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quarta-feira, 2 de dezembro de 2015

O Politicamente Correto precisa de um discurso mais correto, ou seja, menos preconceituoso


GUILHERME FIUZA

Uma banana para a patrulha racial

Helio de La Peña e Daniel Alves trocaram o rancor pela inteligência, ao zombar do preconceito

GUILHERME FIUZA
23/11/2015 - 08h20 - Atualizado 23/11/2015 08h20
A humorista Ju Black Power contou nas redes sociais que foi processada porque disse que era preta. Ou seja: foi alvo de uma ação judicial por preconceito racial contra si mesma. Ju faz sucesso com as características físicas que a natureza lhe deu, não tenta parecer o que não é, apenas trata com irreverência os tabus relacionados à cor da pele. Qual é, então, seu pecado? Seu pecado é não ser uma militante racial – imperdoável para a indústria cada vez mais poderosa do politicamente correto.

Vamos repetir: trata-se de uma indústria. Um mercado que não para de crescer, proporcionando gordos lucros da política às artes, da notoriedade ao voto. Ou talvez seja melhor falar em vultosos lucros, porque “gordos” pode ofender alguém. Juliana Oliveira, a Ju Black Power, que trabalha com Danilo Gentili, respondeu assim à inacreditável acusação de racismo contra si mesma: “Pô, preto é f... mesmo, hein?”. O bom entendedor sabe que Ju não está atacando os negros. Está atacando a hipocrisia da patrulha, com ironia. Infelizmente, bons entendedores estão em falta, e ironia só com tradução simultânea.

Nesses tempos estranhos, em que você é a bandeira que carrega, a atriz Taís Araújo foi à delegacia dar queixa de comentários boçais no Facebook. O racismo e os racistas não poderiam conseguir publicidade melhor. Sempre haverá meia dúzia de espíritos de porco arremessando suas idiotices a esmo. Num jogo do Barcelona, com todo o aparato de punições para condutas impróprias nos estádios europeus, um torcedor arremessou uma banana na direção do jogador Daniel Alves. Ele se preparava para cobrar um escanteio e, sem perder o tempo do jogo, sem pausa solene, apanhou a banana, descascou, comeu e fez a cobrança. Em cinco segundos, Dani Alves devolveu o racista a sua insignificância, e mostrou ao mundo que o melhor a fazer com um idiota é condená-lo a ficar a sós com a sua idiotice.

Toda a solenidade que o jogador do Barcelona negou aos idiotas, Taís Araújo lhes concedeu. Redigiu um comentário sentido, grave, dizendo que não vai baixar a cabeça, entre outros brados estoicos. Baixar a cabeça? Taís Araújo? Por causa dos parasitas do Facebook? Há algo errado aí. No mínimo um erro de proporção. A atriz disse que sente o julgamento pronto para qualquer atitude sua que desagradar. Vão dizer: “Aquela neguinha metida”. Taís Araújo, neguinha metida? Onde?

No Brasil, Taís Araújo não é uma neguinha metida. É uma atriz talentosa, linda e consagrada. Em 2004, protagonizou Da cor do pecado, novela de João Emanuel Carneiro em que fazia par com Reynaldo Gianecchini. A Globo não só ganhou a aposta numa protagonista negra fora dos estereótipos raciais, como o sucesso gerou um dos produtos da emissora mais vendidos no exterior. O público aprovou totalmente Taís Araújo como mocinha. E lá se vão mais de dez anos de carinho e reverência dos brasileiros por essa atriz. Seu lugar na cultura brasileira hoje não é o de uma atriz negra, é o de uma atriz excelente.

Numa entrevista anos atrás ao programa Roda viva, depois de meia dúzia de perguntas sobre racismo, o cantor e compositor Seu Jorge indagou: “Será que nós podemos falar de música?”. Em 20 anos de sucesso com o Casseta e planeta, o humorista Helio de la Peña satirizou Obama, Michael Jackson e grande elenco. Respondeu ao preconceito que sofreu na vida da forma mais eficiente possível: ridicularizando o preconceito. Substituiu o rancor pela inteligência – como fez Daniel Alves. Ainda teve de convencer o movimento negro de que o disco Preto com um buraco no meio era apenas a descrição do vinil – episódio que já tem mais de um quarto de século. O Brasil parece mesmo um disco arranhado.

Taís Araújo ressalvou, em seu desabafo, que preferia não estar falando disso ainda em 2015. É realmente lamentável. Mas a série de TV que ela protagoniza com Lázaro Ramos está falando disso. Ninguém de boa-fé quer supor que a atitude da atriz ao amplificar os boçais de seu Facebook – e todas as entrevistas em jornais e TV decorrentes disso – seja uma forma de divulgação. Mas a essa altura do campeonato, com ações bizarras como a que acusa uma humorista de discriminar a si mesma, é o caso de se perguntar: quem ganha cavando trincheiras?