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domingo, 25 de dezembro de 2016

Leandro Karnal e o Natal / Estadão

Mudaria o Natal ou mudei eu?

Festas tradicionais funcionam como marcos de memória
Leandro Karnal
25 Dezembro 2016 | 02h00
Machado fez essa pergunta num soneto cometido próximo do fim da sua vida. Ele imagina um homem que decide registrar a data cristã do “berço do Nazareno” em versos. De repente, a personagem hesita e perde a inspiração. Diante da folha em branco, registra apenas: “Mudaria o Natal ou mudei eu?”. 
Machado tem o dom de desconstruir crenças. Os contos A Cartomante e Missa do Galo indicam esse esforço de retirar metafísica do mundo. Difícil saber de onde surgia esse sentimento no autor. Amava sua esposa Carolina, mas não teve filhos. Frequentava altas rodas e era mulato de origem humilde, situação que o perturbou algumas vezes. Era um gênio e estava cercado de burocratas repetitivos que fariam o conselheiro Acácio de Eça parecer um gênio. Acho que Machado não gostava do Natal. Eu, pelo contrário, adoro.

Festas tradicionais funcionam como marcos de memória. Sendo balizas, indicam nossa caminhada desde a última ocasião. Por vezes, a memória retorna às celebrações da infância e a recordação nos toma de assalto. Misturar uma discreta melancolia com entusiasmo de fim de ano chega a ser de bom-tom.  
É clichê dizer que o Natal é a festa da família. Quero ampliar a percepção. A festa dos dias 24 e 25 de dezembro é também da família atemporal. Convidamos pais e mães, avós e parentes. Os mortos todos se convidam para nossa casa. Não há como evitá-los; espíritos entram sempre. São como uma bruma densa que se imiscui sob a soleira de um castelo. O Natal é uma festa da memória de mortos e do contato com os vivos. Todas as casas ficam sempre lotadas, inclusive as casas que encerram apenas uma pessoa imersa no seu mundo.

Os jovens reclamam um pouco dos vivos presentes: há sempre um tio chato, pode existir uma cunhada excêntrica, é quase obrigatória a avó depressiva. Hoje, acho essa fauna (incluindo-me nela) parte da originalidade natalina.

Eu penso nos mortos que marcaram meus natais. Sinto falta deles. À medida que amadureço, dialogo mais com os ausentes, que, naturalmente, crescem a cada década. Nenhum jovem imagina o que eu sempre tenho presente: quem estará na festa do ano que vem? Mas a coluna não se pretende melancólica, nem fúnebre. Hoje é Natal. Volto ao leitmotiv: mudaria o Natal ou mudei eu? 
Eu tenho certeza absoluta de que mudei muito. Algumas coisas foram muito boas, outras nem tanto. A ideia de estar com a família sempre foi importante, mas a idade a tornou fundamental. Abasteço-me de quem eu sou, de raiz, de afeto, de um Leandro sem a cenografia do mundo. Volto ao espaço que me gerou, onde cresci, no qual aprendi quase tudo. Lá chorei e ri tantas vezes. Mudamos eu e o Natal e, por isso, preciso voltar a encontrá-lo sempre.
Lutei, ao longo de 2016, para controlar a alimentação. O Natal me convida a abrir mão do plano sempre fracassado da forma perfeita. Relaxe, sente-se e coma, insinua a mesa bem-posta. Hoje, você terá um dos maiores prazeres do mundo: compartilhar refeição com quem se ama. Fora Twiggy! Viva Pantagruel!

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