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segunda-feira, 19 de fevereiro de 2018

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E o Brasil? 

 DENIS LERRER ROSENFIELD

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O Estado foi capturado por seus estamentos, prioritariamente na defesa dos privilégios

Engana-se quem pensa que o Brasil enfrenta apenas um problema do governo Temer ao defrontar-se com a reforma da Previdência. A questão é muito maior, por dizer respeito ao Brasil, acima de qualquer interesse corporativo e partidário-eleitoral. O atual governo não terá dificuldades em fechar suas contas no corrente ano, mas o próximo se debaterá com esse grave problema desde o início. Se a reforma da Previdência não for feita agora, terá necessariamente de ser realizada pelo próximo mandatário, queira ele ou não.

Qualquer partido ou governante deverá curvar-se à dureza dos fatos e das contas públicas. A ficção tem limites.

O que estamos presenciando são subterfúgios estamentais, ideológicos e eleitorais que procuram escamotear e velar a urgência de uma reforma necessária. O ruído é tanto que termina relegada a questão central do que é melhor para o Brasil, embora os contendores encham a boca com a suposta defesa que fazem da justiça social, quando, na verdade, pensam exclusivamente em seus privilégios. Partidos políticos e corporações do Estado perseguem os mesmos objetivos ao sabotarem a reforma da Previdência, cada personagem centrado em seus interesses próprios.

Do ponto de vista partidário-eleitoral, essa reforma está sendo vista no quadro imediato das eleições deste ano, como se sua aprovação ou não beneficiasse tal ou qual partido ou candidato. Os que temem a eventual reeleição do presidente Michel Temer são contra a reforma por estimarem que, se aprovada, ele se tornaria um candidato viável. Candidate-se ou não, o presidente já tem em seu ativo as reformas empreendidas e a consequente melhora das condições econômicas e sociais, que logo se farão sentir mais concretamente. Poderia até articular uma saída estratégica, deixando o problema da Previdência para o próximo governo. O dele prescinde da aprovação imediata dessa reforma, o mesmo não se pode dizer do que lhe sucederá. Ao fazerem o jogo da dubiedade e dos seus interesses eleitorais, partidos e candidatos estão, de fato, apostando contra o Brasil.

Os que procuram se apresentar como candidatos utilizando-se da tergiversação e da mentira no que diz respeito ao estado das contas públicas, por sua vez, estão fazendo o jogo da irresponsabilidade, como se o destino do Brasil coubesse num teatro de marionetes. São supostos estrategistas, em cujo cálculo estão presentes o descalabro das finanças públicas e um País insolvente, com graves problemas sociais nos próximos anos. Agem como Marie Antoinette, só que não oferecerão brioches, mas contas a pagar e dinheiros falsos.
A cacofonia é grande, com os diferentes atores partidários dizendo uma coisa em público e outra em privado, ao sabor das conveniências e circunstâncias. O Brasil passa ao largo de suas preocupações, como se tudo se esgotasse num mero cálculo eleitoral.

Os discursos dos presidenciáveis relegam a segundo, se não a último plano qualquer compromisso com a verdade. Contam com a mistificação e um processo midiático de convencimento no curto prazo como se não houvesse um projeto nacional que devesse ser levado prioritariamente em consideração. Dançam na beira do abismo!

Do ponto de vista corporativo, estamentos do Estado, tanto nos Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário como no Ministério Público, com destaque para os dois últimos, estão se aproveitando da situação para defenderem os seus privilégios. Chegamos ao absurdo de termos decisões judiciais, patrocinadas pelo Ministério Público, que proibiram que o governo federal esclarecesse a necessidade da reforma da Previdência, dando livre curso, porém, a todas as campanhas que a denegriam. Cada vez mais estamos observando o Ministério Público e o Judiciário avançando nas prerrogativas dos outros Poderes, criando problemas de ordem institucional. A questão da soberania, a de quem decide, vem, mesmo, a recolocar-se como central.

A aplicação da lei, conduzida por promotores e juízes contra a corrupção, com amplo respaldo da sociedade e da opinião pública, fez com que esses atores ganhassem uma conotação propriamente política, embora não exerçam politicamente nenhuma representação. São agentes, em certo sentido, não democráticos, na medida em que agem como políticos mesmo não tendo sido escolhidos, eleitos, para o exercício dessa função. Passaram por concurso, fizeram carreira no Judiciário e no Ministério Público e se acostumaram com decisões monocráticas.

Vieram, dessa maneira, a ocupar posições no Estado que, graças à legitimidade conquistada, não deveriam ser as deles. Juízes e promotores não mais falam somente nos autos, mas para a opinião pública. Emitem opiniões alheias ao cargo que ocupam. Ministros do Supremo Tribunal e o ex-procurador-geral Rodrigo Janot perderam o recato da discrição e falam como se políticos fossem, amparados nas regalias das funções que exercem. Procuram conformar o Estado ao que defendem abstratamente como sendo moralidade pública.

Essas corporações do Estado passaram a atuar efetivamente como estamentos que defendem prioritariamente os seus privilégios, como se os recursos públicos estivessem à sua mercê. Proclamam a moralidade para os outros, para os políticos, porém não a seguem para si, são tenazes na defesa de seus interesses particulares. O Estado veio a ser, então, capturado por seus estamentos, como se devesse responder às suas demandas, e não às da coletividade a que deveriam servir.
Partidos e corporações terminam, assim, irmanados num mesmo projeto de recusa da reforma da Previdência, cujo projeto visa o futuro; a atração recíproca entre esses agentes públicos é dada por interesses imediatos e particulares de uns e outros. Apesar de distintos, têm em comum a visão de curto prazo e a preservação dos privilégios, esses “direitos” que só valem para alguns.

*PROFESSOR DE FILOSOFIA NA UFRGS

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