A trajetória do professor do Paraná que empalhou mais de 6 mil bichos e criou um museu
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Uma antiga estação ferroviária em Cornélio Procópio, no norte do Paraná, abriga um urso-marrom, um enorme jacaré-açu, um lobo-guará, uma sucuri e centenas de outros animais, entre aves, répteis, anfíbios e felinos.
Na mesma cidade, quem abre a porta de uma sala da Universidade Estadual do Norte do Paraná (Uenp) dá de cara com tigres, leões e onças-pintadas.
Um desavisado pode se assustar com tantas feras, mas os animais são inofensivos: estão mortos e foram empalhados por João Galdino, 77 anos, professor de fala pausada, voz grave e entusiasta da educação ambiental.
Dentista e biólogo, ele conheceu a taxidermia (processo de conservação de animais mortos) quando cursava Odontologia, em Campinas (SP), na década de 1960.
Filho de pequenos agricultores e com pouco dinheiro no bolso, ele costumava visitar o Bosque dos Jequitibás, um dos parques mais antigos da cidade paulista.
"No bosque havia um professor que fazia taxidermia chamado Mario Lotufo. Colei nele. Observava tudo. Acabei aprendendo de tanto olhar", recorda Galdino.
O primeiro animal que empalhou foi um gavião. Não parou mais.
Formado dentista, Galdino voltou ao Paraná. Atendia como odontólogo e lecionava a antiga disciplina de Ciências no ensino médio. E resolveu fazer faculdade de Biologia à noite para aprender mais sobre fauna e flora.
"Foi aí que soube que muitos animais de zoológicos sofriam com problemas dentários. Não havia profissionais para mexer nos dentes deles. Entrei nessa. Durante 16 anos fiz canais e obturações em leões, tigres, onças, ursos, javalis, chimpanzés de diversos zoos do país. Tive que fabricar instrumentos para mexer nas bocas de cada um deles", conta o professor.
Enquanto cuidava de dentes e dava aulas já como professor universitário de Biologia, Galdino foi formando seu acervo, com doações dos próprios zoológicos e de órgãos ambientais.
"Até hoje é assim. Quando morre um animal, ligam para mim. Se acho interessante, pego minha caminhonete e vou buscar, não importa a distância."
Construindo um museu
O acervo do professor chamou a atenção da Prefeitura de Cornélio Procópio em 2002, ano em que a cidade inaugurou um Museu de História Natural na antiga estação ferroviária do município.
O espaço foi adaptado para receber as peças de Galdino, que formam hoje 100% do acervo.
Paredes receberam pinturas para caracterizar os ambientes dos biomas representados. Galhos de árvores, folhas e outras plantas ajudam a compor os cenários em que os animais são astros.
"Não basta empalhar. Tem que saber a postura de cada um na natureza: o que come, o que preda, em qual árvore sobe, em qual não sobe. Assim é possível ter um trabalho de educação ambiental bem feito", afirma Galdino.
O museu trabalha de acordo com as restrições orçamentárias da prefeitura. Por falta de funcionários - são apenas dois - abre somente de segunda a sexta-feira, das 8h às 14h. O orçamento para manutenção do acervo é de R$ 7,2 mil mensais, repassados a um instituto presidido por Galdino.
Mesmo assim, os livros de visita do museu registram mais de 60 mil nomes em 12 anos de atividades. Número superior à população de Cornélio Procópio, cidade de 48.615 habitantes. A maioria do público é de crianças de escolas da região.
Quando possível, o próprio professor faz o papel de monitor das visitas. Gosta de explicar sobre os animais para crianças e outros públicos. "Não tem nada mais emocionante do que ver um deficiente visual podendo tocar nos animais, pegá-los nas mãos."
Como o espaço histórico da estação ferroviária da cidade não permite ampliações e não comporta mais do que 300 animais, o professor recorre a espaços na Universidade Estadual do Norte do Paraná, onde permanece produzindo.
Praticamente já não cabe mais nenhum bicho por lá. Mas eles continuam chegando, sobretudo animais silvestres que morrem atropelados em estradas, como onças-pardas, e outros oriundos de zoológicos.
Arte e prática
O processo de taxidermia é minucioso. Tudo o que é carne é retirado. Para a conservação, é utilizada uma pasta específica, à base de arsênico. O interior do animal é preenchido com serragem, parafina ralada, poliuretano ou palha. Também são utilizados outros materiais.
Para empalhar um tigre-de-bengala que pesava 260 quilos, o professor precisou construir um esqueleto de ferro. Os olhos são de cristal, importados da Alemanha. Um par custa US$ 30.
Sobre planos para o futuro, Galdino diz que sonha em encontrar um lugar que possa acolher e expor o acervo. A sala que a faculdade reservou para ele está saturada.
Quase não dá para se locomover dentro do espaço. É preciso esforço para alcançar um condor que está atrás dos tigres e necessita de um reparo na asa. E isso sem pisar em uma sucuri de 7,4 metros capturada em um brejo do Rio Tietê, perto de Bauru (SP). "Ela estava com 76 filhotes na barriga. Infelizmente foi laçada, fraturou vértebras e morreu", lamenta.
"Tudo aqui tem um valor científico, cultural e pedagógico. Quero compartilhar", conclui o professor que criou um museu de história natural praticamente sozinho.
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