - Aliás, entrevista como a que estamos fazendo está virando um gênero raro, porque as pessoas estão se auto entrevistando pela internet.
Coelho - É claro, elas postam no Twitter. Quando tem que declarar alguma coisa, faz pela internet. Eu topei a entrevista para a Suécia. A mulher veio até o meu apartamento e imaginava que eu morava em um castelo. Aí fui ler o post no Twitter dela no dia seguinte e ela disse que eu morava em um cabana. Não era cabana. Era um apartamento de cinco cômodos. A pessoa tem mania de grandeza projetada na celebridade. Eu fui dar uma entrevista e a mulher me esculhambou.
Época - O senhor morava em uma cabana com muito amor em Genebra...
Coelho - Pois é, uma cabana em uma cidade com o metro quadrado mais caro do mundo. Eu entendi aquilo como um sinal de que eu devia mudar. Resolvi comprar outro apartamento. Vim ver este em Champel, gostei, tem terraço, lareira, tiro ao alvo, supermercado. Aqui perto, tem tudo o que eu preciso. Eu fui falar com o advogado e ele disse que ninguém podia ter apartamento, exceto os suíços. Só com uma permissão de residência com direito a trabalhar aqui, que leva dois anos. A saída foi usar meus contatos, e levei dois meses. E aí comprei este apartamento e ainda não vendi o outro. E posso trabalhar aqui. Eu posso abrir uma loja, ser empregado de alguém etc. Por isso que me mudei para cá.
Época - Por que o senhor escolheu Genebra para viver, uma cidade considerada entediante?
Coelho - Todo mundo me pergunta isso. É um lugar praticamente habitado por suíços, e as pessoas são raras e vão para casa cedo. Mas é uma das cinco cidades do mundo que têm a maior qualidade de vida: sistema de saúde e transporte, e segurança. São três coisas fundamentais para mim.