Ameaças à Copa elevam tensão entre o PCC e a polícia
Luis Kawaguti
Da BBC Brasil em São Paulo
Atualizado em 16 de outubro, 2013 - 12:56 (Brasília) 15:56 GMT
Lideranças da facção criminosa PCC (Primeiro Comando da Capital) que cumprem pena em presídios no interior de São Paulo estão enviando ordens para que seus subordinados em liberdade planejem atentados contra turistas durante a Copa do Mundo de 2014, segundo uma investigação do Ministério Público.
As mensagens dizem que os ataques devem ocorrer se as lideranças da facção forem transferidas para prisões mais rígidas, onde podem ficar praticamente sem comunicação com seus subordinados.
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Analistas e a própria Polícia Militar do Estado afirmaram à BBC Brasil que, embora a facção tenha capacidade para realizar tais ataques, há indícios de que as ameaças não sejam reais, mas, sim, uma forma de pressionar a Justiça e o governo. O objetivo seria evitar a transferência dos 35 membros da cúpula da facção para o chamado RDD (Regime Disciplinar Diferenciado).
Um promotor envolvido nas investigações sobre o PCC disse à reportagem da BBC Brasil que a estratégia da facção é organizar atentados direcionados aos torcedores da Copa — como sequestros de grupos de turistas estrangeiros e a detonação de explosivos no metrô de São Paulo.
'Salves'
As ordens para a elaboração dos planos de ataque começaram a ser dadas pelas lideranças da facção dentro de presídios para seus subordinados em liberdade desde o último dia 10.
A propagação das mensagens (conhecidas como "salves") teria tido início depois que a facção tomou conhecimento dos resultados de uma investigação realizada pelo Ministério Público sobre o grupo por três anos e meio.
"Não temos nenhuma informação de inteligência de que (a ordem para realizar os atentados) seja uma real ameaça. Logicamente, estamos atentos, mas não é hora de alarmismo"
Coronel Benedito Meira, comandante da PM em SP
A investigação revelou que a facção tem cerca de seis mil membros presos e outros 1,8 mil em liberdade, e que está presente em 22 Estados brasileiros, na Bolívia e no Paraguai. Foram descobertos também planos para resgate de presos e até a intenção de assassinar o governador de São Paulo, Geraldo Alckmin.
Com base nessa investigação, a Promotoria denunciou 175 líderes do grupo e solicitou à Justiça que toda a cúpula da facção fosse enviada para o RDD por um ano. Nesse regime disciplinar, os presos ficam praticamente sem comunicação e enfrentam dificuldades para dirigir a facção.
Até agora a Justiça não acatou o pedido, mas a decisão ainda pode ser rediscutida. A ideia da Promotoria era a de que as lideranças ficassem isoladas durante todo o período da Copa e na maior parte da campanha eleitoral de 2014.
De acordo com um promotor, os líderes do PCC autorizaram que seus membros tratassem dos planos para os atentados usando telefones celulares. Isso seria um indício de que as ordens possam vir a ser apenas ameaças ao poder público. Isso porque boa parte dos celulares usados pelo bando são monitorados em escutas telefônicas monitoradas pelas autoridades (e os membros do PCC sabem disso).
Planos considerados secretos são discutidos pela facção por meio de mensagens enviadas por advogados ou mulheres de detentos que visitam presídios transportando bilhetes dos criminosos.
Na avaliação de um promotor ouvido pela BBC Brasil, "o PCC tem capacidade (para realizar os atentados), mas, por enquanto, é um jogo".
'Alarmismo'
As ameaças de ações criminosas por presos do PCC durante a Copa do Mundo já haviam sido interceptadas no ano passado, quando o sentenciado Roberto Soriano, da cúpula da organização, foi transferido para o RDD por ordenar a morte de policiais militares.
Em escutas de conversas telefônicas interceptadas, presos diziam que a Copa só aconteceria se o PCC a autorizasse e que os ataques fariam o mundo "esquecer o 11 de Setembro".
"Se eu fosse parte do PCC, eu pensaria em usar a Copa do Mundo como uma forma de fazer chantagem com o governo."
Peter Tarlow, consultor
Em entrevista à BBC Brasil, o coronel Benedito Roberto Meira, comandante da Polícia Militar de São Paulo, disse que a divulgação das investigações do Ministério Público na mídia o levou a dar um alerta geral aos policiais para redobrarem os cuidados tanto durante o período de serviço quanto fora dele.
"Não temos nenhuma informação de inteligência de que (a ordem para realizar os atentados) seja uma real ameaça. Logicamente, estamos atentos, mas não é hora de alarmismo", disse.
Ele afirmou que a Polícia Militar ainda tem de "ouvir, identificar e contextualizar" os grampos obtidos pelo Ministério Público. Mas, até lá, o alerta permanece "por via das dúvidas". O comandante quer que a onda de ataques do PCC a forças de segurança ocorrida em 2006 não se repita.
Al-Qaeda
Para a pesquisadora Camila Nunes Dias, do Núcleo de Estudos da Violência da Universidade de São Paulo e da Universidade Federal do ABC, esses episódios (as ameaças dos criminosos e a possibilidade de enviar os líderes do PCC para o RDD) voltaram a elevar muito a tensão entre a PM e o PCC.
Porém, diz ela, essa guinada ocorreu sem que nenhum evento novo mudasse o panorama da segurança.
"Se a investigação ocorre há três anos, por que essa urgência agora? O RDD nunca foi uma prioridade dessa administração."
Na opinião dela, tanto as autoridades quanto o PCC aparentam ter suas próprias estratégias, cujos objetivos políticos ainda não estão claros.
"Não acho que as ameaças (do PCC) sejam impossíveis", disse. "A ameaça do RDD pode detonar uma crise".
O consultor internacional em segurança Peter Tarlow, que presta serviços para a Polícia do Rio de Janeiro, também destacou que é realista pensar que o PCC vá aproveitar a Copa do Mundo para tentar pressionar as autoridades.
“Se eu fosse parte do PCC, eu pensaria em usar a Copa do Mundo como uma forma de fazer chantagem com o governo”, disse ele, durante um seminário na Escola Superior do Ministério Público, nesta quarta-feira.
Além disso, Tarlow afirmou que o fato de o Brasil estar em evidência em 2014 por causa do mundial de futebol o torna um possível alvo de ações terroristas.
Nesse contexto, segundo o consultor, a polícia brasileira tem que trabalhar com a hipótese de que extremistas internacionais como a Al-Qaeda possam se associar ao PCC.
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