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quarta-feira, 28 de dezembro de 2016

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O ‘fumei, mas não traguei’

 na Lava Jato

Versão institucional desse tipo de desculpa deverá ser transformada em tese jurídica





Vera Magalhães
26 Dezembro 2016 | 03h00
“Guardei e nunca usei, porque eu uso outro tipo de relógio. Mas, se o cara me deu de presente, vou fazer o quê?” A fala, um monumento à desfaçatez, é do ex-ministro-chefe da Casa Civil da presidente cassada Dilma Rousseff Jaques Wagner (PT). 
Diante da revelação de que recebeu de presente de um lobista da Odebrecht um relógio que custa a bagatela de US$ 20 mil, o petista achou que adaptando o “fumei, mas não traguei” de Bill Clinton estaria se eximindo de culpa.
Para qualquer um soa grotesco, além de ofensivo. Mas o estarrecedor é que uma versão institucional desse tipo de desculpa está sendo costurada por representantes dos três Poderes e deverá ser transformada em tese jurídica em 2017 para tentar separar quem vai ser ceifado e quem sobreviverá à Operação Lava Jato.
Como a delação conjunta de 77 pessoas ligadas à Odebrecht, a maior empreiteira do País, ameaçava tragar indistintamente políticos de todos os matizes políticos e ideológicos, de diversos partidos e diferentes graus de participação nos esquemas da Petrobrás, tratou-se de criar uma distinção entre o caixa 2 “romântico”, “moleque”, e aquele nefasto, fruto de corrupção e destinado, veja só o leitor que indignidade, ao enriquecimento pessoal do beneficiário.
A tese encontra ressonância entre ministros do Supremo Tribunal Federal (STF), ecoa nos corredores da Câmara dos Deputados e do Senado Federal e encontra abrigo acolhedor na Esplanada dos Ministérios e no Palácio do Planalto.
Há que se distinguir, dizem ministros do Supremo, parlamentares e auxiliares de Michel Temer, o que “sempre se praticou” para financiar campanhas eleitorais no Brasil, e era “culturalmente aceito”, de casos aberrantes como o do ex-ministro Antonio Palocci (PT) e do ex-governador do Rio Sérgio Cabral (PMDB), que experimentaram extraordinário enriquecimento à custa de propina, corrupção, lavagem de dinheiro, tráfico de influência e outras delinquências.
Os teóricos da tese do “caixa 2 limpinho” tentaram anistiar em lei o que foi feito até a delação da Odebrecht, mas a grita da sociedade impediu. Então, a ideia é que a tese prevaleça no STF quando – e se um dia – forem julgados os políticos envolvidos no petrolão.
O discurso de que é preciso distinguir o “joio” (caixa 2 ingênuo) do “trigo” (enriquecimento pessoal) é o de que todo mundo que tenha feito campanhas políticas no Brasil desde a redemocratização sabe como elas eram financiadas.
“Nem os políticos nem as empresas eram bandidos. Sei o quanto de dinheiro era necessário para se fazer uma campanha. Não sou um criminoso. Nenhuma empresa tirava dinheiro do bolso. Elas doavam tendo a expectativa de obter contratos. O que vai-se condenar é esse modelo, que não é mais admitido. Mas quem o praticou anteriormente não pode ser punido da mesma forma que quem fez fortuna”, diz, de forma reservada, um ministro citado nas delações da Odebrecht.
E a quem caberá separar os grãos? Ao Supremo. “Já há um grupo de ministros convencido de que a Corte tem de ser a instância última para tirar o País da convulsão institucional”, confia o ministro delatado.
O roteiro condiz com as palavras do ministro Gilmar Mendes, que disse com todas as letras que nem sempre caixa 2 é fruto de corrupção, assim como a Lava Jato também mostra que a doação legal a campanhas não é sinônimo de legalidade, uma vez que muitas propinas eram pagas dessa maneira.
A Segunda Turma do STF, que julga os casos de políticos encrencados na Lava Jato, é composta por cinco ministros: o relator, Teori Zavascki, o decano Celso de Mello, Gilmar Mendes, Dias Toffoli e Ricardo Lewandowski. Pode vir dali o novo alinhamento que permitirá tirar do foco muitos dos citados em delações – da Odebrecht e anteriores.
Afinal, assim como Jaques Wagner, muita gente recebeu presentes de empreiteiras, mas não usou para desfilar por aí, não é mesmo?

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