Nhá Chica de Baependi (beatificada em 4 maio 2013)
O que é um milagre?
Existem definições de todos os tipos: algo que vai contra as leis da natureza, intercessões em momentos de crise profunda, coisas cientificamente impossíveis, etc.
Eu tenho minha própria definição: milagre é aquilo que enche o nosso coração de paz. Ás vezes se manifesta sob forma de uma cura, de um desejo atendido, não importa – o resultado é que, quando o milagre acontece, sentimos uma profunda reverência pela graça que Deus nos concedeu.
Há vinte e tantos anos atrás, quando eu vivia meu período hippie, minha irmã me convidou para ser padrinho de sua primeira filha. Adorei o convite, fiquei contente que ela não me pediu para que cortasse os cabelos (naquela época, chegavam até a cintura), nem me exigiu um presente caro para a afilhada (eu não teria como comprar).
A filha nasceu, o primeiro ano se passou, e o batizado não acontecia nunca. Achei que minha irmã tinha mudado de idéia, fui perguntar o que havia acontecido, e ela respondeu: “Você continua padrinho. Acontece que eu fiz uma promessa para Nhá Chica, e quero batizá-la em Baependi, porque ela me concedeu uma graça”.
A filha nasceu, o primeiro ano se passou, e o batizado não acontecia nunca. Achei que minha irmã tinha mudado de idéia, fui perguntar o que havia acontecido, e ela respondeu: “Você continua padrinho. Acontece que eu fiz uma promessa para Nhá Chica, e quero batizá-la em Baependi, porque ela me concedeu uma graça”.
Não sabia onde era Baependi, e jamais tinha escutado falar de Nhá Chica. O período hippie passou, eu me tornei executivo de gravadora, minha irmã teve uma outra filha, e nada de batizado. Finalmente, em 1978, a decisão foi tomada, e as duas famílias – dela e de seu ex-marido – foram a Baependi. Ali eu descobri que a tal Nhá Chica, que não tinha dinheiro nem para seu próprio sustento, havia passado 30 anos construindo uma igreja e ajudando os pobres.
Eu vinha de um período muito turbulento em minha vida, e já não acreditava mais em Deus. Ou melhor, dizendo, já não achava que procurar o mundo espiritual tinha muita importância: o que contava eram as coisas deste mundo, e os resultados que pudesse conseguir. Tinha abandonado meus sonhos loucos da juventude – entre os quais, ser escritor – e não pretendia voltar a ter ilusões.
Estava ali naquela igreja para apenas cumprir um dever social; enquanto esperava a hora do batizado, comecei a passear pelos arredores, e terminei entrando na humilde casa de Nhá Chica, ao lado da igreja. Dois cômodos, e um pequeno altar, com algumas imagens de santos, e um vaso com duas rosas vermelhas e uma branca.
Estava ali naquela igreja para apenas cumprir um dever social; enquanto esperava a hora do batizado, comecei a passear pelos arredores, e terminei entrando na humilde casa de Nhá Chica, ao lado da igreja. Dois cômodos, e um pequeno altar, com algumas imagens de santos, e um vaso com duas rosas vermelhas e uma branca.
Num impulso, diferente de tudo o que eu pensava na época, fiz um pedido: se, algum dia, eu conseguir ser o escritor que queria ser e já não quero mais, voltarei aqui quando tiver 50 anos, e trarei duas rosas vermelhas e uma branca.
Apenas para me lembrar do batizado, comprei um retrato de Nhá Chica. Na volta para o Rio, o desastre: um ônibus pára subitamente na minha frente, eu desvio o carro numa fração de segundo, o meu cunhado também consegue desviar, o carro que vem atrás se choca, há uma explosão, vários mortos. Estacionamos na beira da estrada, sem saber o que fazer. Eu procuro no bolso um cigarro, e vem o retrato de Nhá Chica. Silencioso em sua mensagem de proteção.
Ali começava minha jornada de volta aos sonhos, à busca espiritual, à literatura, e um dia eu me vi de novo no Bom Combate, aquele que você trava com o coração cheio de paz, porque é resultado de um milagre. Nunca me esqueci das três rosas. Finalmente, os cinqüenta anos – que naquela época pareciam tão distantes – terminaram chegando.
E quase passam. Durante a Copa do Mundo, fui a Baependi pagar minha promessa. Alguém me viu chegando em Caxambu (onde pernoitei), e um jornalista veio me entrevistar. Quando eu contei o que estava fazendo ali, ele pediu:
- Fale sobre Nhá Chica. O corpo dela foi exumado esta semana, e o processo de beatificação está no Vaticano. As pessoas precisam dar seu testemunho.
- Não – disse eu. – É uma história muito íntima. Só falaria se recebesse um sinal.
E pensei comigo mesmo: “O que seria um sinal? Só mesmo se alguém falasse em nome dela!”
- Fale sobre Nhá Chica. O corpo dela foi exumado esta semana, e o processo de beatificação está no Vaticano. As pessoas precisam dar seu testemunho.
- Não – disse eu. – É uma história muito íntima. Só falaria se recebesse um sinal.
E pensei comigo mesmo: “O que seria um sinal? Só mesmo se alguém falasse em nome dela!”
No dia seguinte, peguei o carro, as flores, e fui a Baependi. Parei um pouco distante da igreja, lembrando o executivo de gravadora que estivera ali tanto tempo antes, e as muitas coisas que tinham me conduzido de volta. Quando ia entrando na casa, uma mulher jovem saiu de uma loja de roupas:
- Vi que seu livro “Maktub” é dedicado a Nhá Chica – disse ela. – Garanto que ela ficou contente.
- Vi que seu livro “Maktub” é dedicado a Nhá Chica – disse ela. – Garanto que ela ficou contente.
E não me pediu nada. Mas aquele era o sinal que eu estava esperando. E este é o depoimento público que eu precisava dar.
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