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domingo, 11 de novembro de 2012

Ensaio sobre a violência de São Paulo...

http://revistaepoca.globo.com/Sociedade/noticia/2012/11/sob-mira-do-crime.html

VIOLÊNCIA - 09/11/2012 13h18
TAMANHO DO TEXTO

Sob a mira do crime

Como entender a onda recente de violência em São Paulo

ALBERTO BOMBIG E ANGELA PINHO
OCUPAÇÃO Policiais militares durante ação na favela de Paraisópolis, na Zona Sul paulistana. O governo decidiu agir após o assassinato de dezenas de PMs    (Foto: Diogo Moreira/Frame/Folhapress)

Uma chácara na cidade de Várzea Paulista, interior paulista. Foi esse o palco do mais violento entre os recentes confrontos envolvendo a Polícia Militar de São Paulo. No dia 11 de setembro, segundo a PM, um grupo de criminosos “julgava” no local um homem acusado de estupro. O governo paulista diz que integrantes da Rota, força de elite da polícia, foram ao local depois de receber uma denúncia sobre o tal julgamento e que foram recebidos com tiros. Nove pessoas morreram – oito que participavam do julgamento e o próprio “réu”, que fora absolvido no “tribunal do crime”. O governador Geraldo Alckmin (PSDB) declarou dias depois: “Quem não reagiu está vivo”.
A ação expôs a gravidade do atual conflito entre as forças do Estado e criminosos em São Paulo. Desde o início do ano, ao menos 90 policiais militares foram assassinados, a maioria em horário de folga. Ao mesmo tempo, aumentou de forma espantosa o número de homicídios na capital paulista, que nos últimos anos aprendera a celebrar uma constante e regular queda nos números da violência contra a vida (leia o gráfico abaixo). O mês de outubro repetiu uma triste tendência vista em setembro: a taxa de assassinatos quase dobrou em relação ao mesmo período de 2011. Até a tarde do dia 31, foram registrados na cidade de São Paulo 145 homicídios, um crescimento de 86% em relação ao mesmo mês do ano passado (78 mortes). Em setembro, o total registrado já representara um salto de 103%: 144 mortos, contra 71 no mesmo mês de 2011. As duas marcas foram recordes desde que a contabilidade mensal começou a ser feita pelo governo de São Paulo, em janeiro do ano passado.
Ainda positivo (Foto: Fonte: Secretaria de Segurança Pública  do Estado de São Paulo. *Dados até set./2012)

Diante da atual onda de violência, o governo de São Paulo depara, de forma relativamente repentina, com questionamentos sobre sua política de segurança, antes apresentada como um dos destaques pelo governador Alckmin. Desde 1999, quando Alckmin era vice-governador de Mário Covas, os índices de violência registravam redução a cada ano. Agora, estudiosos, autoridades do Judiciário e do próprio governo põem em xeque a eficácia de um modelo amparado principalmente no aparato repressivo do Estado – em particular, seu braço armado, a Polícia Militar. Por enquanto, o grupo mais vulnerável nessa onda de violência são os próprios policiais militares. Num sinal de que a onda de assassinatos está longe do fim, na sexta-feira (2) dois deles foram mortos a tiros enquanto passavam à paisana de moto em Heliópolis, na Zona Sul de São Paulo. O governo estadual diz que crimes como esse serão investigados, e seus autores punidos. Afirma já ter identificado 169 suspeitos por recentes ataques contra policiais. Desses, até o dia 2, 129 foram presos; 20 morreram; outros 20 estão foragidos.
A mensagem
Para o governo de São Paulo
O combate ao crime exige inteligência e planejamento, além do uso da força
Para o governo federal
A violência em São Paulo não pode ser usada como moeda do jogo político  
À violência soma-se o medo. Boatos, suspeitas e até mesmo evidências de que criminosos impõem “toques de recolher” em bairros da periferia têm tirado o sono de moradores de São Paulo. No dia 29 de outubro, funcionários de uma fábrica localizada no Parque Ipê, na Zona Oeste da capital, foram dispensados mais cedo. Segundo uma das proprietárias, eles foram orientados por policiais a ficar em casa depois das 17 horas para se proteger de criminosos. Informações semelhantes, não necessariamente verídicas, fizeram com que estudantes de escolas estaduais e universidades privadas deixassem as aulas mais cedo na semana passada.


Moradores acreditam no que ouvem por temer uma repetição do clima de insegurança que viveram em maio de 2006. Naquele ano, após uma série de rebeliões em presídios e ataques a policiais, a cidade de São Paulo ficou paralisada por um dia. Por causa do risco de violência, ônibus urbanos foram retirados de circulação, escolas suspenderam as aulas e empresas encerraram o expediente mais cedo. Investigações apontaram que a ordem para os ataques fora dada de dentro de presídios por integrantes do Primeiro Comando da Capital, PCC. Até então, a sigla pouco ou nada significava para a grande maioria dos paulistanos. A organização criminosa, formada em 1993 por presos de uma penitenciária do interior de São Paulo, cresceu e mostrou sua força ao longo do governo Mário Covas (PSDB). No dia 18 de fevereiro de 2001, o grupo promoveu rebeliões simultâneas em 29 penitenciárias em São Paulo, durante um dia de visita de familiares. O movimento foi coordenado com a ajuda de telefones celulares que haviam entrado clandestinamente nas cadeias. Foi a maior ação do grupo até os ataques de 2006.
É bom que se diga: São Paulo não vive uma repetição de 2006. Não há registro de rebeliões ou ataques contra distritos policiais. Em 2006, dezenas de ônibus foram incendiados, prática pouco vista neste ano, apesar de ter acontecido em alguns pontos da Grande São Paulo. Antonio Ferreira Pinto, o secretário de Segurança que entrou no governo, na Secretaria de Administração Penitenciária, justamente após os ataques de 2006, não cansa de repetir que a força e o tamanho do PCC costumam ser superestimados. No dia 30 de outubro, admitiu apenas que um dos chefes da facção, conhecido como Piauí (o traficante foi transferido para Rondônia na quinta-feira 8), ordenara o assassinato de seis policiais. “É um momento de dificuldades, pelo número de mortes, que impressiona. Mas não é crise”, disse. O governador Alckmin admitiu um “momento de estresse” na segurança.
Os seguidos assassinatos de PMs atingem em cheio a atual estratégia de segurança do governo de São Paulo. Segundo apurou ÉPOCA, a crise no setor foi precipitada por uma mudança na forma com que as autoridades paulistas combatem o crime organizado. O governo Alckmin optou por valorizar a Polícia Militar, em detrimento da Polícia Civil, nas investigações. Em 2009, logo depois de assumir a Secretaria, Ferreira Pinto iniciou um salutar processo de “limpeza” das duas polícias. As medidas, porém, atingiram mais diretamente a Civil. No ano passado, o afastamento do delegado Marco Antônio Desgualdo do Departamento de Homicídios (DHPP), por “falta de lealdade administrativa”, foi o ápice dessa disputa velada.
Segundo funcionários do governo e das duas polícias, o embate silencioso entre a cúpula da Secretaria e a Polícia Civil gerou um processo de esvaziamento dos serviços de inteligência. Até então, praticamente todas as informações sobre o PCC estavam centralizadas no Departamento de Investigações sobre o Crime Organizado (Deic), vinculado à Polícia Civil. O Deic era o mais capacitado para monitorar o grupo, pois o principal negócio do PCC era, historicamente, roubo a bancos – muitos deles ações complexas, que envolvem a construção de túneis.
Ex-policial militar, Ferreira Pinto sempre teve bom trânsito na Polícia Militar. Ela assumiu a liderança nas operações contra o crime organizado em São Paulo, e a famosa unidade Rondas Ostensivas Tobias de Aguiar, a Rota, virou referência nas ações. Entre 2009 e 2011, a Rota, conhecida como corporação dos “boinas pretas”, foi comandada pelo coronel Paulo Alexandre Lopes Lucinda Telhada. Conhecido por um estilo “linha-dura”, Telhada registra em sua ficha 33 “mortes em confrontos” e 80 “elogios”.
No mês passado, Telhada foi eleito vereador de São Paulo pelo PSDB, com 89 mil votos. Para os entusiastas da política de segurança paulista, o resultado prova que a população aprova a ação da polícia. Reservadamente, membros do Judiciário e do próprio governo admitem que a supervalorização da PM gerou ações “de uso excessivo da violência”. O melhor exemplo é o que ocorreu em Várzea Paulista em setembro. A reação dos bandidos veio na mesma medida.
“Depois de 12 anos só matando e prendendo, o governo esgotou sua capacidade repressiva”, diz um desembargador do Tribunal de Justiça do Estado, que já atuou em casos envolvendo o PCC. Segundo ele, com o serviço de inteligência esvaziado, o Estado tem dificuldade em determinar com clareza até mesmo se os ataques a policiais militares são comandados pela cúpula do PCC ou se são obras de grupos menores. O desembargador afirma que os verdadeiros líderes da facção estão no litoral paulista ou no interior do Estado, não em favelas da capital. Na semana passada, o Estado decidiu invadir a favela de Paraisópolis, na Zona Sul da capital. Segundo o balanço da PM, foram apreendidas algumas armas e uma quantidade de drogas embaladas para a venda. Até agora, nenhum líder do PCC foi encontrado no local.
Além do líder Piauí, outro preso foi transferido recentemente para um presídio com regime disciplinar mais rígido depois que uma carta com ameaças a policiais foi encontrada em seu poder. Para Guaracy Mingardi, pesquisador da Fundação Getulio Vargas e ex-subsecretário nacional de Segurança Pública, esse é um indício de que os ataques no Estado de São Paulo têm relação com a facção criminosa. Outro indício é o registro de ataques em várias cidades do Estado. “O PCC é a única quadrilha presente no Estado todo”, diz. No início de outubro, o jornalFolha de S.Paulo disse que uma investigação da polícia identificara integrantes do PCC em 123 dos 645 municípios de São Paulo. Para Mingardi, a morte de integrantes do PCC pela polícia pode ter desencadeado os ataques a PMs. A situação, na avaliação dele, agravou-se quando Ferreira Pinto transferiu da Polícia Civil para a Rota a responsabilidade por investigar crimes atribuídos ao PCC. “A Rota é uma força preparada para enfrentamento armado, não para investigar.” Mingardi diz que o governo deve encontrar meios de bloquear os recursos financeiros da organização e combater os pontos de tráfico de drogas.
O coronel Luiz Carlos dos Santos, presidente da Associação dos Oficiais da Polícia Militar de São Paulo, também acredita que o PCC tenha participação nos crimes recentes. Para ele, o governo demorou a admitir a participação da facção nas mortes tanto por uma questão política – as eleições municipais de outubro – como por “excesso de zelo”, para evitar pânico na sociedade. Para Claudio Beato, pesquisador de violência e professor da Universidade Federal de Minas Gerais, é difícil dizer o que está por trás da onda de violência. Ele defende mais transparência nas investigações da polícia. “A falta de informações acaba gerando mais insegurança.”
O pesquisador Julio Jacobo Waiselfisz, coordenador do Mapa da Violência, estudo com estatísticas nacionais de criminalidade, diz que a onda de violência ainda não compromete a tendência de queda vista em São Paulo desde 1999. Naquele ano, o índice de homicídios era de 35,27 a cada 100 mil habitantes. Em 2011, chegou a dez. No Rio de Janeiro, cuja política de segurança tem sido elogiada, a taxa estava em 26,5. “Concentrar a preocupação em São Paulo me parece exagerado”, diz.
Em meio ao desencontro de informações, surgiu um novo desafio para a população paulista: a luta política. O ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, deu entrevistas e emitiu nota dizendo que São Paulo recusara a cooperação federal contra a criminalidade. “Em diversas oportunidades, o governo federal ofereceu apoio ao governo de São Paulo na área de segurança pública. Essa proposta foi reiterada em reunião do ministro da Justiça com o secretário de Segurança Pública do Estado de São Paulo, em junho deste ano, em que questões da área de inteligência policial foram debatidas”, afirmou Cardozo. Um furioso Palácio dos Bandeirantes considerou a afirmação um ataque do PT a Alckmin, provável candidato à reeleição em 2014. Como resposta, o governo de São Paulo divulgou um pedido de verba encaminhado ao governo federal e nunca atendido. Enquanto novos tiros, agora políticos, são disparados, os paulistas, amedrontados, mantêm a cabeça abaixada à espera de soluções.
Personagens e cenas de uma crise (Foto: Cristiano Novais/Cpn/Estadão Conteúdo, Renato Silvestre /Futura Press, Andre Dusek/Estadão Conteúdo, Eduardo Anizelli/Folhapress e Alex Silva/Estadão Conteúdo)



Um comentário:

  1. É guerra civil. É o domínio do crime sobre a legalidade. Estamos desamparados, humanamente falando. Não há líderes à altura do momento presente, e outros não aplicam as técnicas modernas americanas. O serviço de inteligência é ultrapassado. Falta coragem e segurança para os policiais, e infiltração do crime na própria polícia. É uma incompetência absoluta. Por isto sou a favor da pena de morte no Brasil.

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