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domingo, 7 de janeiro de 2018

Vídeo de Tradutores de Direita aponta semelhança entre Brasil e Venezuela ...

domingo, janeiro 07, 2018


SAIBA IDENTIFICAR OS CANALHAS QUE DESEJAM TRANSFORMAR O BRASIL NUM LIXÃO COMUNISTA COMO A VENEZUELA


Mais uma postagem a partir do grande trabalho que os Tradutores de Direita vêm realizando em seu site e na sua página do Faceboook. E neste início de 2018 os tradutores vêm fazendo uma retrospectiva de 2017 e o caso da Venezuela não poderia ficar de fora. Afinal, foi em 2017 que o tiranete Nicolás Maduro e seus asseclas, incluindo-se aí as Forças Armadas, assestaram o golpe de misericórdia nos últimos vestígios de democracia. Conseguiram realizar in totum o projeto do Foro de São Paulo, a organização comunista criada por Lula a mando de Fidel Castro com a finalidade de aplicar o dito “socialismo do século XXI” em todo o continente latino-americano.
Na postagem do vídeo que ilustra esta matéria em sua página do Facebook, os Tradutores de Direita comentam o conteúdo do vídeo neste texto-legenda: 
“O Socialismo do Século XXI não se difere do Socialismo do Século XX por apresentar melhores resultados, mas sim na maneira como foi implantado na América Latina: ao invés da revolução, os comunistas chegaram ao poder pacificamente, pelas vias democráticas. Já no poder, moldaram o Estado à sua imagem e semelhança: implodiram as instituições democráticas, minaram a independência entre poderes, aparelharam as Forças Armadas, desarmaram a população e armaram suas milícias. No vídeo abaixo, Tucker Carlson, da Fox News, descreve a crise na Venezuela, um país que flutua no petróleo mas suas crianças estão morrendo de fome e os opositores do regime estão sendo presos e mortos. Qualquer semelhança com o projeto de poder que foi iniciado no Brasil NÃO é mera coincidência.”
Vou mais além. Não deixem de ler:
Sim, não é mera coincidência. O golpe comunista no Brasil foi abortado com o impeachment da Dilma, resultado de um mega movimento popular que levou milhões de brasileiros às ruas. Mas não foi apenas por isso. É que a luz vermelha da falência econômica do Brasil acendeu enquanto ao mesmo tempo a Operação Lava Jato eviscerou a víbora vermelha de cujo ventre obeso e fétido verteu a gosma da corrupção e da roubalheira desvairada e até então mantida em segredo sob o manto da impunidade total e irrestrita.
Mas isto não quer dizer que o fantasma tétrico do Socialismo do Século XXI foi liquidado. O que se teve foi um impeachment meia boca que pisoteou a Constituição ao manter intactos dos direitos políticos da Dilma. Em síntese, o establishment consentiu o impedimento da Dilma para atenuar a pressão popular. Afinal, quem assumiria o poder, como de fato assumiu, era mais do mesmo. Ou mais do que isso, o velho MDB que nasceu para ser o coiteiro oficial da vagabundagem comunista até que os militares fossem alijados do poder. 
Com o regime de 1964 afastado escancarou-se a porteira e todos os vagabundos, picaretas, mentirosos e ladrões retornaram ao poder, desta feita - vejam só - como heróis! E muitos ainda foram premiados com o dita “bolsa ditadura”. Dentre esses trastes encontram-se dezenas de jornalistas. São aqueles que os leitores mais atilados indentificam pela forma como escrevem sem jamais tocar no principal. Aliás, muitos desses vermes rendiam rapapés e salamaleques a Lula e sua gentalha, até que explodiu o petrolão. Costumam escrever histórias das carochinhas quando as amenidades tratam de escamotear a dura realidade.
E não se espantem. Toda essa gente continua no poder e almeja transformar  o Brasil numa nova Venezuela. Explica-se: numa ditadura comunista os áulicos do regime podem roubar com segurança, impunemente. Por isso é que em todo regime comunista impera a fome, a insegurança e o terror. Haja vista que Cuba na década dos 50 do século passado era um país próspero e virou um favelão. Há dezenas de vídeos no Youtube enfocando Cuba nos anos anteriores ao golpe comunista de Fidel Castro que comprovam esta realidade.
E, por incrível que pareça, Lula e sua gentalha não têm apoio apenas dos psicopatas comunistas, mas de todo o establishment composto pelos políticos, a grande mídia e os grandes empresários e banqueiros. A essa gente interessa um regime de viés chinês, ou seja, zero de liberdade política e total libertinagem econômica, um alegre contubérnio dos ricos e da classe média com a ditadura.
Isto explica não só o comportamento da grande mídia mas o silêncio obsequioso das classes de alta renda e até mesmo da classe média que vive com as unhas fincadas nas tetas estatais. Para essa gente um regime comunista é um maná. E esta é a razão pela qual a hipótese da venezuelização do Brasil não é uma fantasia, uma simples retórica política, mas uma ameaça real acalentada por essa malta de chupins, falsários e oportunistas. Afinal, todos esses tipos como os quais nos deparamos diariamente são os primeiros a arrotar o arroto fétido contido na afirmativa: “olha, sabe de uma coisa? Esse Lula ainda acaba se elegendo”.
Quando você leitor ouvir isso de alguém esteja certo de que você está falando com o tipo mais baixo, ordinário e vagabundo da face da Terra, ou seja, um chupim oportunista. É por causa desse desgraçado que você amanhã poderá estar catando restos de comida nos lixões com a baioneta de um soldado sobre a sua nuca. Como na Venezuela.

quinta-feira, 22 de dezembro de 2016

A propina espalhada pela América Latina e África...// El País


A propina da Odebrecht fora do Brasil: Venezuela, Argentina, Peru e Angola

Países estão em lista de 11 nomes divulgados pelas autoridades americanas como parte de acordo


Hidrelétrica no Peru construída pela Odebrecht.

A gigante brasileira da construção civilOdebrecht tinha uma máquina bem azeitada de pagamento de propinas na América Latina para tentar obter ou manter contratos de obras públicas. De 2001 até este ano, a empresa realizou ou mandou fazer pagamentos que somam cerca de 439 milhões de dólares em 11 países fora do Brasil, nove deles latino-americanos, segundo investigação que vem sendo realizada nos Estados Unidos. A partir desses pagamentos, a empreiteira obteve ganhos de mais de 1,4 bilhão de dólares.
A Odebrecht e seu braço petroquímico, a Braskem,admitiram à Promotoria norte-americana a responsabilidade pelo pagamento das propinas, descoberto no quadro da investigação de corrupção na Petrobras, segundo anunciou o departamento de Justiça dos EUA nesta quarta-feira. As duas empresas chegaram a um acordo para pôr fim ao processo em curso nos Estados Unidos, Brasil e Suíça mediante uma multa de 3,5 bilhões de dólares –a mais elevada da história para esse tipo de caso.
A Odebrecht, grupo presente em 28 países, com 168.000 funcionários, utilizou sociedades fantasmas e contas bancárias em diversas partes do mundo para gerenciar as propinas pagas a funcionários ou intermediários, com as quais procurava garantir uma “vantagem imprópria” em relação a seus concorrentes, segundo os documentos da investigação.
O país latino-americano em que o grupo fez mais pagamentos irregulares foi a Venezuela (98 milhões de dólares), seguida da República Dominicana (92 milhões). Fora da América Latina, a Odebrecht também corrompeu funcionários em Angola e Moçambique. No caso do Brasil, os pagamentos giraram em torno de pelo menos 349 milhões de dólares (1,2 bilhão de reais).
A seguir, algumas das irregularidades registradas em países latino-americanos:

Argentina

Entre 2007 e 2014, a Odebrecht pagou mais de 35 milhões de dólares para intermediários de funcionários ligados a três projetos de infraestrutura. As propinas geraram ganhos à empresa no valor de 278 milhões de dólares.

Venezuela

No caso da Venezuela, os pagamentos foram de 98 milhões de dólares, para vários intermediários que disseram ter acesso direto a empresas públicas. O objetivo da Odebrecht era obter informações confidenciais sobre projetos e garantir concessões.

México

No caso do México, os pagamentos somaram 10,5 milhões de dólares, entre 2010 e 2014, gerando ganhos de 39 milhões. A investigação revelou, por exemplo, que em outubro de 2013, a Odebrecht pagou seis milhões a um alto executivo de uma empresa pública mexicana em troca de um contrato.

Colômbia

Entre 2009 e 2014, a empreiteira gigante pagou propinas na Colômbia no valor de 11 milhões de dólares, que lhe geraram ganhos de 50 milhões em contratos. O grupo possui dois contratos na Colômbia. Não se sabe se o acordo judicial pode ou não atingi-los de alguma forma.
Segundo o vice-presidente da Colômbia, o regulamento anticorrupção do país estabelece que qualquer condenação internacional em termos de corrupção inabilita uma empresa por 20 anos para efeito de obtenção de contratos com o Estado, como informa Ana Marcos, de Bogotá.

República Dominicana

As propinas pagas entre 2001 e 2014 chegam a 92 milhões de dólares. Foram destinadas a intermediários que influenciaram na aprovação de projetos que geraram ganhos de 163 milhões.

Peru

A Odebrecht pagou propinas no valor de 29 milhões de dólares para funcionários do Governo entre 2005 e 2014 para obter contratos públicos. Os ganhos foram de 143 milhões de dólares. Um exemplo: em 2005, um funcionário se ofereceu à empresa para ajudá-la a obter um contrato, que ela, de fato, acabou ganhando. Essa ajuda custou 20 milhões de dólares.
Segundo veículos de comunicação locais, a Promotoria peruana pediu na semana passada à Justiça brasileira o acesso à investigação que está sendo realizada sobre as obras de um gasoduto da Odebrecht no país.

quarta-feira, 25 de maio de 2016

“O caminho reto estava perdido”. Dante, Divina Comédia / Olhar da escritora Cristina Marcano sobre a situação da Venezuela

Um extravio chamado Venezuela

Escritora narra, em primeira pessoa, a rotina dos que vivem entre o caos e o desafio de seguir adiante

Confronto entre a Guarda Nacional e manifestantes em um bairro rico de Caracas, em 2014.


“O caminho reto estava perdido”. Dante, Divina Comédia

1

O momento em que seu olhar se depara pela primeira vez com um fuzil na entrada de um supermercado é inesquecível. Você está desprevenida pensando no almoço e, de repente, é surpreendia por esse longo cano preto tão fora de lugar. A minha primeira vez foi em uma manhã ensolarada de 2012. Talvez o soldado que exibia a arma também se lembre. Ele parecia estar desconfortável, como se estivesse estreando nessa missão. Franzia a testa em uma vã tentativa de endurecer o seu rosto de menino.


Tinha sido enviado para lá para evitar tumultos. Os clientes se alinhavam em uma fila, como formigas, para comprar o produto mais comum de nossa dieta: farinha de milho para fazer arepas. Outro soldado, tão jovem como ele, cuidava da retaguarda naquele enorme mercado localizado em frente uma das estações de metrô mais movimentadas de Caracas(Venezuela).
Atravessei o parque do Leste, um oásis de 82 hectares de onde a vista do Ávila –uma montanha muito verde ao norte da capital venezuelana– é tão esplêndida que recarrega a energia e o otimismo.
Uma hora depois, ao retornar, a fila permanecia tão longa quanto, como se o tempo tivesse parado. Os soldados no mesmo lugar, na mesma posição. A fila estava do mesmo tamanho, enquanto alguns clientes saiam com sua carga de quatro quilos de farinha dentro de um saco plástico branco. À época, aquilo não era tão comum. Começava a acontecer esporadicamente.
Apesar da tensão política que nos agoniava há muito tempo, ainda levávamos uma vida bastante normal, dentro do padrão latino-americano. Nossa principal preocupação era a violência, essa epidemia implacável que nos encurrala. O maná venezuelano era vendido a quase 100 dólares por barril e 98% dos venezuelanos comiam três vezes ao dia, de acordo com a Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura (FAO).
Aquele encontro inesperado com o fuzil no mercado foi, no entanto, um mau presságio, o prólogo antecipado de um livro que estava por ser escrito. O presidenteHugo Chávez tinha vencido sua última reeleição há poucas semanas, mas perdia a batalha contra o câncer. Todos nós sabíamos que ele estava morrendo. Assim como morreria em breve a fantasia do petróleo. Assistíamos ao final de uma utopia.

2




Meninos fantasiados no Carnaval de 2014, um ano depois da morte de Chávez. NATALIE KEYSSAR


É provável que tenha feito calor demais durante o Carnaval de 2014. Ou que os uniformes camuflados fossem daquele poliéster que raspa a pele. Ou, simplesmente, que os meninos de boina vermelha tenham ficado tempo demais na mesma posição, sobre a caminhonete cheia de balões vermelhos e fotos de quando Chávez era candidato presidencial. O fato é que esses pequenos, fantasiados como o herói de seus pais, estão entediados até a morte, alheios a seu papel na construção do mito.
O desfile transcorre ao ritmo do samba no Paseo de Los Próceres, em frente ao maior forte militar da Venezuela, e o ministro do Turismo celebra a operação do feriado –“a festa mais legal”–. A atmosfera é de tensão, desafio e medo.
O país está há duas semanas em ebulição. O barulho dos fogos de artifício se confunde com o dos tiros. O sol mais radiante, com a névoa mais escura. Os protestos contra a insegurança, a inflação e a escassez, iniciados pelos estudantes e liderados por um setor da oposição, estão no auge. Há uma batalha feroz em várias cidades. E se multiplicam –espontânea ou artificialmente– as queixas que nos dividem.
Enquanto se comemora em Los Próceres, não param de cair bombas de gás lacrimogêneo, balas e golpes contra os manifestantes. Nem pedras e coquetéis molotov contra a polícia e os soldados que chegam às zonas de combate com tanques e motocicletas, às vezes acompanhados de civis. Há ruas bloqueadas por lixo, paus e pneus. A lista de feridos ultrapassa 250. A de detidos supera mil.



Policial da tropa de choque nas manifestações de 2014, no bairro abastado de Altamira, em Caracas.NATALIE KEYSSAR


Ainda não se acabou de assentar a terra nas sepulturas de 18 vítimas. Jovens que estavam na linha de frente ou que fugiam da polícia, universitários de rostos apagados por espingardas, policiais e soldados baleados, algum passante com péssima sorte, uma grávida desprevenida, motoristas surpreendidos por barricadas. Pessoas que estavam a favor ou contra o governo, mas que nunca pensaram que isso lhes custaria a vida.
Em um dia passamos do Carnaval mais longo e delirante que já tínhamos vivido à comemoração do primeiro aniversário da morte do Comandante Supremo e Eterno, com um programa de 10 dias para lembrar o Cristo dos pobres. Assim é descrito por seu herdeiro, o presidente Nicolás Maduro.
A luta nas ruas não acaba e se prolonga por várias semanas. Até  somar 43 mortos, mais de 800 feridos, 3.351 presos e dezenas de denúncias de tortura. A Procuradoria admite 183 violações de direitos humanos e 166 de tratamento cruel. Por esses dias, tudo parece preto e branco. Mas nada é tão uniforme como alguns querem fazer parecer. Enquanto um soldado bate ou atira para matar, outro aponta a arma e pisca um olho para que você fuja rapidamente.
Que tão perigosa é essa belíssima jovem que leva uma etiqueta de "estudante venezuelana" no coração? Que tão feroz é a agente de polícia que humaniza sua vestimenta de choque pintando os lábios de cereja? Quais são os seus antagonismos reais, suas diferenças irreconciliáveis? Será que as duas não compartilham esse estado perene de frustração e medo em que todos nós vivemos por causa dos grandes recordes registrados na Venezuela? Nada menos do que a maior inflação do mundo e a criminalidade mais mortal da América do Sul.

3

Amarelis López desperta na escuridão, acende a luz e se veste rapidamente. Hoje é o seu dia. Às 4h da manhã, quando chega ao supermercado, outros caçadores esperam no estacionamento. A visão de um fuzil não surpreende ninguém. Faz parte da paisagem. A enfermeira, com paciência evangélica, se dispõe a esperar de pé enquanto for necessário.



Uma estudante em uma manifestação na cidade de San Cristóbal, durante os protestos de 2014. NATALIE KEYSSAR


O Governo estabeleceu turnos, de acordo com o último número da carteira de identidade, para a compra de 50 produtos básicos que são subsidiados e cuja distribuição é controlada pelos militares. Na sexta-feira, por exemplo, é o dia daqueles que têm documentos terminados em 8 e 9. Além disso, antes de pagar, é preciso colocar o dedo sobre uma máquina de leitura de impressões digitais, como na imigração dos Estados Unidos, para confirmar que você realmente é você.
Fazer uma compra de produtos básicos se tornou um pesadelo, mas se pode facilmente comprar 453 variedades de vinho, 28 de uísque escocês e 20 de champanhe se você tem muito dinheiro. Ou uma mostarda Dijon com geleia de laranja da La Grande Épicerie de Paris.
Passaram-se três anos da morte de Chávez. Algumas pessoas carregam seu rosto ou sua assinatura tatuados no corpo. O conflito não acaba. Seus fiéis sentem a falta dele mais do que nunca.
Quem diria que debaixo dessa superfície maltratada, onde as pessoas esperam horas para comprar farinha, onde se rouba a comida das crianças de uma escola primária, há um verdadeiro oceano de petróleo? As maiores reservas do planeta Terra: 296,5 bilhões de barris. E a quarta maior de gás. Minas de ouro suficientes para que até mesmo as Forças Armadas explorem uma parte. E diamantes e coltan.
Somos um paradoxo amargo: o país rico mais pobre do mundo. Cegado por essa sorte que caiu do céu, sempre acreditando que as vacas gordas são eternas. O boom desinflou. A chuva de petrodólares cessou. Outra vez. Como nos anos 1980, quando um presidente assumiu o cargo alertando que recebia "um país hipotecado". Estamos tão arruinados que dá raiva. Na pior falência que já experimentamos.



Menino brinca em um parque no dia das últimas eleições. NATALIE KEYSSAR


As receitas – 96 de cada 100 dólares provêm da exportação de petróleo – já não são suficientes para continuar importando 70% do que comemos, a grande maioria dos medicamentos e milhares de outras coisas. Passamos da abundância à tragédia de ter que vagar de comércio em comércio farejando alguma presa, às vezes deixando a farmácia com um nó na garganta e de mãos vazias.
Cinco horas depois de chegar, Amarelis sai chateada, com dois quilos de leite em pó. Nada mais. Na sexta-feira passada não conseguiu nada regulado. "Não tenho arroz, nem farinha, nem pão, nem café. Estamos tomando café da manhã com cazabe[biscoito de farinha de mandioca]. Você acha que isso é justo?", exclama explosivamente, ignorando as lições de seu Senhor. Ele entenderá que sua ovelha está há muitos meses nesse suplício.

4

O Governo atribui a escassez e a inflação, que em 2015 atingiu o recorde histórico de 180,9%, a uma guerra econômica do imperialismo. E a oposição culpa o governo. Mas mesmo as explicações mais intelectualizadas dos economistas não servem de alívio para a maioria dos 30 milhões de venezuelanos que empobrecem vertiginosamente.
Belkys Márquez tem quatro filhos, com idades entre 6 e 14 anos. Trabalha como caixa de banco. É esse tipo de pessoa que sempre sorri quando fala. Exceto quando conta, com algum constrangimento, que não pode jantar porque a comida não é suficiente. Três em cada 10 venezuelanos estão na mesma dieta forçada. São 13,4% os que comem uma vez por dia e apenas 53% podem fazer as três refeições. Isso é o que revela uma pesquisa realizada pelo Instituto Venezuelano de Análise de Dados (IVAD) em abril e divulgada na imprensa local.



Mulher carrega pacotes de farinha para arepas, um dos produtos básicos em falta. NATALIE KEYSSAR


O salário mínimo –que aumentou, por decreto, em 50% até agora este ano— é realmente mínimo em comparação com a inflação dos alimentos: 254,43% em um ano (setembro de 2014 a setembro de 2015), segundo o Banco Central. Belkys ganha 501,6 bolívares por dia, mais 664 de bônus de alimentação: 1.165 bolívares por dia. Isso é o que custa uma arepa com queijo na rua. No total, 33.636 bolívares mensais, cerca de 110 reais no mercado negro.
Também é minúsculo em relação ao custo da cesta básica, que inclui 58 produtos para uma família de cinco membros, e em março passado custava 142.853 bolívares (mais de quatro vezes sua renda atual).
Esse preço também é inacessível para muitos profissionais de classe média, médicos, advogados, engenheiros. O salário diário de um professor universitário, com doutorado em Columbia, equivale a três cervejas.
Algumas vezes Belkys teve que recorrer aos bachaqueros, como eles chamam os revendedores em referência a bachaco, uma formiga grande e voraz. Subornando a quem for preciso –militares, distribuidores, empregados—, eles compram e vendem produtos regulamentados até 40 vezes mais caros. Um quilo de arroz, de 25 bolívares por 1.040; um de farinha, de 19 por 800; uma caixa de ovos (30 unidades), de 420 bolívares por 2.200. Em qualquer fila são reconhecidos de imediato. Vão em grupos, com ar ameaçador, e estão dispostos a te mostrar uma faca se você reclamar. Eles se adiantam, entrem na frente e acabam comprando mais do que todo mundo. Os bachaqueros vendem seus produtos abertamente nas calçadas de áreas populares. Alguns têm, até mesmo, serviço de entrega em domicílio para a minoria que pode pagar.
As pessoas chegaram ao limite. Nervosas –encolerizadas– é a palavra mais ouvida. E explodem a intervalos cada vez menores. Sem importar que haja fuzis à vista, saem da fila, amontoam-se na porta, arremetem e entram, passando por cima dos vidros quebrados e de quem ficar no caminho. Na Semana Santa aconteceu 21 vezes. Em média, foram três saques por dia. O relato é do vice-presidente, Aristóbulo Istúriz. Os protestos de rua se multiplicam. Contra a escassez, por melhores salários, contra os apagões e a falta de água. A exaustão é sentida em cada esquina. A exaltação faz centenas de militares ficarem nas ruas.
A situação é tão extrema que o chefe do Ministério da Alimentação, um general do Exército, percorre áreas populares com sacolas de comida (arroz, farinha, macarrão, frango, óleo), à frente de uma operação de venda de casa em casa. O Estado tem uma rede de 22.000 pontos de armazenagem, distribuição e expedição de produtos.Quando voltaremos a ir normalmente ao mercado?

5

Na Venezuela há as pessoas mais afetuosas. E também os criminosos mais frios e impiedosos. E seres que sofrem mutação nesse caldo de punição e impunidade, tão fora do usual, tão inédito, num Governo com uma presença militar tão forte e tão extensa. Seres como os que sobem nas redes sociais, vídeos de ladrões em chamas, vítimas das mais macabras representações de Fuenteovejuna [localidade espanhola palco de um linchamento no século 15]. Nos quatro primeiros meses deste ano houve 74 linchamentos, em que metade dos delinquentes morreram, segundo o Ministério Público. Média de mais de 18 por mês. Fartos de pedir segurança e justiça, sem conseguir, entre e 60% 65% da população aprova a barbárie, segundo pesquisa do Observatório Venezuelano da Violência (OVV).



O comissário Rafael Graterol, em seu escritório no perigoso bairro de Petare. NATALIE KEYSSAR


Sobrevivemos há tanto tempo com tanto medo. Num estado de alerta permanente, com um olhar estroboscópico. Enclausurados atrás de muros e cercas sem fim. Preocupados com um enxame de motociclistas anárquicos, sem conseguir distinguir quais estão armados e dispostos a estourar os miolos de quem não lhes entrega o celular, a carteira ou o carro.
Somos jogadores involuntários de uma tétrica loteria que a cada meia hora despacha alguém desta para a melhor. Por dia, 52. Por mês, 1.565.
Um morro de 4.696 no primeiro trimestre deste ano. Uma montanha de 17.778 pessoas em 2015 (índice de 58,1 por 100.000 habitantes, segundo o Ministério Público). Ou uma cordilheira de 27.875 venezuelanos (90 por 100.000), segundo o OVV. Enterros e cremações demais, milhares de órfãos, viúvos, pais desolados.
Os sequestros expressos estão em alta – e se dolarizaram, com a queda do Bolívar. Os sequestradores podem tratar bem a vítima ou bater nela. Conformar-se com o que a pessoa leva, se acreditarem que a família está em dificuldades, só tendo o bastante para as despesas do dia. Ou largá-la na estrada, como um cachorro, atirando em suas nádegas. Alguns fazem a gentileza de dar dinheiro para o táxi, depois de pago o resgate. Outros matam.



Quadrilha de sequestradores do violento bairro de Antimano, em Caracas, em um dos locais onde escondem suas vítimas. NATALIE KEYSSAR


Que tipo de sequestrador é o destes três jovens mascarados que posam com altivez, e talvez com docilidade, para a câmera? Um deles confidencia à fotógrafa que não encontrou outra forma de sair da pobreza. Que, na verdade, não querem fazer mal a ninguém. Mas esclarece: “Se eu te sequestrasse e você me tratasse com respeito, pegaríamos seu dinheiro e você viveria. Mas se não, teria que te matar. Não pensaria duas vezes”.
Pergunto-me se a pistola que ele empunha como se fosse um prolongamento de sua mão terá pertencido a algum policial assassinado para sua arma ser tomada. Como Osmary Tavare, de 27 anos, morta com um tiro na cabeça enquanto fazia de bicicleta uma patrulha pelo Leste de Caracas numa bela manhã de abril.
No ano passado, 344 funcionários do setor de segurança, 65 deles militares, foram assassinados para o roubo de suas armas de foto, segundo dados da ONG Fundepro. A
caçada é brutal. Os agentes são alvos ambulantes. Os bandidos, que se juntam em quadrilhas cada vez maiores, ficaram tão ousados que se atrevem a atacar com granadas quartéis da polícia.
Yohangel Márquez, de 33 anos, acabou nesse túmulo em que uma cruz se eleva sobre um grosso tapete de flores, rodeado por mulheres com sombrinhas. Estava sem uniforme, numa festa ao ar livre, quando um bandido a reconheceu e esvaziou o revólver em seu rosto. Márquez trabalhava na polícia do Estado de Miranda. Não é o primeiro agente que o comissário Rafael Graterol viu cair. Em suas pupilas apagadas parece haver funerais em excesso. Em seus ombros curvados, mais de uma batalha perdida.



Enterro de Yohangel Márquez, policial de 33 anos assassinado por um criminoso em Miranda. NATALIE KEYSSAR


6.

Já ouvi algumas pessoas perguntarem como é possível que, num lugar tão decomposto, nada aconteça. Mas por acaso não acontece muita coisa? Esperam uma explosão popular com muitos mortos, como o Caracazo de 1989? Uma guerra civil? Ou talvez outro golpe militar como o de 1992, ou como o de 2002, ou como tantos de nosso avultadíssimo repertório histórico de aventuras e ditaduras militares?
Nesta contradição de 912.000 quilômetros quadrados, que agora parece um túnel sem final, quantos estão realmente dispostos a se matar? Nesta ferida da qual fugiram mais de um milhão de venezuelanos nos últimos anos, a enorme maioria trava uma luta comovedora e contínua para viver e criar seus filhos em paz. Uma luta ao rés do chão, menos estridente, mas muito mais admirável do que qualquer épica.
Eis aí essa multidão de rostos sorridentes ao sol. Com uma esperança à prova de fracassos. Como este verso de Wislawa Szymborska que diz: “Minha fé é cega, forte e sem nenhum fundamento”. Eis aí essa roupa branca, impondo-se ao muro carcomido. Essa roleta eleitoral, que a cada vez que gira emudece as trombetas do Apocalipse. Essa mão que aponta o caminho mais desejado neste extravio chamado Venezuela.



Roupa estendida no bairro chavista 23 de Janeiro. NATALIE KEYSSAR


Cristina Marcano é jornalista e escritora. Autora, com Alberto Barrera, do livro Hugo Chávez sem uniforme: uma história pessoal (2005, editora Gryphus).