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segunda-feira, 9 de setembro de 2013

sexta-feira, 13 de julho de 2012

Harém ////// Martha Medeiros / Revista O Globo, julho de 2005


Jul 31, '05 1:44 PM
para todos
Início:     Jul 31, '05
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TODO HOMEM MERECE UM HARÉM/ toda mulher também”. Letra da música “Poligamia”, do novo disco do Kid Abelha. Ouvi dizer que já pipocaram reações e que até andaram pedindo para o CD não ser vendido para menores de idade. O que me conforta é que, sempre que escrevemos “ouvi dizer”, há uma grande chance de termos ouvido invenções e exageros.

Porque, se for verdade, eis mais uma razão para desacreditar no bom humor, na leveza, na tolerância, em tudo o que torna a sociedade menos engessada. Ora, analisemos a situação com um mínimo de boa vontade. Não são as letras de músicas que ditam as regras de comportamento. Elas apenas refletem o que já existe, o que se consagrou nas ruas. “Não sou de ninguém/eu sou de todo mundo/e todo mundo é meu também”, lembra? Cantamos, dançamos, nos fartamos desta canção e o Brasil não virou mais Sodoma e Gomorra do que já é. A ficação vem rolando solta nas festas e bares desde muito antes de ter inspirado este libelo tribalista ao amor livre. Se é uma conduta saudável ou deprimente, vai depender da expectativa de cada praticante. Não é quem está de fora que vai decretar o que é certo e errado nas relações dos outros.

O casamento tradicional, monogâmico e indossolúvel é um ideal romântico e tem adeptos no planeta inteiro, mas não é a única forma de relacionamento que existe e, diante de tantas transformações da sociedade, já não se pode garantir que seja a melhor. Cada um sabe o que lhe convém. Por que a liberdade de escolha ainda é considerada tão transgressora?

Casamentos abertos, troca de casais, amizades coloridas, relações entre pessoas do mesmo sexo, triângulos amorosos, adultérios, há de tudo nesta vida, sempre houve, inclusive na minha e na sua árvore genealógica, não espalhe. O cardápio é variado. Quem saboreava um bom casamento monogâmico pode, anos depois, considerar outro tipo de arranjo. Maturidade não significa enrijecimento, significa abertura e compreensão dos desejos humanos. Sem precisar aderir. Paula Toller não está convocando a platéia para um liberou geral, não há razão para choque. É apenas uma música, um ponto de vista, uma provocação, um verso. Relax.

Por incrível que pareça, ainda há dificuldade de se respeitar o estilo de vida do sujeito que mora ao lado. Quem pretende amar uma única pessoa a vida inteira, que desfrute deste imenso prazer e que não aceite ser chamado de careta, porque o que nos faz feliz nunca será uma caretice. Mas se há quem se empolgue com a idéia de um harém, que desfrute. Não patrulhemos aqueles que realizam nossas fantasias mais secretas.

Os “crimes” cometidos em nome do desejo não são coisa de agora, existem desde que Adão foi apresentado a Eva. Se houve uma mudança é que passamos do regime fechado para o regime semi-aberto. Ganhamos um alvará de soltura. Podemos trabalhar, amar e cantar quem somos e o que desejamos em plena luz do dia. Mas sem plano de fuga: à noite, ainda voltamos para dormir em casa.

Fonte: O Globo 31.07.2005
Pintura: Adão e Eva - Tamara de Lempicka