Gilmar Mendes escancara o que antes era oculto
Josias de Souza
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A cortina ainda não abriu para o segundo ato do julgamento no Supremo do habeas corpus de Lula. Faltam menos de 24 horas para o início do espetáculo. A plateia ouvia o ruído abafado das arrumações nos bastidores quando, de repente, Gilmar Mendes atravessou o ensaio para oferecer pistas de como estarão as coisas no palco na hora que abrirem o pano. A suprema voz soou em Lisboa, onde tudo começou.
“Ter um ex-presidente da República, um 'asset' [ativo] como o Lula, condenado, é muito negativo para o Brasil”, disse Gilmar em entrevista. Um pedaço do público talvez avalie que mais negativo é ter um ex-presidente que, embora condenado, ainda não foi preso porque o Supremo lhe concedeu um inédito salvo-conduto preventivo. E o mais provável é que o preventivo se torne rapidamente definitivo.
Noutro ponto da conversa, Gilmar declarou: ''Se alguém torce para prisão de A, precisa lembrar que depois vêm B e C''. No Brasil, as coisas são mesmo simples, mais simples do que muitos pensam. Simples como o ABC.
A, existe Lula, líder máximo do PT, já condenado em segunda instância a 12 anos e 1 mês de cadeia. B, existe Michel Temer, um presidente do PMDB com duas denúncias criminais prontas para sair do freezer quando ele descer a rampa do Planalto. C, existe Aécio Neves, um grão-duque do PSDB que aguarda na fila. Tudo muito simples.
Embora o Supremo tenha decidido em 2016 que condenados em segunda instância podem ser presos, Gilmar, que votou a favor, considera essencial rediscutir a matéria. O julgamento desta quarta trata espeficamente de Lula. Mas por que não abrir o leque?
“Qualquer que seja o resultado, pela execução de prisão em segundo grau, ou pela não execução, haverá uma acomodação pacífica em relação ao tema”, declarou Gilmar. O ministro reconhece que pode haver uma ou outra incompreensão. Mas acha que tudo acaba se ajeitando.
“Um lado dirá bem feito, tomou-se a decisão correta. Outro lado dirá que não foi bem feito e fará críticas. Mas depois haverá um sentimento de acomodação e será respeitada a decisão do tribunal”, disse Gilmar, sem perceber que o vaivém já corroeu a respeitabilidade do Supremo.
Gilmar lamentou que “o processo público talvez tenha se tornado exageradamente público no Brasil.” Utilizou uma analogia futebolística: “Assim como falávamos que tínhamos 100 milhões, 200 milhões de técnicos de futebol, agora temos 200 milhões de juízes. Todos entendem de habeas corpus…”
O ministro acrescentou: “Isso não é mais conversa de jornalista, é de jornaleiro. São questões postas e temos que conviver com isto. O importante é que entendam do que se trata para depois emitir opinião e nem sempre isso acontece. Temos que melhorar a relação da informacão do público e daqueles que comentam.”
Houve um tempo em que os crimes do poder no Brasil acabavam sempre em impunidade. Nada acima de um certo nível de poder e renda era tão grave que justificasse o desconforto de uma punição. Nessa época, o Judiciário exibia uma transparência de vidro fumê.
De escândalo em escândalo, o país desaguou na Lava Jato. E o brasileiro levou a mão à carteira. Afinal, se o Supremo não toma conhecimento do incêndio no circo, o contribuinte vai tomando consciência de que é o responsável pelo dinheiro que mantém a lona em pé.
Ao receber seu contracheque, seria ótimo se Gilmar pudesse devolver a parte do salário que é financiada pelo pedaço da plateia ignorante em matéria jurídica. Até lá, é melhor render homenagens ao patrão, pois sem a bilheteria não haveria o circo.
Escaldado, o brasileiro vai se tornando especialista em enxergar o lado bom das coisas, mesmo que seja necessário procurar um pouco. No caso da entrevista de Gilmar, o bom é que ela escancara o que antes era oculto. Não resolve o problema. Mas ajuda a explicar por que o Brasil é o mais antigo país do futuro do mundo.
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