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segunda-feira, 20 de junho de 2016

"Quando ousaste foste homem!" / Luiz Felipe Pondé

segunda-feira, junho 20, 2016

'Quando ousaste foste homem!' 

- LUIZ FELIPE PONDÉ

FOLHA DE SP - 20/06

Quem disse essa frase que está no título acima? Se você conhece a obra do autor em questão, já sabe quem disse essa famosa frase. Ela foi dita num contexto de uma peça em que a personagem feminina, uma das mais famosas da literatura clássica, fala para seu marido, que naquele momento se encontra reticente em levar adiante o plano que apresentara a ela momentos antes.

Essa frase carrega em si uma concepção de homem (gênero) que sempre foi muito comum em nosso imaginário: aquele, como diz nossa famosa personagem, que tem coragem de seguir seu desejo e suas ambições.

Essa mulher diz essa frase porque seu marido recuou num projeto específico, que faria dele rei. Mas qual concepção de homem é esta? Trata-se da concepção segundo a qual um homem é medido pela ousadia e coragem acima de qualquer limite moral.
O filósofo Adam Smith, no século 18, temia que o avanço da sociedade comercial (o que alguns chamam de sociedade de mercado, outros de capitalismo) destruísse as chamadas virtudes guerreiras do homem, fazendo dele um "contador de dinheiro" sem ambição nenhuma além de acumular riquezas materiais por meio dos negócios.

Interessante observar que muitos estudiosos da pré-história levantam hipótese semelhante quando da nossa passagem da condição de caçador coletor para a de agricultor, preso à terra, sem poder "ser ousado", sempre escravo da colheita a vir. Na condição de agricultor, o homem tornara-se temeroso dos riscos de perder todo o cultivo sob a ameaça de invasores. A perda da mobilidade em nome do "patrimônio" teria feito o agricultor mais covarde do que o caçador coletor.
No mundo contemporâneo, o processo de acovardamento do homem é crescente. Mas isso é apenas consequência da civilização enquanto tal, no seu modo crescente de domesticação dos afetos e dos humores.

De volta à nossa personagem feminina. Sua frase magnífica cobra de seu marido que volte à ousadia que demonstrara quando de sua ideia "genial" de matar o rei Duncan da Escócia, a fim de tomar seu trono. Já sabe de qual mulher estou falando?

Seu marido, guerreiro reconhecido como virtuoso pelo próprio rei (estamos na Idade Média), se pergunta, afinal, por que ele não poderia ser rei, uma vez que era absolutamente acima da média em comparação aos outros homens à sua volta.

Momentos depois, quando o rei Duncan se encontra na casa do casal em questão, o marido de nossa famosa personagem, em conversa com ela, demonstra dúvidas com relação ao plano inicial de matar o rei e tomar seu trono. Demonstra ter medo das consequências do seu ato.

Sim, estamos falando do casal Macbeth, da peça homônima de Shakespeare. A frase em questão é dita pela Lady Macbeth diante das dúvidas de seu marido quanto a levar a cabo o assassinato do rei.

A frase "quando ousaste foste homem" representou para a fortuna crítica o reconhecimento dessa mulher como a maior vilã da literatura ocidental, talvez equiparada a Medeia, na tragédia homônima, com a diferença que Medeia, ao assassinar seus filhos com Jasão, tinha pelo menos a desculpa do ciúme e do desespero diante do fato de ser trocada pela princesa, mais jovem e mais bela, que ela também matará. O ódio de Medeia é de alguma forma compreensível.

A fala de Lady Macbeth não teria a mesma justificativa. Ela, em vez de apoiar seu marido em suas dúvidas morais, se desespera diante da aparente covardia dele.

Ao dizer que ele era mais homem quando ousava, Lady Macbeth falava da mais atávica das expectativas de uma mulher para com seu homem. Claro que, diante da monstruosidade que seu marido realizará, ela se arrependerá do que disse.

Nunca achei a Lady Macbeth um monstro. Sempre vi nela apenas uma expectativa feminina para com a masculinidade, expectativa esta já há muito inexistente.

O mundo contemporâneo jamais produzirá uma Lady Macbeth. Não haverá mais quaisquer expectativas quanto à masculinidade. O conceito caducará. Restará apenas o estuprador, o frouxinho e o menino bonzinho. O futuro próximo nos legará uma vida pequena, farta de cacarecos e cheia de tédio.

terça-feira, 6 de março de 2012

Cuidado, por favor: viver, escrever e falar é muito perigoso....


02/03/2012
 às 11:25
Pelo mundoVida literária

Houaiss, Shakespeare e outros crimes

Envergonhado com a ação do procurador de Uberlândia contra o dicionário Houaiss, por suposto crime de racismo numa das acepções do verbete “cigano” (verbete que, por via das dúvidas, já foi tirado do ar na versão online do dicionário, tornando o caso ainda mais deprimente)? Console-se pensando no estado americano do Arizona, onde uma campanha de extremistas de direita do Tea Party contra os “estudos étnicos” na rede educacional acaba de botar na lista negra, entre outros autores, um tal de William Shakespeare.
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O escritor Michel Laub esqueceu a reverência no banco do táxi, pegou a crônica A um jovem, de Carlos Drummond de Andrade – publicada no livro “A bolsa & a vida”, de 1962 – e editou os 31 conselhos literários que o poeta dá a um certo Alípio para transformá-los num decalogozinho mais ao gosto da era digital. O resultado contém alguns toques de atualidade perfurocortante:
Se sentir propensão para o ‘gang’ literário, instale-se no seio de uma geração e ataque. Não há polícia para esse gênero de atividade. O castigo são os companheiros e depois o tédio.
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Jonathan Franzen está sendo – de novo – bombardeado por acusações
de misoginia, desta vez devido às observações no mínimo deselegantes que enfiou num ensaiosobre Edith Wharton para a “New Yorker”.
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Quem a esta altura ainda não viu a surpreendente aula-espetáculo (abaixo) dada por Rubem Fonseca – escritor famoso por ser um recluso, mas só para consumo doméstico – no evento literário português Correntes d’Escritas, em Póvoa de Varzim? O vídeo divide opiniões. Há quem torça para o autor de “Feliz ano novo” estender ao território nacional aquele humor performático de professor de cursinho, em consideração aos nativos que o consagraram. Outros adorariam vê-lo de volta à velha reclusão, desta vez para não sair mais.