Postagem em destaque

Faça um título ...🙏

Mostrando postagens com marcador presente. Mostrar todas as postagens
Mostrando postagens com marcador presente. Mostrar todas as postagens

sábado, 14 de junho de 2014

Como será o Brasil depois da Copa ? Vai esquecer 'ser do Futuro' e viver o Presente ? // Juan Arias

A Copa nos ajuda a descobrir que o Brasil já é um país normal

Nos surpreende a normalidade do Brasil hoje, um país que acreditávamos e parecia ser diferente e que começa a agir como os outros do planeta


Se a segunda Copa do Mundo realizada no Brasil está tendo uma virtude é que ela começa a revelar um país normal e não "diferente". Até junho passado, quando dois milhões de brasileiros saíram às ruas em várias cidades para exigir transportes, hospitais e escolas "padrão FIFA" e para protestar contra o esbanjamento na organização da Copa, o Brasil, como se dizia durante uma época na Espanha, era considerado "diferente".
O chamado país da bola era também o do samba, das garotas de Ipanema, da alegria e da preguiça tropical. E do atraso. Um país como o que as propagandas de roteiros turísticos mundiais apresentam às vezes.
Um Brasil politicamente anestesiado, porque apareceu de repente como sexta maior potência econômica do mundo, com um líder messiânico que o conduzia da escravidão de uma pobreza atávica à terra prometida da classe média.
E, enquanto as ruas e praças de meio mundo se enchiam de "indignados" com seus protestos contra uma política considerada arcaica e fossilizada no mundo da comunicação global, o novo Moisés brasileiro era invejado e objeto de desejo de outros países que também gostariam de tê-lo como líder.
Não lhe basta que seja o poder quem explique ao mundo como é o Brasil. Ela [a rua anônima] também quer contar
O Brasil parecia alheio às agitações das ruas que sacudiram meio mundo em busca de novas formas de participação cidadã e que exigiam maior qualidade de vida para todos e mais decência nos locais de poder político e econômico. Não existiam indignados no Brasil.
O país continuava sendo misteriosamente diferente, feliz e até orgulhoso com o pouco que tinha, diferenças das quais, fora de suas fronteiras, tantos tinham inveja e saudades, incluindo no rico primeiro mundo.
De repente, por estes milagres que o acaso às vezes cria ou pelo acúmulo de exigências reprimidas, o Brasil, embalado pelo eterno mantra de país "do futuro", despertou e começou a exigir o presente.
A partir deste momento, o Brasil começa a surpreender o mundo, desta vez pelo paradoxo de seu repentino inconformismo. Surpreende hoje a "normalidade" de um país que parecia e que acreditávamos diferente. Já não é mais, e começa a agir como os demais.
O Brasil parecia alheio às agitações das ruas que sacudiram meio mundo em busca de novas formas de participação cidadã [...] Não existiam indignados no Brasil
Por isso vive a paixão da Copa, mas já não é somente futebol, e vive de forma diferente do que no passado, com mais normalidade, o que não significa que sem paixão – pois ela existe, e muita, mas como em tantos outros países normais.
Esta Copa acaba por demonstrar tudo isso. Enquanto os que dirigem o país se desfazem em pedidos para que os brasileiros das passeatas mostrem uma boa imagem para o mundo, a mesma que mostravam antes da sua revolta, os brasileiros se empenharam em quebrar o encanto, em quebrar o próprio espelho mágico para se apresentarem como são e como pretenderão ser, e não como diziam que eram.
O Brasil quer se mostrar ao mundo, consciente ou inconscientemente, como um país mais global, normal, com suas luzes e sem ocultar suas sombras; com suas virtudes, que são muitas, e sua idiossincrasia de país acolhedor para os estrangeiros, multirracial e plural religiosamente – como está demonstrando a recepção às equipes de fora – e ao mesmo tempo inconformado com a degeneração da velha política e suas corrupções e esbanjamentos, incômodo com as ainda muitas discriminações sociais e disposto, com suas lutas, a exigir o que acreditam lhes pertencer de direito.
Negar-se a compreender essa metamorfose, insistindo em chamar este novo Brasil de "ingrato" e com tentações de voltar ao passado, poderá ser um grave erro porque, ao contrário, este país está escolhendo o caminho da modernidade, da normalidade, do que hoje floresce no resto do mundo.
Os brasileiros se empenharam em quebrar o encanto, em quebrar o próprio espelho mágico para se apresentarem como são e como pretenderão ser, e não como diziam que eram
Preferiu sair, ainda que nu, do paraíso no qual o haviam colocado e compartilhar a sorte de outros países órfãos de política, errantes pelo deserto da incerteza.
E nesta orfandade e dor de não saber às vezes para onde caminha, pode ocorrer de tudo: críticas ao poder até ontem idolatrado; lutas duras que acabam às vezes em atos de violência – em alguns casos contraproducentes, e, em outros, como defesa contra uma excessiva violência institucional. Ou greves reivindicativas, ou pedidos em faixas e palavras de ordem, pois também ela, a rua anônima, quer ter voz, já que não lhe basta, como no passado, depositar um voto na urna de quatro em quatro anos.
Não lhe basta que seja o poder quem explique ao mundo como é o Brasil. Ela também quer contar.
Vamos condenar os brasileiros, inseridos já social e economicamente entre os países que contam no planeta, por quererem ser um país normal, por mais que isso possa doer aos que preferiam que fosse diferente, talvez por ser mais cômodo, mais fácil de manipular e menos perigoso?

terça-feira, 22 de janeiro de 2013

"É o partido do poder quem serve ao Brasil, e não o contrário"


ROBERTO DAMATTA - 12/01/2013 10h00 - Atualizado em 18/01/2013 16h34
TAMANHO DO TEXTO

2013 – Ano Velho ou Novo?

ROBERTO DAMATTA
Enviar por e-mail
|
Imprimir
|
Comentários
ROBERTO DAMATTA é antropólogo, autor de Carnavais, malandros e heróis (1979) e Pé em Deus e fé na tábua (2010) (Foto: Guillermo Giansanti/ÉPOCA)
Perguntaram a Santo Agostinho de onde vinha o tempo, e ele disse: o tempo vem do futuro que ainda não existe; passa pelo presente, que não tem duração; e vai para o passado que não existe mais. Não tenho nenhuma afinidade com futurologias e sofro de aversão a previsões, sobretudo quando anunciam ideias grandiosas. O século XX (com duas grandes guerras e vários holocaustos e barbarismos) é a melhor prova do poder destrutivo de receitas para melhorar o mundo – como o nazismo, o comunismo e os vários autoritarismos latino-americanos, todos marcados por um excesso de credos com seus inevitáveis e sedutores milenarismos.

Mas concordo com Santo Agostinho que estamos todos num gigantesco trem histórico chegando à estação 2013 para, em seguida, deixá-la e esquecê-la. Penso que o ano de 2013 reafirmará nosso desejo de permanecer brasileiros. O que temos consolidado nesta primeira década deste século XXI não é a visão tremendamente pessimista que tínhamos na entrada do século XX. Uma visão marcada pela teoria do “quanto pior, melhor”. Realmente, na alvorada do século passado, pelos 1913, vivíamos uma intensa instabilidade política justamente porque a República de 1889 proclamava no papel uma igualdade de todos perante a lei – a regra de ouro da democracia republicana – por cima de uma sociedade cuja experiência e rotina era aristocrática, escravocrata e hierárquica. Nossa instabilidade do século passado se explica pela dissonância entre a República, com seus ideais de igualdade e liberdade, e uma sociedade constituída de barões, bispos, senhores de engenho e ex-escravos cujas rotinas se faziam fora do igualitarismo do mercado e, acima de tudo, de um civismo ausente e ignorado por suas elites.
Além da mestiçagem condenada pelo racismo vigorante em todo o mundo, tínhamos um hibridismo sociopolítico resultante de um longo processo histórico, durante o qual acasalamos misturas com o ideal simples da igualdade democrática. Nesta Terra de Santa Cruz os portugueses casavam com as índias e se acasalavam com as negras. Surgiu daí um sistema marcado por uma imensa verticalidade, mas sem as distâncias sociais que eram o marco da colonização-padrão adotada pelos modelos europeus, sobretudo do inglês, francês e holandês. Mesmo o sistema espanhol era muito mais rígido do que o nosso quando, em 1808, a corte portuguesa veio para o Brasil e nosso país passou a ser o centro de um imenso domínio colonial.
Depois do mensalão, não se admite mais que quem governa possa ter mais privilégios que os governados
Convenhamos que, com esse passado, fazer funcionar (ou nem sequer compreender) uma República – ou seja: um futuro de cidadania e de igualdade, numa cultura cujo passo foi marcado pelo escravismo e pelas etiquetas dos baronatos e dos catolicismos cuja preocupação era “um lugar para cada coisa e cada qual em seu lugar” – não é uma tarefa fácil. Pois, como ensina Santo Agostinho, passado, presente e futuro são muito mais misturados do que pensa nossa vã filosofia.
É nesse contexto histórico que devemos compreender as idealizações do “Estado” como mais importante agente de mudança da sociedade, bem como sua brutal autoridade. A estadolatria e a estadomania – a noção segundo a qual o salvador do sistema é o “Estado” – tiram da sociedade seu papel. Esse papel que hoje começamos a criticar quando verificamos que tem sido a idealização do “Estado” a responsável pelos messianismos esquerdistas e direitistas, bem como dos surtos autoritários do getulismo e do governo militar, ao lado do interlúdio com uma vivência democrática – conturbada por esse mesmo estatismo – nos governos de Juscelino, de Jânio e de João Goulart.
No meu entender este século XXI não permite mais a leitura do Brasil como um combate entre capitalismo e socialismo, mas – eis a novidade – obriga a ver como problema a sintonia entre governantes e governados. Ninguém, depois da experiência desses governos petistas, pode admitir que quem governa possa ter mais privilégios do que os governados. Ou, em outras palavras, que ser do partido ou do “governo” signifique isenção de punições. 2012 será lembrado, sobretudo, pelo mensalão. Serão as implicações e reações a esse julgamento – que resultou em condenação a prisão de todo cardinalato petista, inclusive de seu “capitão do time”, José Dirceu – que vão certamente marcar 2013. Suas resultantes podem significar o fechamento do sistema democrático e do liberalismo no Brasil por crises institucionais de vários calibres – entre o Supremo e o Congresso, ou pela castração da Promotoria-Geral da República ou da mídia. Poderão, em sentido oposto, significar maior abertura e demanda de mais igualdade cívica e jurídica.
Mas isso não é tudo, pois este 2013 vai ser marcado pelos desdobramentos morais inevitáveis do “affaire” Lula-Rosemary Noronha, um caso cuja lógica vem reiterar a resistência e o poder dos laços pessoais na vida coletiva do Brasil. O que esse caso revela com todas as letras é a intimidade transformada em mecanismo de aristocratização de agentes e, muito pior que isso, de agências do Estado. A rede centrada em Rose tem a mesma lógica do “você sabe com quem está falando?” e do “jeitinho”. Ela mostra como redes de relações pessoais ultrapassam a lógica do mérito e do bem-estar social, esse centro de qualquer sistema republicano. Se os cargos públicos são negociados entre amigos, se agências governamentais importantes, inventadas para ampliar eficiência e decisões independentes, são ocupadas por parceiros da amiga do presidente, vai pelo ralo a ideia de um distanciamento mínimo entre pessoa e cargo. Entre governo e Estado. Entre partido político e nação.
Temos, pois, a seguinte equação: 2013 será ano novo se pudermos prosseguir na demanda por um sistema mais igualitário. Um sistema no qual o Estado trabalhe para a sociedade, e o governo tenha em mente o Brasil como um todo em suas decisões. É o partido do poder quem serve ao Brasil, e não o contrário.