Com contratos forjados, dirigentes são suspeitos de desviar milhões da Copa no Brasil
LAUSANNE – A renda obtida pelos três principais cartolas da Fifa com a Copa do Mundo no Brasil está sob suspeita e passará a ser investigada pela Justiça da Suíça e dos EUA. Os indícios apontam que Joseph Blatter, Jerome Valcke e Markus Kattner elaboraram contratos ilegais para justificar o desvio de quase R$ 100 milhões gerados na Copa de 2014. Em cinco anos e em diversos outros contratos e salários, os três dirigentes da Fifa garantiram para si mesmos cerca de US$ 80 milhões (R$ 284 milhões).
Na noite de quinta-feira, a Fifa foi alvo de mais uma operação de busca e apreensão, com milhares de páginas sendo levadas pela polícia suíça. O Ministério Público em Berna confirmou a operação indicando que ela faz parte da enquete sobre a corrupção no futebol. No dia seguinte, a entidade respondeu com a revelação da suspeita de enriquecimento ilícito pelos principais dirigentes da organização.
Todos os três dirigentes citados já foram afastados. Mas o inquérito vem revelando que os problemas são bem maiores que a própria polícia imaginava. «As evidências parecem revelar um esforço coordenado pelos trêx ex-dirigentes da Fifa para se enriquecer por meio de aumento de salários, bonus de Copa do Mundo e utros incentivos, totalizando US$ 80 milhões em apenas cinco anos », disse Bill Burck, um dos advogados do escritório Quinn Emanuel e que hoje defende a Fifa.
Segundo fontes em Berna consultadas pelo Estado, os contratos relativos à Copa no Brasil chamam em especial a atenção dos investigadores.
Blatter recebeu US$ 12 milhões (R$ 42,46 milhões) por sua contribuição para realizar a Copa no Brasil em 2014. O valor era quatro vezes seu salário anual. Valcke, que chegou a sugerir que o Brasil recebesse um “chute no traseiro”, recebeu mais US$ 10 milhões (R$ 35,38 milhões), contra US$ 4 milhões (R$ 14 milhões) para Kattner. Assim, somariam US$ 26 milhões (R$ 93 milhões) em prêmios e bônus.
Mas são as condições impostas nos contratos que abriu as suspeitas de que tenham sido somente forjados para justificar os pagamentos. Todos eles foram assinados no mesmo dia, 19 de outubro de 2011. Blatter autorizou o pagamento para Valcke, enquanto era o próprio Valcke quem assinava a autorização para o dinheiro que iria para Blatter. No caso de Kattner, o contrato foi assinado por Blatter e Valcke.
Os critérios também foram considerados como suspeitos. Para o pagamento do bônus pela Copa para Valcke e Kattner, bastava que os jogos do Mundial fossem disputados.
O valor pagos aos dirigentes é superior até mesmo aos prêmios dados às seleções que participaram da Copa. Apenas a Alemanha, campeã, recebeu mais que os cartolas. Em quarto lugar, o Brasil recebeu US$ 18 milhões em prêmio.
Outro aspecto examinado pela Justiça é a transferência do dinheiro que deveria ao futebol e que, segundo a apuração, terminou nas contas dos executivos.
De cada nove dólares gastos no Mundial, oito vieram de recursos públicos brasileiros. Mas a mesma Copa que foi paga pelo contribuinte gerou uma renda inédita para a Fifa, de US$ 5,7 bilhões. Oficialmente, a entidade explicava que esse dinheiro seria revertido ao futebol, inclusive com um fundo de legado ao Brasil de US$ 100 milhões.
O Mundial do Brasil não foi o único a ser alvo de desvios. Seis meses depois do fim da Copa da Africa do Sul, os três dirigentes receberam de forma retro-ativa US$ 23 milhões pelo torneio, em prêmios.
Já enquanto a bola rolava no Brasil, em junho de 2014, Valcke ainda assinaria um contrato para receber outros US$ 16 milhões na Copa da Rússia, em 2018, ao lado de Kattner.
Cláusulas – O restante dos pagamentos gerou suspeitas depois que os contratos revelaram que o dinheiro foi garantido ainda em 2010 e previa que os valores seriam distribuídos até 2019, mesmo que Blatter, Valcke e Kattner fossem demitidos por justa causa de seus cargos. As cláusulas violam a lei suíça.
Segundo a investigação, um mês antes da eleição presidencial de 2011, tanto Valcke como Kattner receberam um contrato de 8 anos e meio, até 2019. O acordo foi assinado com Blatter que, naquele momento, ainda concorria contra Mohammed Bin Hamman.
Nessa renovação, os dirigentes se deram amplos aumentos. Em caso de demissão ou se Blatter não fosse eleito, Valcke ainda receberia US$ 18 milhões. O contrato ainda previa que todos os gastos com advogados e multas cobradas pela Justiça sobre os três dirigentes teriam de ser pagos pela própria Fifa, « mesmo que eles fossem condenados ».
Indiciamento – A enquete também mostrou que o aumento de salários continuou até mesmo depois das prisões, em maio de 2015. Blatter assinou naquele momento um contrato aumentando seu salário para US$ 3 milhões, incluindo uma cláusula que previa um prêmio de US$ 12 milhões se ele terminasse seu mandato.
Um dia depois, Kattner teu seu contrato renovado até 2023 e modificado para garantir que ele seria pago, mesmo sendo demitido. Por meio de seu advogado, Blatter respondeu que vai provar que todos os pagamentos foram « adequados, justos e em linha como os demais chefes de federações esportivas ».
Guerra – O caso foi revelado no momento em que o novo presidente da Fifa, Gianni Infantino, é alvo de questionamentos. O suíço é acusado por Kattner de ter mandado apagar documentos confidenciais, de ter feito gastos desproporcionais e de ter tomado decisões sem consultar os demais membros.
Um documento com 14 páginas foi entregue por Kattner para o Comitê de Ética da Fifa, na esperança de que isso pudesse gerar uma suspensão do novo presidente.
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