Estádios
Elefantes brancos: África do Sul é um alerta para o Brasil
Passados três anos do Mundial, o país tem vários estádios muito pouco usados - entre eles, o mais bonito (e mais caro) de todo o Mundial, na Cidade do Cabo
Giancarlo Lepiani
O Cape Town Stadium, na Cidade do Cabo, África do Sul - David Rogers/Getty Images
A Copa Africana deste ano seria uma chance de ouro para defender os investimentos feitos para 2010. O que se viu nos estádios, porém, só reforçou a impressão de que as arenas de 2010 não foram bem dimensionadas e planejadas pelos sul-africanos
É difícil encontrar em qualquer lugar do mundo um estádio de futebol mais bonito que o da Cidade do Cabo, na África do Sul. A construção em si já é notável: seu sinuoso formato faz lembrar uma onda, e sua cobertura, de fibra de vidro, permite a entrada de luz natural, reduzindo os gastos com energia elétrica. Para completar, seu cenário é absolutamente espetacular, com vista para a Montanha da Mesa, principal cartão postal da Cidade do Cabo, e cercado por um parque, à beira do Atlântico, próximo de Robben Island, onde Nelson Mandela cumpriu a maior parte de seus 27 anos de prisão. É a principal arena de uma cidade de grande porte - a segunda maior da África do Sul, com 3,5 milhões de habitantes -, e tem localização privilegiada, com fácil acesso a partir da região central. Com tantos atrativos, é de se imaginar que o estádio tenha uma agenda concorrida e seja bastante rentável. Três anos depois de sua inauguração, contudo, a realidade é bem diferente. Erguido a um custo superior a 1 bilhão de reais, ele passa boa parte do ano absolutamente vazio e sem uso. Como a liga de futebol local não costuma atrair grandes públicos, seu aluguel fica caro demais para as equipes da cidade (Ajax Cape Town e Santos). O esporte favorito na região, o rúgbi, tem seu próprio palco na Cidade do Cabo, o estádio Newlands, um velho templo da modalidade. Sobram para a arena erguida para a Copa do Mundo de 2010 alguns amistosos da seleção sul-africana e os shows de artistas como U2, Coldplay e Red Hot Chili Peppers. São as únicas ocasiões em que o estádio fica cheio e dá dinheiro. Só que esses eventos não são frequentes o bastante para pagar a conta da manutenção do local. Os custos operacionais chegam a cerca de 13 milhões de reais por ano. E o rombo financeiro provocado por sua construção, ao invés de diminuir, só cresce.
Leia também:
Prepare o bolso: os elefantes brancos estão à solta no paísÁfrica do Sul-2010 e Brasil-2014: o que copiar e o que mudar
O estádio da Cidade do Cabo não é o único caso de desperdício de dinheiro entre as arenas erguidas na África do Sul para o Mundial de 2010. Ele é, porém, o exemplo mais preocupante a ser analisado por um país como o Brasil, que se prepara para realizar uma Copa em que pelo menos quatro cidades-sede não têm perspectivas claras de receita para sustentar suas arenas depois do torneio. Já era esperado que estádios erguidos ou reformados em cidades menores, como Nelspruit, Port Elizabeth e Polokwane, fossem pouco aproveitados após 2010. Com populações pequenas e pouca atividade esportiva profissional, essas localidades já esperavam ter seus próprios elefantes brancos quando a Copa terminasse. Quando se trata da Cidade do Cabo, porém, fica claro que as trapalhadas das autoridades sul-africanas foram responsáveis pelo fiasco, já que a cidade é grande, rica, relevante e costuma receber um grande fluxo de visitantes durante quase o ano inteiro. Um projeto bem realizado poderia viabilizar um futuro rentável para a nova arena. Os sul-africanos, no entanto, caíram no mesmo erro que muitos dos estádios da Copa de 2014 estão cometendo: construir uma arena moderna pensando apenas no curto período em que a competição é disputada, e não pensar desde já em como mantê-la útil e lucrativa depois do Mundial. Desde a semifinal entre Uruguai e Holanda, a última partida da Copa a ser disputada na Cidade do Cabo, diversas soluções foram cogitadas para tentar resolver o problema do estádio. Falou-se, por exemplo, em simplesmente demolir a arena, numa tentativa desesperada de conter a sangria de dinheiro provocada pela necessidade de conservar o local. Um sindicato chegou a defender a transformação do estádio num grande complexo de moradias populares, já que a Cidade do Cabo é uma das cidades de maior desigualdade social do planeta, com mansões de frente para o mar separadas por poucos quilômetros de barracos de zinco. Por enquanto, tudo segue como está.
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O estádio da Cidade do Cabo não é o único caso de desperdício de dinheiro entre as arenas erguidas na África do Sul para o Mundial de 2010. Ele é, porém, o exemplo mais preocupante a ser analisado por um país como o Brasil, que se prepara para realizar uma Copa em que pelo menos quatro cidades-sede não têm perspectivas claras de receita para sustentar suas arenas depois do torneio. Já era esperado que estádios erguidos ou reformados em cidades menores, como Nelspruit, Port Elizabeth e Polokwane, fossem pouco aproveitados após 2010. Com populações pequenas e pouca atividade esportiva profissional, essas localidades já esperavam ter seus próprios elefantes brancos quando a Copa terminasse. Quando se trata da Cidade do Cabo, porém, fica claro que as trapalhadas das autoridades sul-africanas foram responsáveis pelo fiasco, já que a cidade é grande, rica, relevante e costuma receber um grande fluxo de visitantes durante quase o ano inteiro. Um projeto bem realizado poderia viabilizar um futuro rentável para a nova arena. Os sul-africanos, no entanto, caíram no mesmo erro que muitos dos estádios da Copa de 2014 estão cometendo: construir uma arena moderna pensando apenas no curto período em que a competição é disputada, e não pensar desde já em como mantê-la útil e lucrativa depois do Mundial. Desde a semifinal entre Uruguai e Holanda, a última partida da Copa a ser disputada na Cidade do Cabo, diversas soluções foram cogitadas para tentar resolver o problema do estádio. Falou-se, por exemplo, em simplesmente demolir a arena, numa tentativa desesperada de conter a sangria de dinheiro provocada pela necessidade de conservar o local. Um sindicato chegou a defender a transformação do estádio num grande complexo de moradias populares, já que a Cidade do Cabo é uma das cidades de maior desigualdade social do planeta, com mansões de frente para o mar separadas por poucos quilômetros de barracos de zinco. Por enquanto, tudo segue como está.
Confira as demais reportagens da série:
Terça-feira: As capitais dos estádios vazios - e as cidades que mereciam as vagas delas
Quarta-feira: Na capital federal, nasce o principal elefante branco da turma de 2014
Quinta-feira: A ilusão das 'arenas multiuso', que só dão lucro nas metrópoles
Sexta-feira: Como ganhar dinheiro com um estádio - a lição dos grandes da Europa
No início deste ano, a África do Sul teve uma rara oportunidade de abrir os portões de alguns estádios do Mundial - a realização da Copa Africana de Nações, o equivalente africano da Copa América ou da Eurocopa. O torneio deveria acontecer na Líbia, mas a revolta que derrubou a ditadura de Muamar Kadafi tornou impossível a realização da competição naquele país. Com a transferência repentina para a África do Sul, cinco sedes foram utilizadas: Nespruit, Port Elizabeth, Rustemburgo, Durban e a metrópole Johannesburgo, cujo Estádio Soccer City, o palco da abertura e da final do Mundial de 2010, repetiu esse papel no torneio continental. A Copa Africana seria uma chance de ouro para o governo ganhar munição para defender os investimentos feitos para 2010. O que se viu nos estádios, porém, só reforçou a impressão de que as arenas da Copa não foram bem dimensionadas e planejadas pelos sul-africanos. Em boa parte dos jogos, o público foi decepcionante. As arquibancadas quase vazias mostraram mais uma vez que cidades menores e sem grande tradição esportiva não são boas sedes para um torneio do porte de uma Copa. Johannesburgo, por outro lado, aparece como o único caso de sucesso no país do último Mundial. O Soccer City costuma receber bons públicos em partidas de futebol, já que a metrópole é a casa dos maiores times e das maiores torcidas do país (Kaizer Chiefs e Orlando Pirates, os rivais do "dérbi de Soweto"). Também abriga shows de grande porte e recebe um fluxo razoável de turistas em suas visitas guiadas ao estádio. Para completar, a cidade ainda se beneficia das obras realizadas fora da esfera esportiva. Hoje, a maior cidade sul-africana tem um aeroporto amplo, confortável, seguro e moderno - não há nada similar no Brasil. Se antes era preciso ficar preso no trânsito num táxi entre o aeroporto e o centro, agora bastam doze minutos num trem limpo, rápido e eficiente - e a nova linha, chamada Gautrain, ainda liga a cidade à capital, Pretória. Nessa parte, faria muito bem ao Brasil copiar os sul-africanos.
Terça-feira: As capitais dos estádios vazios - e as cidades que mereciam as vagas delas
Quarta-feira: Na capital federal, nasce o principal elefante branco da turma de 2014
Quinta-feira: A ilusão das 'arenas multiuso', que só dão lucro nas metrópoles
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No início deste ano, a África do Sul teve uma rara oportunidade de abrir os portões de alguns estádios do Mundial - a realização da Copa Africana de Nações, o equivalente africano da Copa América ou da Eurocopa. O torneio deveria acontecer na Líbia, mas a revolta que derrubou a ditadura de Muamar Kadafi tornou impossível a realização da competição naquele país. Com a transferência repentina para a África do Sul, cinco sedes foram utilizadas: Nespruit, Port Elizabeth, Rustemburgo, Durban e a metrópole Johannesburgo, cujo Estádio Soccer City, o palco da abertura e da final do Mundial de 2010, repetiu esse papel no torneio continental. A Copa Africana seria uma chance de ouro para o governo ganhar munição para defender os investimentos feitos para 2010. O que se viu nos estádios, porém, só reforçou a impressão de que as arenas da Copa não foram bem dimensionadas e planejadas pelos sul-africanos. Em boa parte dos jogos, o público foi decepcionante. As arquibancadas quase vazias mostraram mais uma vez que cidades menores e sem grande tradição esportiva não são boas sedes para um torneio do porte de uma Copa. Johannesburgo, por outro lado, aparece como o único caso de sucesso no país do último Mundial. O Soccer City costuma receber bons públicos em partidas de futebol, já que a metrópole é a casa dos maiores times e das maiores torcidas do país (Kaizer Chiefs e Orlando Pirates, os rivais do "dérbi de Soweto"). Também abriga shows de grande porte e recebe um fluxo razoável de turistas em suas visitas guiadas ao estádio. Para completar, a cidade ainda se beneficia das obras realizadas fora da esfera esportiva. Hoje, a maior cidade sul-africana tem um aeroporto amplo, confortável, seguro e moderno - não há nada similar no Brasil. Se antes era preciso ficar preso no trânsito num táxi entre o aeroporto e o centro, agora bastam doze minutos num trem limpo, rápido e eficiente - e a nova linha, chamada Gautrain, ainda liga a cidade à capital, Pretória. Nessa parte, faria muito bem ao Brasil copiar os sul-africanos.
A manada de elefantes brancos da Copa da África
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Cape Town Stadium, Cidade do Cabo
Nenhum estádio de 2010 custou tanto quanto o espetacular Cape Town Stadium, um colosso coberto de fibra de vidro, às margens do oceano, sob a sombra da Montanha da Mesa, principal cartão-postal da Cidade do Cabo. O investimento de 1 bilhão de reais, porém, só serviu para os oito jogos da Copa. Desde a semifinal entre Holanda e Uruguai, o estádio só abriu as portas para grandes jogos de futebol em poucas ocasiões. Os clubes de futebol da cidade não têm torcida suficiente para enchê-lo. A equipe de rúgbi local costuma atrair grandes públicos, mas prefere jogar em seu estádio tradicional, o Newlands, mais adequado para a prática da modalidade. Cansada de amargar tantos prejuízos, a empresa que tinha a concessão para explorar o estádio devolveu o pepino à prefeitura. Autoridades municipais discutiram até a chance de derrubá-lo - ideia que foi abandonada por causa da repercussão negativa que certamente provocaria. Ninguém sabe como transformar o Green Point num negócio lucrativo.
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